sábado, 17 de julho de 2021

O CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA INTERDISCIPLINARES - CEPI

    

           O casarão que abrigava o Centro de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares – CEPI, ficava a Rua Desembargador Pires de Castro, Centro Sul, em Teresina. Foi ali, entre os anos de 1972 a 1976, onde foi desenvolvido um trabalho que mudaria significativamente o teatro piauiense.

           O CEPI foi o resultado de um convênio criado entre a Secretaria de Educação e Cultura do Estado com a Fundação Projeto Piauí, criada no ano de 1971, no governo do engenheiro Alberto Tavares Silva. O Centro visava treinar professores da área de comunicação e expressão da rede estadual de ensino, numa proposta interdisciplinar. Era coordenador geral do Centro o maestro Reginaldo Carvalho, ex-aluno de Vila Lobos, um paraibano viajado pelo mundo. Para desenvolver as diretrizes e o trabalho prático de arte-educação, Reginaldo Carvalho convidou Antonio Murilo Eckhardt, ator e diretor de teatro, oriundo de Brasilia, entregando a ele o Setor de Artes Visuais, do Gesto e da Palavra. Murilo Eckhardt, como homem de teatro, tratou de trabalhar internamente para a criação de um grupo de atuação teatral dentro do Centro de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares.

        Os primeiros contatos de Murilo para concretização de sua ideia se deu com estudantes da Faculdade de Filosofia do Piauí. Mesmo demonstrando interesse, houve resistência dos estudantes da Fafi em receber orientação de um elemento vindo de fora do processo estudantil, e mesmo de outro processo cultural, ainda mais com a intenção de coordenar um grupo de teatro tutelado pelo Estado, tendo em vista que os rapazes e moças, cerca de 20 a 30 estudantes, não tinham apenas interesse artístico cultural, mas também interesses intelectuais, sociais e políticos. Quebrada a resistência inicial, foi criado o núcleo do grupo de espetáculo do Cepi. No entanto, pela flutuação dos elementos, foi preciso mesclar o grupo de estudantes com pessoas da comunidade. Dessa forma, Murilo convidou alguns artistas amadores, jornalistas, músicos e radialistas para participarem do grupo do Cepi. Veio, então, mais resistência sobre a criação do grupo, agora partindo de artistas da cidade questionando sobre a seriedade, os objetivos e o porquê da criação de um grupo de espetáculos por um órgão de governo, enquanto a situação politica do país amordaçava e esmagava o movimento cultural. Para muitos, o objetivo era claro: tolher a livre manifestação do movimento do movimento de teatro amador, em expansão naquele momento. O grupo viria, portanto, como um instrumento de censura e aniquilação da rebeldia existente no seio da comunidade artístico-cultural do Piauí. Aqui lembramos que,  á época, os artistas de teatro de Teresina reivindicavam com muito barulho a reforma do Theatro 4 de Setembro, em completa decadência, e que o teatro amador encontrava eco fortíssimo nas suas lutas de resistência junto ao movimento estudantil, onde o Cepi iria exatamente atuar.

        Na realidade, a resistência de muitos artistas do movimento amador de teatro  ocorria contra o privilégio dado pelo governo a um único grupo em detrimento da maioria dos artistas locais, que sentiam-se desamparados pelo poder público. Com isso, várias histórias de bastidores sobre o Cepi corriam pelos bastidores do movimento amador. O casarão da Rua Desembargador Pires de Castro era chamada de a casa dos loucos, onde aplicava-se métodos alienantes de teatro e onde os participantes nada sabiam sobre sua finalidade. As criticas eram rechaçadas por Murilo Eckhardt, deixando claro que não aplicava nenhum método, fosse de dinâmica de grupo, psicodrama ou mesmo qualquer sistema de método teatral criado por     teórico do teatro, como Constantin Stanislavski, e de que todos os participantes do grupo sabiam de suas finalidades, entre elas, a de se apresentarem nos eventos promovidos pelo governo do estado.

