sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

UMA IDENTIDADE CULTURAL FRAGILIZADA.


       Mas uma vez vamos abordar o tema da identidade cultural do Piauí. Falar em raízes, herança, identidade cultural ou mesmo em cultura regional, em tempo de mundialização das coisas, parece ultrapassado. Mas não esqueçamos que o que se passa em nossos quintais, e expressa nossa identidade, é o que melhor nos define.
         Nosso Estado ainda não decidiu o que é, para o que viemos e, menos ainda, o que queremos. Mas isso é necessário? Muitos dizem, e louvam,  que é melhor ser desenraizado, cultivar sempre o novo, devorar o que seja a última moda, e deixar o que é nosso de lado. Afinal, já é nosso. E aí tome a invisibilidade. Afinal de contas festejar o dia das bruxas americano, ou torcer por um time carioca ou europeu, é que é bom; Quanto a lê nossa literatura e escutar músicas de nossos compositores e cantores, nem pensar. Ponto para os ansiosos da aldeia global, destroem deliberadamente o que é nosso. 
         Tudo bem, não é facil falar em identidade cultural. A própria identidade cultural nacional é motivo de discussão constante. Mas também não se pode abandonar valores que nascem com a gente, concepções de mundo que só a nós dizem respeito, sejam justos ou injustos, certos ou errados, mas que nos dão coragem e força para construir nossa felicidade pessoal e coletiva, nosso mundo ideal no qual queremos viver.
         Talvez o desamor por nossa cultura, nossas coisas mais sublimes, seja um componente para a humilhação que sofre nosso Estado. Ora se aquilo que nos faz diferente e nos deu a vivencia, e que nos diferencia dos outros, é jogado as traças, supõe-se que todos podem fazer o mesmo. Portanto, precisariamos ter orgulho de nossas raízes culturais. Por que imaginamos que uma sociedade só se constróio na sua totalidade, se ao mesmo tempo,, construirmos a sua poética, o seu maginário, a contrapartida mitica e ficcional dessa mesma sociedade.
          Se o Piauí, e Teresina, sofrem de fragilidade economica, com fraco investimento e sem parque indústrial,  pode estar ai a descoberta de nossa criatividade, pois ninguém tem dúvida da criação de nossos artistas em todos os seguimentos culturais. E aí onde vem a contrdição. Somos tão produtivos e criadores, mas para que? melhor dizendo, para quem? Quem consume nossos produtos culturais? Agora, temos a impressão que seria na valorização daquilo que é nosso que perseguiremos o progresso social e cultural, expresso na melhoria das condições de vida de nossa gente, invertido no espirito de cidadania e de amor próprio.
            Sem perceber a valorização do que  aqui é produzido e que carrega no seu interior a nossa herança histórica e nossa expressão humana, o Piauí custará a sair dessa mesmice, onde dezenas de livros de nossos autores, milhares de cds de música ficam encalhados por falta de consumo. Claro, com o devido desconto daquilo que é importante, mas que o próprio consumidor diria. Ora, se tudo isso fica oculto, nunca visto, como vamos fazer o diferencial? Globalização é diferencial! Fazer o mesmo não dá midia, meme, nem rola na rede. 
          Não vamos fazer, também, uma ilha de isolamento, e curtir só o que é nosso, absolutamente. Mas é preciso que busquemos aquilo que nos identifica, e valorizarmos, e curtimos. Sem identificar aquilo que somos nosso eesforço perde o sentido.Vamos trabalhar dobrado. Identidade cultural não é uma utopia, ainda que cultiva-la seja quase isso. Para o Piauí, cheio de riquezas culturais, de um patrimonio imaterial rico, é quase uma questão de ser e existir.
           

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O TEATRO E AS EXPRESSÕES FOLCLÓRICAS


          O teatro faz uso de várias expressões folclóricas para suas escritas e encenações. No estado do Piauí nós temos uma gama de expressões foclóricas como lendas e danças a disposição do teatro. É uma caracteristica regional de todo o nordeste constituida por mitos, contos, lendas, cantos e danças, além de narrativas de criação de cada estado, muitas das quais enraizadas no romanceiro popular ou na literatura de cordel. Para dar um exemplo que permeia a realidade de quase todos os estados da região nordeste, está o bumba meu boi.
          O teatro, como de resto todo o trabalho de criação cultural, deve estar interligado á realidade do local onde se manifesta, ou deveria. Deve forma, mesmo tirando temas do seio do povo, das chamadas manifestações das classes exploradas e oprimidas, o teatro não é um produto estático que se limita a mostrar uma realidade factual, mas sim uma obra de arte em constante evolução, comprometida, sobremaneira com a transformação da sociedade. Senão seria simples repetição amorfa de uma realidade. E aa função do teatro, além evidentemente de suscitar alegria e entretenimento, e prazer estético, é mostrar a realidade como processo, passivel de ser transformada pelo homem.
          Um teatro que faz uso das expressões dramáticas folclóricas de um povo  não pode, se quiser atingir seu objetivo, confinar-se em redutos que não tenham a presença de seu destinatário, o povo povo, posto que pode perder totalmente sua eficácia. Um teatro que se preocupa em enfocar problemas populares deve, portanto, ser apresentado em praças, ruas, ou seja, ao ar livre para que dessa forma se cumpra sua missão. No Piauí, muito se tem usado a cultura popular como temas de encenação teatral, porém ainda dentro de uma visão elitista, exatamente porque retira seu conteúdo daquelas expressões populares e leva-se para espaços frequentados, quase na sua totalidade, por um público que pode consumir cultura. Sendo assim, é comum os grupos de teatro ficarem falando no vazio, pois a mensagem embutida nos seus espetáculos não falam para o seu destinatário.
         Muito tem sido as experiências que poderiam ter rendido muito mais, se tivessem sido mostradas ao público alvo por uma simples razão: teriam sido muito mais questionadas, o teatro estaria assim cumprindo o seu papel de transformador social. É inegável o manancial existente nas expressões folclóricas para o uso do teatro. Basta dizer que a música, o canto e  a dança são elementos constantes na composição de espetáculos teatrais. E nada mais rico nesse sentido do que as expressões da cultura popular.

                                                    Artigo publicado no Jornal Diário do Povo, do dia 17.06.1994.  
         

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

FUNÇÃO CULTURAL DO ESTADO.


                           Artigo publicado no Jornal  O Estado, 26.07.1985.



