quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

O MIADO DO GATO - PARTE 3

               Certeiro na baladeira que só um John Waine no gatilho Alipio obedeceu a prima prontamente, e o que se viu em seguida no quintal casa grande, vez por outra, era um gato com o espinhaço quebrado se arrastando pelo chão, quando não ficava estirado estribuchando até morrer. A própria Jerusa corria para a mãe esbaforida para avisar de mais um gato que estava morrendo. Enquanto a mãe alarmada com tamanha situação tentava saber o que estava acontecendo com seus gatos, Jerusa se fazia de santa e se dava por satisfeita com o estrago feito pela baladeira do primo Alipio. 

              Com pouco tempo ela proibiu o primo de continuar.

           - 'Tá bom, viu Lio! os bichos já tomaram uma lição!

              Para dona Jerusa aquela invasão de gatos em sua casa tocando o terror pelos telhados em alaridos de animais no cio era preciso ter um fim, custasse o que custasse.

           - Tem deles que parece que pegam as telhas e batem com ódio! Dizia ela. Parece uma praga num vê!

           - Mas fazer o que minha mãe? Vai pra cadeia quem matar animais  domésticos!

             Impossível! Ela jamais iria aguentar aquilo sem fazer nada. Continuava a detestar gatos da mesma forma de quando era menina, obrigada pela mãe a cuidar deles. Agora depois de tantos anos, quando precisava de sossego na vida vinham esses gatos para lhe atazanar a paciência. Tudo lhe voltava na lembrança.

             Sua mãe Belarmina descobriu, não se sabe como, que o matador de seus gatos fora o Alipio, seu querido sobrinho Lio. Ela não teve piedade do jovem, além de excomungado ela o proibiu de por os pés em sua casa. Alipio, por amor a Jerusa deixou a prima de fora da confusão o que o fez se arrepender, pois Jerusa não o defendeu e ainda se saiu como inocente. Alipio só foi perdoado pela tia quando ela já estava as portas da morte.

             Agora com os gatos voltando a povoar os dias de dona Jerusa, fosse quebrando as telhas de sua casa ou adentrando em sua cozinha para roubar comidas, a velha senhora lembrava-se de como tinha dado  um fim definitivo nos gatos da mãe, quando ela descobriu os mal feitos de Alipio. Quando os gatos voltaram a lhe atazanar ela começou a envenenar os bichos com uma mistura de Criolina e de Detefon, um veneno para mata insetos. Ela fazia a mistura dos dois ingredientes na comida dos gatos. A morte não era repentina. Os bichos sofriam vomitando pelos cantos da casa uma meleca branca esverdeada até morrer. Para dona Belarmina aquilo se tratava de uma peste sem remédo.

           Com tantos ingredientes em casa para matar ratos, baratas e cupins, dona Jerusa sabia muito bem como dar sumiço naqueles gatos.

           - Parece uma peste, ninguém aguenta! Esbraveja ela.

           - Faço o que minha mãe?

           - Do jeito que está é que num pode ficar! 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

O MIADO DO GATO - PARTE 2

                Na casa de dona Jerusa não se criavam animais domésticos. De tempos em tempos um cachorrinho, que vivia recluso em seu canto. Gatos jamais! Os filhos sabiam que a mãe não os suportavam, por isso evitavam bichanos em casa. o problema eram os gatos dos vizinhos, gatos em abundância, subindo pelos telhados da casa de dona Jerusa, quebrando as telhas, quando não adentravam a casa para roubar comida. Um inferno! Apesar de tudo isso, os vizinhos não satisfeitos ainda davam comidas na calçada para os gatos de rua. E assim eles apareciam cada vez mais nas portas das casas. Para dona Jerusa uma mania besta.

            - Isso não vai salvar a alma de ninguém! Dizia ela, e completava- Daqui a pouco os bichos vão tomar conta do mundo!

                Quando dona Jerusa, ainda mocinha, tinha perdido completamente o sossego de tanto gato ao seu redor. Foi um passo para pensar de como se livrar deles. Não seria uma tarefa fácil, pois sua mãe dona Belarmina Carmelo, a bondosa Bilú, amava seus bichinhos peludos e macios, alguns deles cheios de dengos, o que ela cuidava como cuidava dos próprios filhos. Dona Bilú não só sabia a linguagem dos gatos como parecia saber o que eles queriam.