         Com a entrada dos artistas da cidade no Cepi, juntando-se aos estudantes, Murilo começou a colocar em prática de forma segura, seu planejamento de trabalho. Toda a prática do Cepi era feita livremente onde os alunos formavam seus próprios sistemas, com seus próprios valores, a arte usada como meio e não como fim, formando seres disponíveis para a fruição estética. Dessa forma, o Centro submeteu a Secretaria de Educação e Cultura do Estado, o projeto de formação de plateia a ser desenvolvido junto a rede estadual de ensino. O texto escolhido para a montagem foi O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado, com música de Reginaldo Carvalho. O espetáculo foi o primeiro a ser montado pelo grupo de teatro do Cepi e estreou em julho de 1973, no Centro Social Leão XIII, na Vila Operária. A partir daí o grupo passou a atuar nas escolas públicas e auditórios da cidade, levando os artistas amadores da cidade a reconhecer seu trabalho e a seguir o mesmo passo, levando-se em conta que o Theatro 4 de Setembro estava fechado para reformas. O projeto do Cepi, com O Cavalinho Azul, alcançou grande sucesso e abriu possibilidades ao grupo de alçar voos maiores.

        Dessa forma, o grupo de atuação de espetáculos do Cepi passou a ter maior reconhecimento dentro da classe artística de Teresina, mesmo pela atuação forte do governo na área da cultura. Neste sentido, apesar da ditadura militar cada vez mais atuante, com AI-5 em pleno vapor, cassação de políticos, assassinato de opositores ao regime e censura brutal as artes, o governo do Piauí agia ao contrário, como que na contramão da história, com apoio sistemático a cultura popular (Reisado do Piauí), a música (Coral do Amparo), as artes plásticas e, notadamente, o teatro com a reforma do Theatro 4 de Setembro e, ainda, com a criação da Secretaria de Cultura do Estado e da Fundação Cultural do Piauí.

        O segundo trabalho teatral do Cepi foi o espetáculo Circo-Cinco: Os Cinco Sentidos do Homem, com criação e direção de Murilo Eckhardt e música de Reginaldo Carvalho. Esse espetáculo ampliou a participação de pessoas da cidade no Centro e foi criado no mesmo sistema de oficinas, denominada de Oficina de Som, Luz e Movimento, além da realização de cursos de interpretação, cenografia, figurino, jogos dramáticos e elaboração de textos, o que possibilitava a capacitação das pessoas na atividade teatral. Dessa forma, o Cepi foi o responsável pelo surgimento de muitos artistas de teatro do Piauí, como Assaí Campelo, Fábio Costa, Francisco Augusto, Lorena Campelo, José Nazareno, Rita Cavalcante, Elzano Sá, Solfiere Markham, Afonso Lima, Beto Pirilampo, Bob Robledes e Williams Martins. Artistas que fariam a cena piauiense brilhar. Circo-Cinco: Os Cinco Sentidos do Homem, estreou em junho de 1974, e no período de 13 a 21 de julho daquele ano, participou do I Festival Nacional de Teatro de Campina Grande, na Paraíba,  representando oficialmente o Estado do Piauí no evento.

            Depois do sucesso de Circo-Cinco veio o maior desafio do Grupo de Espetáculos do Cepi, montar um espetáculo para a reabertura do Theatro 4 de Setembro. O texto escolhido foi a remontagem de Auto do Lampião no Além, de Gomes Campos. Dada a importância da tarefa Murilo Eckhardt envolveu toda a equipe do Centro, colocando toda sua criatividade e imaginação na direção do espetáculo. Auto do Lampião no Além  apresenta-se no Theatro 4 de Setembro, no dia 14 de março de 1975, sendo o único espetáculo de teatro na rica programação de abertura da casa de espetáculos. Torna-se um acontecimento grandioso!

         Era o final do governo Alberto Silva. O Centro de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares – Cepi,  o grupo ainda monta no ano de 1976, a peça infantil a Viagem do Barquinho, de Silvia Ortoff, com direção de Murilo Eckhardt e música de Reginaldo Carvalho, com estreia no Centro Social Leão XIII, chegando ao Theatro 4 de Setembro. A Viagem do Barquinho foi o último espetáculo do Cepi, que entra em decadência até sua total  extinção no ano de 1979.