           Participamos pelo Brasil seja em foruns, congressos, seminários e encontros, de amplos debates sobre as artes cênicas brasileira. Constatamos que pouco existe de novo. A dita nova república pouco alterou o quadro cultural. é verdade que temos um Ministério da Cultura, mas ele surgiu de forma ainda   vertical quanto qualquer outra mudança conquistada pela classe durante o governo passado, mesmo com a participação de artistas.
            Vamos colocar o seguinte quadro, como pensamos:
             O Estado; Sua Função Cultural.
             Usa a colonização cultural em todos os niveis, do exterior contra o nacional, do eixo Rio/ São Paulo contra o resto do pais, principalmente o Nordeste; das demais capitais contra o interior, de regiões contra regioes negando, inclusive, o pluralismo e a diversidade cultural.Com o dinheiro público o Estado divide, enfraquece e tenta impedir a articulação das entidades representativas, buscando desta forma evitar contestações, o posicionamento critico, evitar o questionamento ao Estado e manipular, principalmente, a cultura popular, prostituindo-a. O Estado tenta, através de seus mecanismos, transforma-nos em reprodutores do seu discurso ideologico, levando-ns á conradição, a desarticulação e a indigência cultural.
           O Estado; Seus Organismos Culturais:
            Em sua estrutura o Estado é cheio de empreguismos na área cultural, clientelismo,personalismo, mesmo quando algum partido, antes de chegar ao poder, reuna as categorias artisticas com intenção de ouvi-la a fim de traçar algum plano cultural.No poder não executa, recria os mesmos mecanismos de dominação e de manipulação cultural. Os dirigentes culturais de orgãos do Estado, agem verticalmente como braço manipulador daquele e não como captador dos anseios e viabilizador das necessidades dos agentes civis na  ´área da cultura, principalmente do teatro. Cooptam o individuo,levando-o a negar seus compromissos. sugam o novo, mantendo como privilegio seu a dinamica e a capacidade criadora, jogando-os fora como coisa velha,  depois de mastigá-lo. Condicionam seu apoio, liberando verbas e dando cargos a capitulação politica, por que detem os conhecimentos da máquina estatal. Poucos mostram algo novo, e poucos deixam de reproduzir uma prática autoritaria, chegando ao maximo ao populismo.
           O Estado: Sua Ligação Com as Artes Cênicas, Momento Atual.
            Tentam estabelecer uma barganha com o poder, para legitimar a ação do Estado. E aqui estamos colocando Estado como um todo. Desta forma, tentam tornar entidades e individuos coniventes com as práticas arbitrarias, e com o próprio gerenciamento da crise eterna do setor. tentammanter entidades sob dominios, sob a ameaça constante de destrui-las. Sendo assim, aprofundam as divisões entre trabalhadores da culturra, produtores culturais,levando-os ao uma visão equivocada da função de cada um na sociedade, acirrando embates superficiais e proporcionando o escamoteamento da questão real da discussão cultural.
             Portanto, como vimos, se temos conquistas, que muitos artistas acham maravilhosas, no momento, elas tem o poder tão somente de cooptar, de enfraquecer, de fazer calar a rebeldia tão caracteristica do teatro.
            

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A BATALHA DO JENIPAPO, O FILME


              Em 1998 fomos convidados pela então presidente da Fundação Cultural do Piauí, doutora Lourdes Rufino, para escrever uma peça de teatro sobre os fatos que geraram a independência no Estado, com o foco em Campo Maior, onde se travou a luta corpo a corpo, verdadeira guerra, dos piauienses contra o domínio português.
                Toda assessoria do orgão gestor de cultura do estado foi posta para a concretização do trabalho. Citamos aqui, Airton Martins, diretor de assuntos culturais e Chico Castro, assessor de imprensa, que nos auxiliou nas pesquisas das lutas da indenpendencia do Piauí. Aliás, a pesquisa do escritor Chico Castro, pela sua importância, foi lançada pela Editora Ática, tempos depois, com a nossa apresentação.
                A peça A Batalha do Jenipapo foi apresentada no monumento Heróis do Jenipapo no dia 13 de março de 1998, na cidade de Campo Maior, com mais de 100 atuantes, entre atores e figurantes, numa esmerada produção do governo do estado, .com direção de Arimatan Martins.. Portanto, há 21 anos atrás. Desses 21 anos nosso texto foi apresentado 17 vezes sem interrupção, nesse período houve várias modificações no texto, fruto de novas pesquisas históricas sobre o fato. A peça hoje é apresentada com  uma versão do diretor Franklin Pires. 
                A peça A Batalha do Jenipapo, criada de forma didática, para atingir o maior número de pessoas, principalmente a classe estudantil, sem dúvida, teve uma importância enorme para a discussão do tema em nosso estado. A peça era assistida por duas  a três  mil pessoas toda vez que era apresentada, e presenciada por ministros de estado e graduadas autoridades do judiciário, legislativo e executivo brasileiro. Neste sentido, o escritor Laurentino Gomes assistiu a peça e incluiu em seu livro de pesquisa histórica, de grande sucesso nacional, pequeno texto sobre o fato da independência no Piauí.
                 Sobre a Batalha do Jenipapo foram realizados no estado inúmeros fóruns, seminários, simpósios e debates puxados por entidades como a UFPI e escolas públicas e privadas. Quer dizer o tema tem sido bastante disseminado entre todos nós piauienses. Basta dizer que o dia 13 de março de 1823 foi incluído como data comemorativa na bandeira do estado. 
                Não temos dúvida, portanto, de reafirmar a importância que teve a Batalha do Jenipapo na configuração da independência de nosso país. Neste sentido, estiveram recentemente no Piauí a cineasta Tizuka Yamasaki e o diretor e roteirista Ricardo Favilla. A cineasta Tizuka teve audiência com o governador Wellington Dias,,no Palácio de Karnac, com a presença do deputado Fábio Novo e de Bid Lima, Secretaria de Cultura do Estado, levados pela produtora Leide Sousa e Norma Soelly. Na oportunidade a cineasta apresento proposta ao governador de realização de um filme documentário de ficção sobre a Batalha do Jenipapo.
              Tizuka Yamasaki, a reconhecida e premiada diretora de cinema, tem um projeto denominado de As Revoluções Esquecidas, que trata exatamente de fazer um resgate das revoluções importantes do Brasil que não tem merecido a devida consideração, visibilidade e divulgação nacional. Dessa forma, encaixa-se perfeitamente no perfil a Batalha do Jenipapo, por que por mais esforço que o governo do estado tenha feito até aqui, falta ao episódio essa visibilidade nacional. Por isso a proposta da cineasta ao governador.
              Seria de fundamental importância aproveitar as comemorações dos 200 anos da independência do país, daqui a três anos, para mostrar ao Brasil e ao mundo, a Batalha do Jenipapo através do cinema.Ainda mais pelas mãos de grandes cineastas como é o caso de Tizuka Yamasaki. E aqui não se trata de desvalorizar o pessoal de cinema piauiense, pelo contrário, é reconhecer que já fizemos muito, mas é reconhecer também que cinema é uma indústria cultural e alto investimento financeiro, de grande massa, e que precisamos ainda nos apropria de elementos que nos falta para atingir tal fim.
              Portanto, está na hora de nossa história ser vista país afora, mostrando nossos valores mais profundo, para o reconhecimento e a valorização do próprio país.. A Batalha do Jenipapo nas telonas feita por talentos nacionais, com a participação de nossos artistas, ganharia o Piauí e todos nós.
                   