             - 'Tá olhando pra mim por que? A comida é essa mesmo - Dizia dona Bilú a alguns deles.

                Jerusa pensou em várias formas de dar fim aos gatos, principalmente aqueles mais afoitos. E daí, quem sabe, os outros não fugiriam, e não atazanariam tanto sua paciência? Pois como sua mãe lhe ensinara os gatos conversavam entre eles. Mas como fazer sem levantar suspeita?  Um dia vendo o primo Alipio com sua baladeira, a quem todos chamavam de Lio, não pensou duas vezes. Lio mataria os gatos, pois o rapaz não só adorava Jerusa, ele a endeusava!

           - Acerta na testa Lio, no mucumbú, seja lá onde for! Explicava ela para o primo.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O MIADO DO GATO - PARTE I

            Do alto dos seus oitenta anos dona Jerusa Carmelo tornara-se uma exímia matadora de gatos. Não sabia mais com exatidão como e quando tinha pego tanta ojeriza pelos bichanos. As lembranças falhavam, mas aqui e acolá, elas vinham na sua memória como turbilhões e se mostravam nitidas e claras, levando-a a se lembrar de um passado há muito enterrado na sua cabeça, e que ela não tinha interesse nenhum em reviver. Tão distante aquilo, mas ainda hoje fazendo parte de sua vida.

             Não tinha mais de doze anos e já era uma mocinha feita com os peitinhos furando a blusa e o olhar penetrante para o corpo dos homens.

             - Jerusa, vá cuidar dos gatos, menina!

             - Cuidar dos gatos, mãe?...

             - Dá comida, vá!

               A mãe sempre vigilante não desgrudava dela um instante, foi quando deu de inventar dela cuidar da penca de gatos existentes na casa. Disso dona Jerusa se lembrava, memórias que iam e vinham, por que foi a partir do dia que passara a cuidar dos gatos da mãe que sua vida virara um verdadeiro inferno.  Os gatos em pouco tempo viviam atrás dela, e alguns deles, quando não pulavam em sua cama, deitavam-se debaixo. Ela tinha perdido o sossego na sua própria casa, e foi assim que começou a tramar de como se livrar dos gatos. 

              Dona Jerusa Carmelo se mudara para a cidade grande ainda jovem para que os filhos estudassem. Conquistara amizade e respeito, e era uma senhora querida pelos vizinhos e pela comunidade onde morava. Mãe de três filhos criados por ela quando o marido desapareceu de sua vida, deixando-a ainda muito jovem com tamanha responsabilidade de manter a casa. Temente a Deus e devota de Nossa Senhora da Conceição ela venceu todos os obstáculos á su frente, e deu aos filhos exemplos de coragem e honradez. Seus filhos eram motivo de orgulho não só para sua família mas para todos que os conheciam. A história dos gatos de sua mãe passaram muitos anos escondidas nas suas lembranças, mas tinham retornado com muita força a alguns anos com tantos gatos na rua e pelos telhados das casas. Parecia uma peste de cidade grande. Era preciso dar um jeito naquilo, pensou dona Jerusa.   .

