Em memória do cordelista piauiense Pedro Costa.
Vamos falar do Pedro Costa amigo, companheiro e operador da cultura e
das causas perdidas, durante mais de trinta anos em que convivemos, sempre de
forma respeitosa e de absoluta confiança.
Ele gostava de repetir como tínhamos nos conhecido, e de como eu o
convidei para fazer teatro, de forma um tanto jocosa, como sempre fazia com as
coisas inusitadas. Na realidade, nunca contei minha versão, não havia
necessidade. Mas agora em, sua memória, podemos relatar com mais profundidade
como se deu nosso primeiro encontro.
No final dos anos setenta eu era estudante de arte da Universidade
Federal do Piauí, curso de Educação Artística-Artes Cênicas. E ganhara uma
bolsa para formar um grupo de pessoas para fazer teatro, a chamada Bolsa Arte.
Formei um grupo de pesquisa teatral para atuar em comunidades de Teresina.
Escolhemos o bairro Bueno Aires, na zona Norte de Teresina, para começar o
trabalho.
Lembro que estava apresentando o espetáculo infantil Chiquinha, no
Theatro 4 de Setembro, e notei aquele menino falador e esperto, vendendo bombons
e outras coisas. Como estávamos precisando de pessoas para formar um grupo de
teatro, lá no bairro Bueno Aires, convidei o rapazote para o grupo. Quanto a
reação dele ao convite, a parte que Pedro Costa contava para as pessoas, é
verdadeira. “É preciso ser viado pra fazer teatro?” Foi sua pergunta na lata.
Não, pelo menos, eu não sou. Respondi. A partir de então, nasceu uma amizade
que durou por décadas. Pedro Costa, antes de ser o cordelista e poeta popular
mais destacado do Estado, começou a fazer arte no teatro.
Depois dos primeiros anos, em que ele atuou
em alguns espetáculos, compareceu a festivais de teatro e, pasmem, foi
presidente da Federação do Teatro Amador do Piauí, Pedro Costa apareceu com a
viola e com os cordéis. Ele já tinha pavimentado o caminho rumo a sua saga de
cordelista. Fundou o Sindicato dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí, e
promoveu alguns festivais e debates, sempre me colocando como membro efetivo
desses movimentos. Eu fazia o papel, digamos, de eminência parda dos seus
sonhos, tratando dos editais, estatutos e da criação do que ele planejava.
Mesmo por que meu campo era o teatro.
Pedro era incansável, rápido, avexado no que
fazia. As vezes me surpreendia, e me fazia repreendê-lo, mas tudo numa boa. Um
exemplo, foi quando da criação da Revista de Repente. Ele chegou na Fundação
Monsenhor Chaves, onde eu trabalhava, e mostrou a ideia. Adorei. Disse
prontamente que íamos fazer a revista. Eu tinha a pretensão de uma revista
vistosa, nos moldes dos Cadernos de Teresina, lançado pela Fundação. Cheguei a
colocar a ideia para o Professor Wall Ferraz, que aprovou. Comecei a trabalhar
no projeto. Pois não durou vinte dias
Pedro Costa chegou com a primeira Revista de Repente nas mãos. Fiquei passado,
como se diz. Uma revistinha pequena, tímida, parecendo um cordel. Deu vontade
de xingar o infeliz. Mas depois fiquei pensando se não foi melhor assim. A
revista progrediu, ajudei a construí-la e ela se tornou um veículo
imprescindível de comunicação dos poetas e cordelisras do Brasil.
Pedro me telefonava a qualquer hora
e momento. Fosse para falar de projetos, viajar pelo Piauí ou simplesmente cair
na noite. Muitas das viagens memoráveis pelo Estado, participando de festivais
de violeiros, feiras de livros e palestras, teve a presença do meu querido Luís
Carlos, filho do Pedro. Para mim era uma total desopilação escutar pai e filho,
piadas e causos sem fins. Alguns nada politicamente corretos. Com Pedro Costa,
montamos uma banca de cordéis no mercado velho, que depois se transferiu para o
Centro de Artesanato. Com Pedro, participamos ativamente da criação da Fundação
Nordestina do Cordel – FUNCOR. Mas o passo definitivo com ele foi quando fiz o
Projeto Cordel nas Escolas, através da Fundação Nordestina do Cordel, para o
Ministério da Cultura. Lembro que vencida cada etapa do Projeto, era uma festa.
Literalmente. Mesmo por que Pedro era um
bom vivant. Foi o primeiro Projeto do
Piauí a ser conveniado com o Minc, criando os chamados Pontos de Cultura, a
mais festejada ação cultural do governo Lula e do então ministro da cultura
Gilberto Gil. Portanto, Cordel nas Escolas foi o primeiro Ponto de Cultura do
Piauí. O Projeto Cordel nas escolas
transformou a Fundação Nordestina do Cordel. Deu estrutura a entidade, com sede
própria e equipamentos. Atuou em mais de duzentas escolas do Estado, e ganhou
todos os prêmios possíveis do Ministério da Cultura.
Posso dizer que foi uma amizade saudável, sem trincos, generosa de um
lado e do outro. Pedro dizia que era meu fã, e eu dizia pra ele que eu só
servia para ajuda-lo em suas loucuras, e salvá-lo de alguma enrascada, por que
de viola e de cordel eu não entendia bulufas. Mas o ajudava em tudo que ele
planejava, e em que eu via seriedade e futuro. Uma das suas últimas criações
que participamos foi a criação da Academia Piauiense de Literatura de Cordel –
APLC, na qual temos uma cadeira, e fiz questão de meu patrono ser o professor e
dramaturgo Gomes Campos.
Pedro me ouvia, o que não o
fazia com qualquer um. E eu o escutava, até nas entrelinhas. Era necessário.
Quantas vezes falamos sobre a vida e a morte, e a pressa de apressar a morte.
Suas histórias, causos, piadas e tiradas que vivemos merecem muito mais do que
um simples relato como esse. Quem sabe um dia nas memórias do tempo não
possamos contá-las? Enfim, ele se foi. Muito cedo. Mas viver a vida não é para
os fracos. E Pedro Costa viveu.