                

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

UMA LIRA SERTANEJA - FINAL

           Falando de politica e governo Hermínio chegou a ser filiado ao partido Liberral, no tempo em que pertencer a um partido político era ter uma marca na testa e aguentar todo tipo de situação quando este partido não estava no poder. Era através do Jornal O Semanário que ele baixava baixava o pau no partido Conservador, escrevendo contra os adversários em forma de versos. O poeta também não deixou de cair nas armadilhas da politicalha quando, ás vesperas de uma eleição, inventou que o chefe de policia, a época Dr. Sousa Lima, tinha mandado dois homens atacá-lo na porta de sua casa, á Rua Senador Teodoro Pacheco, antiga Rua Bela. Claro, o chefe de policia pertencia ao partido do governo e a intenção era exatamente prejudicar a administração. Mas, o tiro saiu pela culatra, pois na investigação feita pela policia, descobriu-se que Hermínio tinha dado como prova do atentado uma mancha de sangue no batente de sua casa, proveniente de um tiro dado nele por um dos elementos. Tudo não passara de um blefe. Na realidade, a mancha de sangue encontrada no batente de sua casa era de um pinto. Hermínio não tinha sofrido atentado algum, o que o tornou um tanto ridiculo. Esse episódio ficou conhecido como o sangue do pinto.Abandonado até pelos amigos por causa da fato, Hermínio Castelo Branco viajou para Manaus, mas a saudade do Piauí não o fazia esquecer de sua terra. Em junho de 1889, Herminio sentiu-se mal e caiu doente, em Manaus. Voltou para Teresina, onde morreu, em agosto de 1889, de uma congestão cerebral.
           Apaixonado pelas coisas simples da natureza Herminio Castelo Branco exaltou como nenhum outro poeta piauiense do seu tempo, o povo de sua terra, deixando em sua obra a caracterização de paisagens pitorescas, de forma muita humana e poética. Belos versos bucólicos podemos destacar do Canto do Desterrado, onde as lembranças do trovador repercutem na alma.

                                               Tenho saudade dos bosques
                                               Das brenhas virgens, sombrias
                                               Dos tabocais intrincados
                                               Entre as vertentes mais frias
                                               Dos campos tenho saudade
                                               Onde eu brincava de tarde.

                                  Tenho saudade das fontes
                                   Dos olhos d'água vitais,
                                   Das cascatas naturais
                                   Das lagoas pitorescas
                                   E da sombra hospitaleira
                                   Da soberba gmeleira.

                                                Enfim, eu tenho saudade
                                                De todo o meu Piauí:
                                                Prefiro enterrar-me lá
                                                A ser imortal aqui
                                                E confio em Deus bondoso
                                                de ser ainda ditoso.

            A Lira sertaneja, de Hermínio Castelo Branco é um dos mais belos livros do cancioneiro popular piauiense, deve ser festejado e aplaudido por todos aqueles que o conhecerem, merecendo ser perpetuado ela fidelidade, o amor e o carinho com que o autor o escreveu. Um hino á terra e ao homem sertanejo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

UMA LIRA SERTANEJA - II


              Em 1865 começou a guerra do Paraguai. Herminio tinha 14 anos de idade e as notícias que chegavam ao Piauí eram terríveis. Como ele pertencia a uma família abastada, possuidora de brasões, muitos de seus parentes estavam envolvidos, de certa forma, com o campo de batalha, entre eles seu tio Teodoro de Carvalho Castelo Branco, o poeta com quem Herminio dava belas caçadas pelo sertão. Com o prolongamento da guerra ele embarcou  para a frente de batalha, quando completara dezoito anos, em janeiro de 1869. Foi reconhecido como primeiro cadete. Terminada a guerra ele permaneceu no exército, ganhando o posto de de 2º Tenente, incorporando-se ao 1º Batalhão de infantaria, em 1872. Como tenente voltou ao Piauí e casou-se com dona Clarinda Benvinda de Castelo Branco. Hermínio serviu nas guarnições de Uruguaiana e na corte, voltando para Teresina pelo vapor Paranaguá, em março de 1880, quando foi reformado.
               Herminio Castelo Branco foi o cantor poético de sua terra, dos costumes de sua gente, onde só lhe interessavam as lembranças do seu mundo, paisagens de sua vivência. Em suas andanças nada lhe conquistava mais o  coração do que os temas locais, como o vaqueiro, as caçadas, a farinhada e as festas folclóricas. Em Teresina, sua produção poética era publicada nos jornais O Semanário, O Telefone e A Época.
               Em junho de 1881, Herminio Castelo Branco juntou todas as suas produções literárias e lançou o livro Ecos do Coração. Suas poesias de cunho populares foram um sucesso e logo cariam no gosto do público, tendo o autor que publicar oito edições da obra. Mesmo se entendo que a tiragem dos livros eram pequenas não deixava de ser um feito grandioso. a última edição lançada pelo autor da obra citada foi em Fortaleza, no ano de 1887, quando ele mudou o titulo do livro para Lira Sertaneja. Seu livro definitivo. A Lira Sertaneja é composta dos seguintes poemas: O Vaqueiro do Piauí; Um Ajuste de Casamento Num Sertão de Farinhada; São Gonçalo nos Sertões; Recordações de Viagem; Na Sombra da Gameleira; Luar de Agosto; este Mundo é Um Rebolo; O Drama do Eleitor; A Maldita Quebradeira; Aos Rapazes Solteiros; Em Viagem ao Amazonas; À Margem do Rio Negro, e Canto dos Desterrados. Além do próprio livro Ecos do Coração foram juntadas outras poesias.
            Herminio Castelo Branco é o poeta do lirismo cabclo, das poesias bucólicas, de saudosa recordações de sua terra e de sua gente. Mas também é um poeta forte, denso, determinado, ás vezes até audacioso. Talvez herança do jornalista preocupado com o progresso da sua região e com o bem estar  de seus habitantes. O poeta popular também foi o responsável pela salvação da fantástica obra se seu tio Teodoro de Carvalho Castelo Branco A Harpa do Caçador, quando a fez publica em São Luís, no ano de 1884.
               As mordazes criticas de Herminio feitas ao governo da época vinham inseridas no meio de suas poesias populares, como estas quadras ainda atualíssimas chamada de Um Ajuste de Casamento Num Sertão de Farinhada:
                                         - Vê tu quanta diferença
                                            dos homens lá da cidade
                                            que nas tetas do tesouro
                                            té mesmo a socidade
                                            sugam, qual imenso polvo,
                                            o amor do pobre povo.

                                 - E nas casas do governo,
                                   que se diz repartições -
                                   Nas horas de expedientes
                                   (Com devidas exceções)
                                    Recebem todas as partes
                                    com tiros de bacamartes!