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A BONECA ENFORCADA NO TETO

              O ano era 1980 e a cidade era Salvador, na Bahia. Naquele ano realizava-se o I Fórum Nacional de Teatro naquela cidade. O Piauí estava presente com uma delegação de artistas e dirigentes da Federação de Teatro Amador do Piauí - FETAPI. Podemos dizer que aconteceu de tudo naquele evento.
                Uma Oficina de Teatro do Oprimido, ministrada pelo próprio Augusto Boal, recém-chegado do exilio, e criador do método, era uma das grandes do Fórum. A oficina aconteceu no Teatro Castro Alves. Mas para se ter uma dimensão da grandiosidade do evento basta dizer que Peter Brook, um dos maiores teóricos mundiais do teatro também estava presente e deu palestra.
                Eram espetáculos, palestras, oficinas, debates, e festas, muitas festas! Alguns nomes de destaques do teatro piauiense estavam presentes como Lari Sales, Afonso Miguel Aguiar, Adalmir Miranda, José da Providência, Roberto Saboia, Lili Martins, Lorena Campelo, e outros. Meus companheiros de jornada eram Afonso Miguel e José da Providencia, com toneladas de bebidas diárias. Eram movidos a alcool. 
                Dois fatos simples me chamaram atenção. O primeiro, quando eu e Afonso Miguel fomos procurar o Circo Teatro Livre da Bahia, de enorme sucesso naquele período. Saímos do hotel com o endereço e só. A pé nos perdemos na cidade baixa de Salvador, depois de ter descido o elevador Lacerda. Demos de cara com a policia, e contamos nossa história. A policia não acreditou. Mostramos credenciais do Fórum, e depois de consultas da própria policia com outra guarnição fomos escoltados até o Circo Teatro Livre da Bahia. Ufa! Noite memorável assistindo Benvindo Cerqueira e todo seu talento. 
               outro fato, aconteceu no Hotel. Como toda noite tinha festa os namoros aconteciam soltos em apartamentos das delegações dos estados presentes ao evento. Em nosso apartamento, coletivo com beliches rolavam cenas picantes. Tinha uma atriz de Recife, muito timida, fechada mesmo. Ela não desgrudava de sua boneca de pano quando estava no apartamento. Criou-se uma áurea em torno da garota, que eram muito bonita. Um dia, quando retornamos altas horas da noite da programação do Fórum a boneca da atriz estava dependurada pelo pescoço, amarrada com um cordão na luz do teto do apartamento. Foi um deus nos acuda. A garota foi aterrorizada. Mudou  de apartamento. Nunca se descobriu o autor da façanha.  

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

UM ARTIGO DE JÚLIO ROMÃO DA SILVA -POLÍTICA NÃO É ARTE DO DIABO

      Afinal o que é política? O que de imediato lhe ocorre responder é aquilo que já nos acostumamos a ouvir: Política é sujeira. E logo se lembrara daquele político com quem você barganhou o seu voto na última eleição. Aquele boa pinta, bem falante que no decorrer da campanha eleitoral lhe abraçava, visitava-o em sua casa, prometia-lhe mundos e fundos. Logicamente se lembrara disso e, espumando de raiva, pelo logro em que se deixou enlear, cuspindo dará vazão a sua revolta: todo político é ladrão. é safado. 

       Não. Não é bem assim, minha amiga e meu amigo. a generalização é injusta. E o seu conceito sobre política é erroneo. Política na clássica, pura e exata acepção da palavra, não é isso que os politiqueiros querem que você pense que é. Política é uma ciência nobre. É pelo menos o que se enfere das explicações lexico-lógicas e tratados filosoficos sobre o assunto. Em resumo: Política é a are de governar e não arte de roubar. 

       Não misture, pois, alhos com bugalhos, confundindo política com politicagem, nem política com canalha. Será que você mesmo não foi e não esta sendo conivente ativo ou passivo com essa política de cambalacho, de moral bifronte e processos fraudulentos, de todos nós tão conhecidos? E sabia, por acaso, que vender e comprar voto é crime  sujeito a penalização legal por quem prática? Poi se não sabia e alienou o seu voto aos politicoqueiros por preço vil e promessa ilusórias, saiba que caiu no conto do macaco. E está na mesma situação daquele individuo que assinou escritura de venda e compra de um lote de terreno ao céu, e depois foi queixar-se ao juiz do vigarista que se fazia passar por corretor de imóveis no espaço celeste. De quem é a culpa? Quando souber responda para si mesmo.

        O dicionario, vulgarmente chamado de o pai dos burros, elucida: "Política s.f.Ciência do governo dos pobes...conjunto dos negócios de Estado, maneira de conduzir". Simples. Não.