          Toda a existência do Cepi ocorreu em um regime de exceção, onde a ditadura militar  assolava o país e asfixiava, de forma brutal, todas as áreas da cultura. Podemos dizer que o Piauí viveu nesse período como um oásis na atividade artística, principalmente a área teatral. O Cepi foi o responsável em colocar o artista de teatro do Piauí em contato com novas técnicas teatrais, através de seus vários cursos ministrados. Seguramente, o Centro foi o responsável pela quebra do didatismo existente até então no teatro amador local, dando uma visão inovadora aos artistas sobre o seu fazer, além de propiciar a continuidade do movimento quando faz a passagem da geração dos anos sessenta para a geração dos anos setenta no teatro piauiense. Geração que deu nova dinâmica e desenvolveu, sobremaneira, a classe teatral piauiense.

        Como diria o próprio Murilo Eckhardt “ Confiamos em nossa juventude, assim como confiamos no pó, na água, no fogo e no ar. Confiamos naquilo que sentimos: em nossa pele, em nosso coração, em nossos pulmões.”

          

       

        

 

quinta-feira, 1 de julho de 2021

A HISTÓRIA DA FOTO - 1

                                                    

                                                           

 

               Essa foto é do ano de 1978, mês de setembro, e foi tirada no palco do Theatro 4 de Setembro. Naquela noite o Grupo Raízes  de Teatro apresentou o espetáculo Pau a Pau, de minha autoria e direção, com os atores Lorena Campelo, Lili Martins, Afonso Miguel Aguiar e Ribamar Rocha. A apresentação foi especial por que naquele dia Teresina estava recebendo, para uma palestra no local, o grande dramaturgo brasileiro Plinio Marcos. O interessante é que na foto aparecem o grande ator e diretor de teatro Tarciso Prado, o bailarino e coreografo Frank Lauro e a atriz Lorena Campelo. A foto  mostra a montagem do cenário.

                A apresentação do espetáculo aconteceu antes da palestra de Plínio Marcos. O dramaturgo veio a convite de Cinéas Santos, falaria sobre censura e, também, lançaria seu livro, o romance Na Barra do Catimbó. Ele assistiu a peça com muita atenção, o que não deixava de ser um orgulho para todos nós do Grupo Raízes. Pau a Pau era minha segunda peça teatral, tinha quatro personagens, e contava a história de um roceiro que teve suas terras tomadas por um coronel latifundiário e, por isso mesmo, desafiou o coronel para uma corrida de cavalos, apenas um pretexto para se vingar. O coronel termina sendo morto pelo roceiro. Não precisa dizer que o tema era explosivo para a época. A peça quase foi proibida pela censura. Portanto, apropriada até demais para aquela noite.

              Depois da palestra de Plínio Marcos, uma coisa imperdível, o público se dirigiu ao saguão do Teatro 4 de Setembro para a noite de autógrafos. Naquele momento eu fui apresentado a Plínio como o autor da peça. Nem me atreveria a perguntar o que ele achou da peça. No entanto, para minha surpresa ele começou a falar sobre o espetáculo. Isso quando chegou minha vez de pedir seu autografo. Ficou conversando rapidamente. Nunca me esqueci de suas palavras.  Lição de dramaturgia para quem estava começando. Sua peça tem muito diálogo e pouca ação. É um puto de um texto. Mas seria melhor você escrever um romance sobre o tema - disse ele. Fantástico! Agradeci quase sem fala. Autografou o livro e me parabenizou. Voltei a ver Plínio Marcos várias vezes.

             A última vez foi em Teresina, já nos anos noventa. Ele veio para uma solenidade e seria recebido numa noite festiva pela classe artística na Federação das Indústrias do Estado do Piauí. Plínio Marcos chegou lá em baixo e não pode subir por que estava de bermuda. Era norma da casa. Ele já sofria de problemas nas articulações. De lá mesmo foi embora, e nós também. Coisa do Piauí.