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

UMA LIRA SERTANEJA - I

            De sobrenome poderoso herdado dos senhores de sesmarias, Hermínio de Paulo Castelo Branco nasceu a 20 de janeiro de 1851, na Fazenda Chapada da Limpeza, municipio de Esperantina, na mesma casa grande construída por seu bisavó, Miguel de Carvalho e Silva, natural da Bahia. A linguagem de Hermínio já deixava antever o futuro poeta, pois era neto de Leonardo Das Dores Castelo Branco, o revolucionário alferes da Independencia do Piauí, depois inventor do moto-contínuo, e sobrinho de Teodoro de Carvalho Castelo Branco, cognominado de o poeta caçador.
           Hermínio Castelo Branco não conheceu a bonança da familia, nasceu quando as senzalas da casa grande já davam sinais de esvaziamento e a fartura já não era tanta. Talvez isso tenha feito o menino prestar maior atenção a tudo que ocorria a seu redor: aos caboclos, aos vaqueiros e roceiros, seus costumes e suas crenças. o poeta iria pintar em sua obra esses tipos como nenhum outro autor piauiense o fizera até ali. Morador de casa grande do interior, Hermínio acompanhava a movimentação do plantio e das colheitas dos legumes, das frutas de época, quando o homem do campo armazena cereal no final de inverno para comer no verão.
            Foi do tempo de menino as lembranças da casa de farinha, do forno quente para fazer beijú com coco, da luz no céu iluminando o terreiro e dos cantadores e emboladores que alegravam o serão das espremedeiras de mandioca.
             Essas imagens ele colocaria no poema "Um Ajuste de Casamento Num Sertão de Farinhada".
                             
                                            Velhos, moças e rapazes,
                                            Sem ordem, sem distinção,
                                            Ali, em roda, sentados,
                                            Sob apostas inocentes,
                                            Raspam mandioca ligeiro
                                            Com seus quicês amolados.

                                 Dum lado numas gamelas,
                                 Três mulheres ocupadas,
                                 Com os braços seminus
                                 Em tirar a tapioca,
                                 Espremendo a fresca massa,
                                 Para fazer os beijus.

            As imagens tipicas de uma casa de farinha aí estão com perfeição contada por Hermínio num dos livros que compõem A Lira Sertaneja, onde num lugar chamado Soledade, uma mocinha matuta por nome de Maria da Conceição, filha de um Zé da Mata ajusta casamento com um tal de Manuel Baixão Fria. Tipicos personagens nordestinos.
             Quando mais crescido Hermínio Castelo Branco começou a iniciar-se na poesia popular, no desafio do repente ao som da viola, disputando pelejas com cantadores famosos como o embolador afamado Raimundo Dias, vencido por Hermínio numa peleja. O poeta se refere a este fato em São Gonçalo Nos sertões.
                                                   
                                             Eu não sou de brincadeiro!
                                             Pareço com marruá
                                             Quando refuga a parteira,
                                             Pela perna não me vencem
                                             Pelas armas é asneira.

                               Nunca vi couro de alma
                               Nem rastro de lobisomem
                               Sou cascavel de vereda
                               Onde pico, urubu come,
                               Sou raio, fogo,corisco,
                               Onde não tem São Jerome.  
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

E O FOLCLORE, O QUE É, O QUE É?


      Pensar no folclore como uma coisa passadona, amorfa ou mofada, que  tem uma data marcada, e coisa do passado. Opa, nada de passado! Ou ainda pensar que lendas, crendices, mitos, superstições não tem fundamento nenhum, é perca de tempo, também não é assim. E você, o que pensa do folclore? Aliás, sabemos o que é folclore?
       Uma vez perguntaram ao poeta cearense Patativa do Assaré, o que era folclore e ele não pestanejou:
                      Folclore, meu camarada 
                      ouvimos a toda hora
                      é a história da alma penada
                      De lobisomem e caipora
                      Preste atenção e decore,
                      Pois com certeza folclore
                      Ainda posso dizer
                      Que é aquele búzio de ouro
                      Que você  põe no pescoço
                       Do filho pra não morrer.
       E Patativa continuou por aí. Mas a palavra folclore tem um significado muito amplo que vai desde a geografia a história, desde a quimica a arqueologia, desde a fisica á música, a sociologia, o teatro...quer dizer tudo o que nós podemos imaginar. Um conjunto de manifestações populares,culturais e artisticas, que vão passando de geração a geração traduzindo o modo de sentir, de pensar, de agir, de comer, de vestir nas sociedades, sejam elas iletradas ou as elites culturais, cada um a seu modo.
         Mas de onde veio essa palavra com tanto significado? Ela veio da Inglaterra quando um arqueólogo chamado William Jonh Thoms, em carta enviada ao Ateneu de Londres, no dia 22 de agosto de 1846 propos o termo folk-lore que quer dizer saber de um povo, depois simplificada para folclore.A ideia dele era de preservar lendas, tradições, usos e costumes das gerações passadas. No Brasil foi o ex-presidente Castelo Branco quem instituiu o dia do folclore, 22 de agosto, através da Lei 56.767.
         O nosso pais é rico em tradições, por que a nossa colonização foi feita por vários povos, como o Português que trouxe a língua, o reisado, o pastoril, as danças portuguesas, etc. O negro que trouxe o samba, o candomble, a macumba, etc. E o indio com sues mitos e sua culinária. Pra dizer a verdade o saber dos negros e dos indios só foram incorporados ao nosso folclore no ano de 1888, por determinação da Sociedade Americana de Folclore.
          São quatro os setores formadores do folclore, divididos assim: Narrativas tradicionais - contos populares, baladas, canções e lendas; Costumes tradicionais - costumes locais, os jogos, festas e cerimonias; Suertições e crenças - são bruxarias, candomblé, etc; Linguagem popular - ditos populares, adivinhações e provérbios. 
           No folclore brasileiro existem inúmeras lendas interessantes, como o Saci Pererê, o Caipora, o negrinho do Pastoreio, etc. Existem danças, quadrilhas, festas religiosas, o carnaval, comemoradas em todo o país.
                O meu boi morreu
                Que será de mim
                 Manda buscar outro maninha
                 Lá no Piauí.
           Essa música, por exemplo, é do folclore piauiense do Bumba Meu Boi, o folguedo mais caracteristico do nosso estado, como de outros estados brasileios. Sabe por que o Bumba meu Boi é tão conhecido? É por que a colonização piauiense foi feita através das fazendas de gado. O Bumba meu Boi é uma representação dramática, uma farsa. É o desejo de Catirina, a mulher do pobre vaqueiro Chico, em comeer a língua do boi mais gordo da fazenda.
             Mas o Piauí tem outras lendas e folguedos. Tem o Cabeça de Cuia, a Num-se-Pode, Zabelê, Miridan, o Reisado, o Tambor de Crioula, as quadrilhas, tem o Pinto Pelado, você já ouviu falar na lenda do Pinto Pelado? Pois é, existe sim. Vamos procurar essas lendas e tradições e nos deliciar com elas.
                Quer dizer o folclore é formado assim por essas coisas fantásticas, lendas maravilhosas, tudo contribuindo para o conhecimento da identidade dos povos, para a formação da sociedade. Ah! E nada de achar que folclore é aquela coisa passada, morta, coitadinha,  que vive morrendo á mingua. Vamos ter orgulho das nossas tradições, e de quem passa essas tradições de geração a geração..