          Resta esclarecer que a vida em sociedade em si já envolve um ato político. Certamente política não é arte do diabo. Ao contrário dos regimes absolutistas ou das ditaduras, em que uma cabeça pensa e decide por todas, nos regimes democráticos republicamos, segundo nos ensinaram, todo poder emana do povo e em nome dele é exercido, e quem faz o governo é o povo. Logo, o povo é responsável pelo bom ou mau desempenho dos governantes que elege por intermédio do voto para gerir os negócios de estado.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A HISTÓRIA DA FOTO 7

       

 

                            Toda época do aniversário do Theatro 4 de Setembro, em Teresina, dia 4 de Setembro, as mesmas figuras são lembradas, como aquelas que foram pioneiras para a criação do Theatro, as senhoras da sociedade teresinense encabeçadas por Hermelinda e Lavinia Fonseca. Claro, elas foram peças fundamentais para a criação do Theatro 4 de Setembro, quando foram ao Palácio da Província, ainda no século 19 reivindicar a criação de um novo teatro para a capital do Piauí.

                           No entanto, existem muitas figuras que foram de grande, também, peças importantes para a construção do Theatro, entre eles;Manuel Raimundo da Paz, o construtor, Jão da Cruz e Sousa, o Baraão de uruçui, grande entusiasta; O mestre de obras, nunca lembrado, José Nicomedes, trazido do estado do Amazonas, o politico Gabriel Ferreira, convidado especial das senhoras da sociedade para acompanhá-las até ao Palácio do Governo, pela sua respeiabilidade. Inclusive, Gabriel Ferreira discursou na ocasião do pedido feito pelas senhoras ao presidente da Provincia Teófilo dos Santos, no ano de 1889.

                        Mas tem uma figura, a figura da foto, o senhor Alfredo Modrak, um alemão residente no estado do Piauí, que foi peça chave no momento certo da construção do Theatro 4 de Setembro. Quando a planta do Theatro foi feita logo pecebeu-se que não ia dar certo. O prédio não tinha portas laterais, nenhuma fuga para os espectadores se acontecesse algum sinistro. Alias, o Theatro foi taxado de caixa de cimento, apenas com uma entrada e uma saída.

                       As senhoras da sociedade, sempre atentas, foram ao engenheiro Alfredo Modrak pedir uma nova planta para o Theatro 4 de setembro. E o alemão prontamente as atendeu. E melhor ainda, ofertou gratuitamente a planta do Theatro 4 de Setembro para aquelas senhoras. Grande Alfredo Modrak!  

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

FAZENDO TEATRINHO.

             Ouvimos muito as expressões - Isso não passa de teatro; Ele está fazendo teatro! Isso é só teatrinho! Na boca de muitos politicos em debates acalorados, quando algum deles está sendo destratado pelo colega de parlamento. Para quem entende de teatro as expressões, no calor do debate,  não passam de aberrações. Para o público em geral, mesmo que ele entenda a palavra teatro, gera uma terrivel distorção.

            Nem tudo que é representado, mesmo em um palco de teatro, pode ser chamado de teatro. Imagine um politico xingando o outro no púlpito do parlamento. Para acontecer a representação teatral é preciso todo um processo, e esse processo inclui signos teatrais e, ainda, o que chamamos de tríade do teatro, ou seja: o ator, o texto e o público.

            Tudo bem, pode-se fazer teatro em qualquer lugar sem necessariamente ser preciso toda a parafernália do palco. No entanto, mesmo assim é preciso o elemento de elo na representação, quem estar atuando e quem está assistindo. Se o deputado ou qualquer outro politico que vocifera contra seu colega que o está xingando, e diz que ele está fazendo teatrinho, é o fim da picada! Primeiro é que a tribuna não é um palco e segundo a assistência não é plateia.

            Se bem que tem alguns politicos que se caracterizam, impostam a voz e fazem gestos teatrais, só que o público que esta ali assistindo, seja seus pares ou uma plateia, não estão investidos do propósito de assistir teatro. Então, perde aquele politico que está destilando suas bostinha azedas, fazendo todo tipo de marmota, menos teatro. Mas o colega dele continua a dizer - Não passa de teatro.

            Pode até ser que na intenção do político ele esteja representando, na intenção não, com certeza ele esta representando suas mentiras e e enrolações para seu público. Menos representando teatro. 

        

             

terça-feira, 2 de agosto de 2022

A HISTÓRIA DA FOTO 6

        


                 1986, a foto é do cartaz da X Mostra de Teatro Amador do Piauí, realizada pela Federação de Teatro Amador do Piauí - FETAPI, do dia 08 a 15 de dezembro daquele ano. No entanto, o que se sobressaiu no cartaz foi o titulo Semana Brecht: Um Teatro Pela Paz, criado pelos novos dirigentes da entidade.