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

SANGUE E CERVEJA


       Era desses domingos de manhã de sol resplandecente. Bem que poderia aproveitar, talvez um clube, piscina. No entanto, optou por uma cervejinha no bar de sempre, com tira - gosto de peixe. 
       Se alguém conhecesse o inferno diria que estava lá. Estranho. Aquele bar não costumava receber tantos fregueses numa manhã de domingo, mas estava lotado. Quis dar marcha ré, mas o garson o tratou como um freguês antigo, arranjou um local para ele sentar. Mesmo assim sentiu que tinha entrado numa roubada, o bar tinha se transformado em um campo de futebol, melhor dizendo, em um ringue de jogo de bola. Mas domingo as dez horas? Deus do céu! Já não basta futebol dia de segunda, terça, quarta, a semana toda? Fazer o que, é o país do futebol.
       Não tinha essa paixão toda por futebol. Essa cegueira, estúpida alienação, que deixa muitas pessoas transtornadas, tresloucadas, alheios ao mundo, pior dos que os viciados em redes sociais. Gostava, e só. Portanto, ao sentar-se naquele bar não teria outra opção, a não ser observar atentamente o comportamento de algumas daquelas pessoas que estavam ali. E isso ele adorava fazer. Era um inveterado na arte da observação, e de ouvir.
        Chamava a atenção que em todo o bar tina apenas dois casais. Pobres mulheres acompanhando namorados ou maridos, era como se não existissem. Então, tome celular, redes sociais. Cara direto nos aparelhos como se nada mais existisse ali. Ainda bem.
          O nome mais social que os torcedores berravam bem ato, era porra!Tomar no cú era fichinha. Filho da puta, um balsamo. De repente chega um cidadão e se dirige direto para uma mesa de um dos casais.
        - Aquela vaca tá pensando o que?Falava nervoso - Vou dar um tiro na cara dela!...
           Ninguém prestou atenção a ele.
       - Senta aí, moço, toma uma cerveja. Assiste o jogo! Disse o amigo da mesa.
        - Deixa ela chegar aqui com aquela cara lambida, deixa. Vai enganar outro trouxa, eu não!....
          O homem sentava e se levantava. Ia até a saída do bar, olhava para a rua e voltava para o mesmo lugar.
         A torcida explodiu com um lance do jog.
       - Porra, caralho, mete essa bola filho da puta!...
       - È foda, cara a cara com o goleiro...Vai tomar no cu perna de pau!...
         O cidadão nervoso não via o jogo, e repetia sua lenga-lenga junto ao casal. Casal que não ligava para ele. Até que gostaria de falar com aquele cidadão, mas preferiu observar as coisas, tomando sua cerveja, e atento e tudo.
         A zoada era infernal. 
       - Filho da puta passa essa bola, corno...
       - È um mercenário do futebol, mascarado todo...
         De repente veio o gol. O bar estremeceu do teto ao chão.A torcida se confraternizava.
      - Chupa essa, Tonhão, chupa!...
      - Meu pau, meu pau...Devia ser o próprio Tonhão falando.
        Foi quando ele notou no meio daquela algazarra que uma mulher entrou no bar, e se dirigiu a mesa onde estava o cidadão nervoso. Mas não deu tempo dela se sentar. Foram três furadas rápidas na altura do torax, sem chance alguma. A mulher desabou levando consigo a toalha da mesa e várias garrafas.
       Alguém gritou com deboche:
     - Bota na minha conta, caralho!
       O cidadão nervoso já tinha saído tranquilamente pela porta da frente do bar. Quando perceberam  que a mulher estava morta, pipocaram fotos dos celulares.
       O jogo continuava. Para o bem de todos.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

A DOR PRETA DO CIÚME - FINAL


        Procurava a culpa loucamente, mas só encontrava correção, retidão e firmeza em seu linear caráter de homem trabalhador. Não adiantava querer mudar agora, treinar palavras bonitas, pouses decididas. Nunca se imaginava outro homem, super nada, principalmente agora se fazer bonito para a esposa. Até mesmo se olhar no espelho do banheiro de sua casa, depois do banho solitário, penteando lentamente os cabelos, único luxo que ainda se permitia, agora era uma dificuldade.
      Não. Por mais que procurasse razão para tudo aquilo a mulher não tinha. Ele sempre fora um homem cumpridor do dever, inclusive, na cama. Mas agora aquela flecha preta, a dor do ciúme em tudo que ela fazia. O sorriso, a pele brilhante, o palavreado ao telefone, o nome do vizinho na boca a qualquer momento, e o desejo de fazer coisas além da condição do casal. A cada dia a mulher ficava mais bela e sorridente.
       A maturação do que fazer o fazia introverter-se cada vez mais, deixando-o nervoso, ranzinza, sufocando as lágrimas e fugindo dos poucos amigos, o terror do clichê estampado no meio da testa! Decididamente não era só ele que tinha sentido as mudanças na mulher, seu sofisticado comportamento, sua safadeza. Entre os amigos ele já era, quem sabe, um tremendo corno manso.
        A decisão a tomar corpo dentro do seu coração o fazia perder o prumo, o rumo de tudo. O cabeça e o corpo sem obedecer qualquer pensamento que ainda tentava imprimir dentro de si. Então, deu-se ao luxo de olhar as pessoas dentro dos olhos, levantar a cabeça a um cumprimento, rabiscar  em papeis coisas pronograficas e sair da repartição segundos antes do fim do expediente. Coisas antes inimagináveis.
        Quando seguro do que fazer pensou em viver um dia diferente em sua vida. Um dia em que não engoliria mentiras, em que não sofreria humilhações sem revidar, em que não faria de mão beijada tudo que lhe pedissem. Um dia em que não soaria frio com medo do amanhã. Conteve toda a ansiedade que desritmava seu coração, e parecia querer travar a sua língua. O que fazer estava decidido. e não perguntaria absolutamente nada a ela. Nem todas as dúvidas do mundo que povoavam sua cabeça iriam impedir sua vingança. Que a mulher continuasse a alardiar as bondades e a riqueza do vizinho. Tudo aquilo iria acabar.
          Silencioso como sempre, apontou o revolver para o ouvido da esposa, que dormia como um anjo. A dor preta do ciúme dizia que teria deitado com o outro na sua própria cama. descarregou a arma, herança do pai. Gritos dos pobres filhos que acordaram atônitos, agora orfãos de mãe. Ninguém entendeu nada. Para todos aquele pai de familia parecia um homem bom. 