                  A Semana Brecht: Um Teatro Pela Paz, enguliu totalmente o evento da X Mostra de Teatro, pois se tornou, digamos assim, a preferência de todos não só pela homenagem dos 30 anos de morte do dramaturgo alemão, mas pela presença de figuras ilustres do teatro brasileiro como a atriz Lélia Abramo, o diretor de teatro Aderbal Freire Filho e o dramaturgo João das Neves. A paparicação foi grande.  Aderbal Freire ministrou oficina no Theatro 4 de Setembro, de grande frequencia.

                  Todavia, o clima nos bastidores do evento não era dos melhores entre os amadores. Naquele ano a Federação de Teatro Amador do Piauí vivia seus últimos anos de glória, e a luta pela hegemonia da entidade corria solta nos bastidores. Havia até a ameaça da divisão da FETAPI em duas, ou seja aquela que representaria os verdadeiros amadores e aquela que representava os profissionais que continuavam a mandar no orgão. Pura luta de poder, afinal todos eram amadores.

                 Dois episódios marcaram sobremaneira minha presença no evento, primeiro por ter apresentado na Mostra, e sendo visto por Aderbal e Lélia Abramo, o espetáculo de minha autoria Elzano, Os Últimos Dias, peça montada pelo Grupo Raízes e dirigida por Lorena Campelo. Fazia um resgate do assassinato do carteiro Elzano, ex-ator do Grupo. Foi muito bem recebido, mas na critica do jornalista e ator Durvalino Couto, publicado no Jornal O Dia, a melhor coisa que eu teria que fazer era jogar a peça numa lata de lixo. esse era o clima da Mostra.

               Dessa critica, houve uma resposta da atriz e diretora do espetáculo publicada também no Jornal O Dia, em que Lorena cita Durvalino, um dos atores do espetáculo Jogral, em homenagem a Bertold Brecht, em que teve a participação de Lélia Abramo, como um ator mongoloide ao interpretar poesias de Brecht.

               Tempos bons em que nada impedia a discussão aberta, e sem linguagens socialmente corretas, do que ocorria nos bastidores da cena piauiense.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

A PEDRO O QUE É DE PEDRO

                                                        Em memória do cordelista piauiense Pedro Costa.

    

         Vamos falar do Pedro Costa amigo, companheiro e operador da cultura e das causas perdidas, durante mais de trinta anos em que convivemos, sempre de forma respeitosa e de absoluta confiança.

          Ele gostava de repetir como tínhamos nos conhecido, e de como eu o convidei para fazer teatro, de forma um tanto jocosa, como sempre fazia com as coisas inusitadas. Na realidade, nunca contei minha versão, não havia necessidade. Mas agora em, sua memória, podemos relatar com mais profundidade como se deu nosso primeiro encontro.

         No final dos anos setenta eu era estudante de arte da Universidade Federal do Piauí, curso de Educação Artística-Artes Cênicas. E ganhara uma bolsa para formar um grupo de pessoas para fazer teatro, a chamada Bolsa Arte. Formei um grupo de pesquisa teatral para atuar em comunidades de Teresina. Escolhemos o bairro Bueno Aires, na zona Norte de Teresina, para começar o trabalho.

        Lembro que estava apresentando o espetáculo infantil Chiquinha, no Theatro 4 de Setembro, e notei aquele menino falador e esperto, vendendo bombons e outras coisas. Como estávamos precisando de pessoas para formar um grupo de teatro, lá no bairro Bueno Aires, convidei o rapazote para o grupo. Quanto a reação dele ao convite, a parte que Pedro Costa contava para as pessoas, é verdadeira. “É preciso ser viado pra fazer teatro?” Foi sua pergunta na lata. Não, pelo menos, eu não sou. Respondi. A partir de então, nasceu uma amizade que durou por décadas. Pedro Costa, antes de ser o cordelista e poeta popular mais destacado do Estado, começou a fazer arte no teatro.

             Depois dos primeiros anos, em que ele atuou em alguns espetáculos, compareceu a festivais de teatro e, pasmem, foi presidente da Federação do Teatro Amador do Piauí, Pedro Costa apareceu com a viola e com os cordéis. Ele já tinha pavimentado o caminho rumo a sua saga de cordelista. Fundou o Sindicato dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí, e promoveu alguns festivais e debates, sempre me colocando como membro efetivo desses movimentos. Eu fazia o papel, digamos, de eminência parda dos seus sonhos, tratando dos editais, estatutos e da criação do que ele planejava. Mesmo por que meu campo era o teatro.

           Pedro era incansável, rápido, avexado no que fazia. As vezes me surpreendia, e me fazia repreendê-lo, mas tudo numa boa. Um exemplo, foi quando da criação da Revista de Repente. Ele chegou na Fundação Monsenhor Chaves, onde eu trabalhava, e mostrou a ideia. Adorei. Disse prontamente que íamos fazer a revista. Eu tinha a pretensão de uma revista vistosa, nos moldes dos Cadernos de Teresina, lançado pela Fundação. Cheguei a colocar a ideia para o Professor Wall Ferraz, que aprovou. Comecei a trabalhar no projeto.  Pois não durou vinte dias Pedro Costa chegou com a primeira Revista de Repente nas mãos. Fiquei passado, como se diz. Uma revistinha pequena, tímida, parecendo um cordel. Deu vontade de xingar o infeliz. Mas depois fiquei pensando se não foi melhor assim. A revista progrediu, ajudei a construí-la e ela se tornou um veículo imprescindível de comunicação dos poetas e cordelisras do Brasil.

           Pedro me telefonava a qualquer hora e momento. Fosse para falar de projetos, viajar pelo Piauí ou simplesmente cair na noite. Muitas das viagens memoráveis pelo Estado, participando de festivais de violeiros, feiras de livros e palestras, teve a presença do meu querido Luís Carlos, filho do Pedro. Para mim era uma total desopilação escutar pai e filho, piadas e causos sem fins. Alguns nada politicamente corretos. Com Pedro Costa, montamos uma banca de cordéis no mercado velho, que depois se transferiu para o Centro de Artesanato. Com Pedro, participamos ativamente da criação da Fundação Nordestina do Cordel – FUNCOR. Mas o passo definitivo com ele foi quando fiz o Projeto Cordel nas Escolas, através da Fundação Nordestina do Cordel, para o Ministério da Cultura. Lembro que vencida cada etapa do Projeto, era uma festa. Literalmente. Mesmo por que  Pedro era um bom vivant.  Foi o primeiro Projeto do Piauí a ser conveniado com o Minc, criando os chamados Pontos de Cultura, a mais festejada ação cultural do governo Lula e do então ministro da cultura Gilberto Gil. Portanto, Cordel nas Escolas foi o primeiro Ponto de Cultura do Piauí.  O Projeto Cordel nas escolas transformou a Fundação Nordestina do Cordel. Deu estrutura a entidade, com sede própria e equipamentos. Atuou em mais de duzentas escolas do Estado, e ganhou todos os prêmios possíveis do Ministério da Cultura.

          Posso dizer que foi uma amizade saudável, sem trincos, generosa de um lado e do outro. Pedro dizia que era meu fã, e eu dizia pra ele que eu só servia para ajuda-lo em suas loucuras, e salvá-lo de alguma enrascada, por que de viola e de cordel eu não entendia bulufas. Mas o ajudava em tudo que ele planejava, e em que eu via seriedade e futuro. Uma das suas últimas criações que participamos foi a criação da Academia Piauiense de Literatura de Cordel – APLC, na qual temos uma cadeira, e fiz questão de meu patrono ser o professor e dramaturgo Gomes Campos.

          Pedro me ouvia, o que não o fazia com qualquer um. E eu o escutava, até nas entrelinhas. Era necessário. Quantas vezes falamos sobre a vida e a morte, e a pressa de apressar a morte. Suas histórias, causos, piadas e tiradas que vivemos merecem muito mais do que um simples relato como esse. Quem sabe um dia nas memórias do tempo não possamos contá-las? Enfim, ele se foi. Muito cedo. Mas viver a vida não é para os fracos. E Pedro Costa viveu.