terça-feira, 25 de junho de 2019

A DOR PRETA DO CIÚME - Parte I


        Amava rubricar o livro de pontos todos os dias,rubrica perfeita, hora pontual, e nunca questionara o miserável salário. Ganhava pouco e descontava muito. Se não tinha expectativa nenhuma de melhorar de vida, muito menos pensava em bons vinhos na ceia de natal. Aviões, viagens, hotéis de luxo,  apenas sonhos e histórias da mulher, que falava pelos cotovelos.
     - Nossos vizinhos viajam muito, não vê?
      Não dizia absolutamente nada, e o silencio irritava cada vez  mais a esposa. Quando não apenas um sorriso amarelo, de dentes cariados, gestos de não agressividade, obediência em tudo!Quando olhado dentro dos olhos, vermelhidão nas bochechas.
       Passou a desconfiar cada vez mais das conversas da mulher. Quantas noites e dias para descobrir?
       Todos o tinham como um sujeitinho trouxa, apagado, sem expressão, de um passado nulo e um futuro sombrio. No entanto, nada disso um impedia de ser um macho. O instinto da virilidade grudado no íntimo das entranhas. Era essa a única certeza absoluta de sua vida sem nenhuma fantasia.
       Nunca esboçara qualquer insatisfação dentro do peito, nem qualquer repúdio pela tara do capitalismo selvagem, da desigualdade social e nem pela corrupção nas esferas do poder que a tudo engole.Tudo ficava trancado no peito, quando não se esvaiam pelos poros.  Nunca a vontade de mudar a mudar a malfadada trajetória de sua vida. , quebrar a barreira do silencio de seu cotidiano sem mistério ou encarar o futuro com uma visão ampla e otimista. Longe disso. Só o terrivel medo de perder a segurança  do ir e vir do trabalho.
       Agora a mulher com aquele perfume diferente todo dia, o penteado bem feito, as unhas pintadas e uma incrível alegria estampada no rosto, e naquele sorriso.  
      A descoberta veio exatamente com a alegria da mulher, aqueles olhos brilhantes, de total felicidade, e liberdade. 
      - Nosso amigo vizinho tem um carro tão lindo, almoça com a familia todo domingo em restaurante, e tomam banho no clube social. 
        Uma pontada dentro do cérebro toda vez que ouvia a mulher naquela lenga-lenga, sempre com um frio percorrendo a espinha, rasgando a carne como corte de um arame farpado, transformando sua apatia fisica e sua letargia mental. Fugir do fato não podia, era concreto. Uma mancha negra, cósmica, a lhe sugar com violência e a se alastrar diante de seu lascado existir. Não era como sua classe social, que parecia não ter direito a nenhum esperneio, agora se tratava apenas dele. Somente dele.
       As esquinas se tornaram figuras geométricas girando no espaço, e as ruas pareciam colmeias intermináveis de homens e mulheres, e todos os seres vivos, a jogar em sua cara o que acontecia em seu lar. Frenéticos seres de caras e bocas, coisa que nunca prestara atenção durante todo o percurso que trilhou anos a fio, quase uma vida, do trabalho para casa. Tinha acontecido com ele sim, não era um devaneio tolo. Ela estava maculando seu leito com o outro homem, seu vizinho, o dito, que podia usufruir das cosas boas da vida. Passou a agir de forma estranha. E os minutos de atraso no trabalho já eram motivos de comentários.    

segunda-feira, 3 de junho de 2019

SERÁ ISSO, JOSÉ? FINAL

.           Os copos foram cheios mais uma vez. O local ficava cada vez mais lotado e o odor de corpos aumentava. Risos e beijos, toques frenéticos. Um diretor de teatro, com as veias do pescoço exaltadas, protestava contra a justiça. Falava sobre o recente crime do carteiro e ator amador Elzano Sá, morto de forma cruel na noite de Teresina. Para ele, um crime encoberto pela ditadura militar. Seu protesto tinha o aval de vários artistas presentes.
              Os dois amigos continuavam.
            - Agora imagina querer enfrentar o sistema dessa forma, de apito no bico, cara!Só vai dar em porrada, muito chute e humilhação. Transaram tudo, menos o tempo. Cabelos grandes, brincos na orelha, piercing por todo lado, linguajar arrastado, caramba! O corpo numa boa e a cabeça parada em 68. Temos que nos recompor por inteiro. Essa de ir direto, peito aberto, é suicidio, meu irmão!  não adianta querer acusar ninguém de covarde, conformados, filhos-da-puta, não somos obrigados a nada. José. Ninguém esqueceu a condição ordinário de nosso Estado, de um povo subjugado por dezenas de anos de oligarquia politica e de latifúndios improdutivos. O que nós fizemos foi nos safar da morte. Como é? Navegar é preciso, morrer não é preciso. Uma demonstração de inteligencia nessa selva de violência. Agora eles querem continuar a luta aberta, sem diálogos, no tudo ou nada. O sistema mudou, bicho! Nós é que estamos atrasados. Você não acha, José?
              Alguém agora cantava de cima de uma mesa e pessoas batiam palmas. O Sacha's Bar vivia seus melhores momentos. Os dois amigos continuavam a secar copos.
             -Querem sempre empurrar a gente pra dentro do caldeirão, bicho! Não vamos mais cair nessa, cara. Vamos mudar de tática, vamos nos junta ao povo faminto, escutar, aprender. A massa, cara! Essa que não está nem aí e foge dos meninos de cabelos pintados. Por que a massa, meu amigo, tem outro tipo de fome, fome de viver! Talvez ela já esteja cansada de segurar o pau de uma bandeira. A massa implora, bicho, vai lá,  protesta e grita por outras coisas, e não está nem aí para a ditadura. Quando quer pede de joelhos, por que quer viver, cara.
            Muitas pessoas passaram a olhar com maior atenção para a conversa dos dois amigos. Impacientes, alguns já queriam invadir aquela intimidade. O tempo urgia e pedia a participação deles na balbúrdia daquela alegria. Mas os dois continuavam.
          -Onde nós estamos, José? Em que cu nós nos metemos, cara? Essa tática de roer o sistema pelas beiradas, será que vale a pena? Ruir a base, cara! Ir nos miolos, chupá-los e depois cuspir. Não vamos mais ficar nessa de esculhambar por ,esculhambar, não dar bicho! Vamos deixar de porra-louquice, assentar a cabeça, não vamos sair por aí matando  de infarto, cara.
             O amigo de branco parecia continuar alheio ao movimento do bar. Mas agora com um ar maroto e um leve sorrido nos labios. O outro agora estava de pé, com o copo empunho.
           - Porra, José, será isso, cara?
             O velho boteco Sacha's Bar era só alegria!
              

sexta-feira, 17 de maio de 2019

SERÁ ISSO, JOSÉ? PRIMEIRA PARTE

             O Sacha's Bar era um boteco que ficava sufocado entre uma casa e outra, na Avenida José dos Santos e Silva, no começo dos anos oitenta. Parada obrigatória de músicos, artistas, poetas, meninas de programas, gays,lésbicas, e simpatizantes, claro. Ficava perto do corredor cultural de Teresina, formado pelo Theatro 4 e Setembro, Cine-Rex e Central de Artesanato. Portanto, era um pulo da Praça Pedro II, reduto dos boêmios e bon vivant da cidade.
              Naquele dia  o ambiente do Sacha's estava denso como sempre estivera nos últimos três anos. O odor forte de urina, misturado com fumaça e alcool, parecia  impregnar a pele de cada frequentador. O bar não oferecia absolutamente nada de novidade, a não ser a alegria do encontro e a liberdade de discutir  as desgraças da nação. 
             Os dois amigos nunca estiveram tão sérios e sóbrios como estavam, sentados naquela mesa em que sempre ficavam. O burburinho do ambiente parecia não perturbá-los. 
          - A realidade, José, é que temos fome de tudo! Dizia um deles para o amigo a sua frente, vestido todo de branco, impassivel, sorvendo sua vodka com gelo. Não seria melhor abandonar a luta, deixar tudo de lado e mandar todo mundo se fuder? - Continuava o amigo - Ou então se entregar ao sistema! É, deixar-se cooptar! Mas isso não seria digno, caralho, e nós queremos viver, viver!
           O olhar do outro simplesmente passeava pelo ambiente. E as conversas altas, as discussões sobre politica e os males do mundo pareciam não lhe tirar do sério.
          - Eles querem que a gente continue no palanque eternamente desafiando tudo, porra! Podemos?Que continuemos a enfrentar mil batalhões com seus canhões, mas isso não é poesia, caralho! Queremos o que, companheiro? Perder outra vez e cair no limbo? Depois eles aprenderam e implantaram métodos mais sofisticados de repressão, mudaram de tática,bicho! Vamos enfrentá-los assim de cara limpa, que loucura, José! Vamos continuar como besouros na vidraça! Você se lembra a barra imensa que sofremos? Quantos morreram, quantos mudaram de estação, e até de sexo? Porra, tortura é foda, cara! Mas essa fome de viver, velho...
           O amigo falava como se estivesse em transe. Nem a garota de saia rodada que ao passar pela mesa tascou-lhe um beijo no rosto, o calou.
        - Merda, estamos vivos, cara1 Alcançamos isso aqui, foi o possível Não é desistir da luta, porra, é se fortalecer do baque, você entende, José? Claro, que entende. Você é fodão, bicho! Podemos simplesmente empunhar faixas e tambores, e sair depois cantando vitória? Coisas iinfantis, bicho, manifestos bobos que não levam a nada. Parece até inocentes úteis. Que loucura, José! E a reação deles? Gozação, cara, risos e escarnio. Depois eles sabem que basta dar agrado, um empreguinho a qualquer um desses valentes de primeira fila pros meninos desaparecerem e deixar a moçada orfão de pai e mãe. Por que é isso, bicho, com certeza se continuarem nessa! 

quinta-feira, 25 de abril de 2019

SISTEMA DE INCENTIVO ESTADUAL Á CULTURA, MAIS UMA VEZ


               O SIEC – Sistema de Incentivo Estadual a Cultura, está pela primeira vez sob o foco  do Ministério Público Estadual. São recomendações quanto ao seu funcionamento, apenas recomendações. Para tanto vai haver uma audiência pública. Defendemos o SIEC incondicionalmente. É um meio de incentivo á produção, fruição e difusão da cultura piauiense. A Lei em si é democrática.
              Não é de pouco tempo que produtores e artistas vem alertando para o aprimoramento dos mecanismos da Lei. Por exemplo, na lei não existe lançamento de edital, portanto, seria aberta de janeiro ao final do exercício fiscal. No entanto, todo ano é lançado o edital da lei gerando, dessa forma, descontentamento. Caso do Ministério Público agora que reclamou do exíguo prazo de abertura do edital, sete dias apenas, convenhamos.
              Das várias discussões sobre a lei em seminários, mesas redondas,  fóruns, palestras e outros tiramos algumas recomendações que achamos salutar colocar para o debate como parâmetros para uma boa gestão da Lei. Poderia se colocar como critérios de avaliação de projetos, os seguintes itens: Ineditismo e inovação; Qualidade técnica e/ou artística da equipe/produção e currículos dos principais participantes do Projeto; Referência do produto cultural, pesquisa e investigação técnica da manifestação original; Atendimento aos interesses da comunidade e/ou desenvolvimento que promova a acessibilidade e a formação de plateia, bem como o fortalecimento da cultura piauiense; Formação ou aperfeiçoamento profissional; Viabilidade físico-financeira e condição de sustentabilidade do projeto; Democratização do projeto para atrair o maior número de beneficiados; Projeto com atrações nacionais, obrigatoriedade de 50% de artistas locais; Dois anos comprovados para pessoa jurídica, com  cnpj de atividade cultural; Projetos do interior realizado, preferencialmente, no interior com domicilio do empreendedor no interior.
            Como sugestões para a seleção dos projetos, temos: Clareza e objetividade na apresentação dos projetos; compatibilidade e viabilidade técnica, financeira e operacional; Estratégias de sustentabilidade; Estratégias de divulgação do Projeto; Relevância para o cenário local e potencial transformador.
            São recomendações simples de produtores e artistas, que poderiam ser colocadas de forma transparentes. Com certeza daria maior segurança aos empreendedores culturais. O que certamente não dá é a continuação do que todos  costumam chamar de rateio do dinheiro. Até compreendemos a intenção de contemplar o maior número de projetos. Agora torna-se tremendamente prejudicial o corte de 30, 40 e até 50% do orçamento de um projeto. Vamos pensar que se esse projeto for realizado  será, certamente, mal feito e mal produzido pelos e, seguramente, prejudicial ao pleno desenvolvimento da cultura. 





segunda-feira, 1 de abril de 2019

LAMPIÃO E SEUS CABRAS NA LITERATURA DE CORDEL - UM ESTUDO - FINAL


          Aparece na toada um tal de Masilon, companheiro inseparável de Lampião, que paga ordenado para cada cabra como se o bando fosse uma empresa, todos prontos para atacar os ricos. Neste sentido, Lampião manda o bando atacar a cidade de Mossoró, o Rio Grande do Norte e, só depois do ataque, vai atrás. Os cabras não conseguem tomar a cidade e partem para Limoeiro Várias volantes policiais saem do Rio Grande do Norte e Ceará, para combater o bando. O autor desfila um rosário de nomes de bandoleiros, como: Ás de Ouro, Xexéu, Cobra Verde, Caninana, Pinga-Fogo, Chamuscado, João 22, Tempero, Mergulhão, Dois de Ouro, Estriqnina, só para ficar em alguns. São pouquissimos os nomes repetidos de cordéis anteriores. Este cordel finaliza com Lampião sendo atacado por Moreira e Moisés, comandantes de volantes policiais, com mais de 660 soldados. Mas Lampião consegue escapar do cerco. 
       No cordel  O Miro de Lampião, de João Bandeira, o autor tem uma teoria interessante, se não fosse um tanto absurda. Fala que Lampião não morreu e mora em Goiás, com o nome de Assis, exercendo oficio de fazendeiro. Sua teoria se baseia em que Lampião sabendo que ia morrer se separa do grupo e vai esbarrar em Goiás, não se sabe como. Aliás, João Bandeia tem outro cordel sobre Lampião que não menciona nada disso, é Um Bandido Social, onde ele traça uma visão carinhosa e até de admiração pelo bandoleiro. Como se Lampião fosse um Robim Wood do sertão, que rouba dos ricos para dar para os pobres. Esse cordel faz uma apologia enorme sobre o cangaceiro. Em O Último Dia de Lampião, de João Fernandes de Oliveira, pode se fazer um paralelo entre o autor e Expedito Sebastião da Silva, o que me parecem os dois cordéis mais completos sobre a vida de Lampião. O cordel começa com o nascimento de Lampião em Águas Belas, Pernambuco, no ano de 1898. Aos 17 anos entra no cangaço com os irmãos,como descrito por Sebastião da Silva.
       O apelido Lampião confirma a história de Sebastião, era por causa do clarão que o rifle de Lampião fazia ao disparar. Dado novo neste folheto descreve a perda de visão de Lampião, causada por um espinho de mandacaru. O próprio Lampião teria arrancado o olho. Lampião teria vivido 23 anos no cangaço e, quando descansava em Sergipe, no lugar chamado Angicos, foi morto pelo tenente João Bezerra, já hospedado em Piranhas com todo seu aparato policial. Ele morre em emboscada com vários elementos de seu bando, as quatro horas da manhã, numa atrocidade e numa violência terrivel.
         No último titulo lido por mim Lampião - Rei do Cangaço, de Antonio Teodoro dos Santos, chamado o poeta garimpeiro, o autor acrescenta dados interessantes sobre Virgulino. Escrito com estrofes e toadas satiricas, diz que Lampião foi criado com o seu tio Manoel Lopes, em Nazaré, e que ele trabalhava o couro na fabricação de peneiras, alforjes e gibão e vendia cereais em feiras. Conta ainda que o cangaceiro Antonio Silvino, teria inspirado o próprio Lampião. Dá também uma infinidades de nomes de cabras de Lampião, com muitos nomes repetidos. Segundo o autor, Sabino, um cabra amigo de Lampião, perdeu um cigarro na escuridão da noite, Lampião então dá um tiro de fuzil que iluminou todo o sertão. Silvino não se fez de rogado, tascou o nome de Lampião, em Virgulino Ferreira. 
        Teodoro dos Santos revela algumas poesias que teriam sido feitas por Lampião, elas falam da vida e dos amores dele no cangaço. O cordel de Teodoro termina com a morte de Lampião, em Angicos. O que chama a atenção no final do romance é o autor dizer que com a morte de Lampião,o nordeste se viu livre da praga do cangaceiro.
         A criatividade sobre o cangaço no nordeste brasileiro supera qualquer lógica. Alguns autores não respeitam cronologia nenhuma sobre a vida de Lampião, pois o talento e a ficção contam mais para eles. Claro, muitos deles são repetitivos e sem expressão. O interessante é que o mito se mantem vivo. Talvez por que a lutar de Lampião contra as injustiças sociais da região ainda se mantem. Coisa que as arcaicas estruturas não querem nem ouvir falar.

sábado, 16 de março de 2019

LAMPIÃO E SEUS CABRAS NA LITERATURA DE CORDEL - III


           Quando Lampião se candidata a prefeito do inferno para tomar o trono de Lúcifer, o diabo termina sendo eleito. Começa, então, a briga do cangaceiro para tomar o trono de satanás na marra. Aparece um tal de Cão Gasolina, uma espécie de secretario  do lugar, e manda a mãe do azar fazer uma macumba para matar Lampião. Mesmo assim Lampião termina tomando o trono do diabo e começa a mandar no inferno. Sua primeira medida é mandar expulsar 70 mil cães do pedaço, mandando para vários estados do Brasil, como Alagoas, Pernambuco, Bahia e São Paulo. Muito interessante este cordel de Severino Gomes da Silva. Ele se parece muito com outro cordel de nome "A Chegada de Lampião o Céu - Debate de Lampião Com São Pedro", de José Pacheco, guardando-se as devidas diferenças, pois o primeiro trata, como vimos, de Lampião no inferno e este de Lampião no céu.
            No cordel de José Pacheco, o autor fala de inúmeros lugares para contar a morte de Lampião, até chegar a conclusão de que realmente o cangaceiro morrera, indo esbarrar no céu pedindo a São Pedro que o abrigasse. Mas o santo guardião das portas do céu não deixou o homem entrar, pois o seu lugar seria o inferno. Lampião não aceita a negativa e bate o pé, quer ficar mesmo é no céu. São Pedro então convoca todos os santos, principalmente os mais poderosos, citados na Biblio Sagrada, para enfrentarem  Lampião. Foi então que São Francisco jogou um corisco e um trovão que escureceu o espaço e Lampião desapareceu. Claro, para o autor as forças do bem jamais poderiam deixar um assassino entrar no reino de Deus. Portanto, o lugar de Lampião foi mesmo o inferno. 
          Importante colocar aqui que tanto o cordel de Severino Gomes da Silva como o de José Pacheco, serviram de inspiração para o dramaturgo piauiense Gomes Campos, escrever a famosa peça teatral "Auto do Lampião no Além", um marco no teatro piauiense. 
             Em outro cordel da safra do cangaço "O Encontro de Lampião com Lampião", de João José da Silva, o autor apenas troca de titulo, mas a história é a mesma de outro cordel "O Encontro de Lampião Com Um Falso Lampião", muito confuso por sinal. Já em "Perseguição de Lampião Pelas Forças Legais", romance de José Cordeiro, aparecem várias novidades.Este cordel, muito interessante, começa no de 1927, quando Lampião se encontra no estado da Paraiba e promete matar todos os habitantes da cidade de Sousa, Cajazeiras, e por ai vai. É um dos únicos cordéis onde aparece uma Toada de Lampião, que diz:

                                                É lampe, lampe, lampe
                                                É lamparina, é cabra bom
                                                É lampe, é lampe, é lampe
                                                É lampe, lampe, lampe
                                                 É Virgulino, é Masilon.
                                                            
                      Lampião é negro taco 
                      Sabino é negro de linha
                      Mailson no rio grande
                       Banca pose almofadinha.

                                                 É lampe, lampe, lampe
                                                 É Lamparina é cabra bom
                                                 È lampe, lampe, lampe
                                                 É Virgulino, é Masilon
                                                 Estácio é meu intrigado
                                                 Zé Augusto é inimigo
                                                 Suassuna um danado
                                                 Moreirinha eu não persego

                    É Lampe, lampe, lampe.....

                                                                                                 CONTINUA