terça-feira, 30 de novembro de 2021

JACO, O VELHO - FINAL

                   Uma das coisas mais importantes de seu Jacó era a de ser um homem prevenido. Portanto, com a idade avançada ele já conservava em casa sua mortalha, sempre lavada e engomada, e seu caixão. Todo mundo sabia, digamos assim, dessas esquisitices. Um dia, assim de repente, morreu uma pessoa na Roça dos Pereira. Um parente de seu Jacó. Foi um deus nos acuda. Onde encontrar um caixão? Não teve outra, foram procura seu Jacó.

                  De muito grato seu Jacó cedeu seu caixão, com a promessa de que logo logo teria outro no lugar. Mas tinha um detalhe, o defunto era maior do que seu Jacó. Todavia, não teve jeito. E o jeito para que o caixão coubesse o morto foi abrir o fundo do caixão. Ficou esquisito ver o morto com os pés de fora, mesmo calçado em sapato de couro cru. O enterro ficou conhecido como o defunto era maior.

                   De outra feita seu Jacó, que tinha uma raiva danada de ciganos, viu a oportunidade bater a sua porta quando alguns ciganos foram esbarrar na Roça dos Pereira. Cigano para ele era o bicho pior da face da terra.

                - Um bando de cão chupando manga! Dizia ele.

                  Os ciganos  passaram poucos dias na Roça. Tempo suficiente para tirar o sossego de seu Jacó, que alardeava só ir dormir direito quando aquela cambada de ladrão se escafedesse da Roça. E os ciganos se foram. Mas ai seu Jacó sentiu falta de alguma coisa em seu quintal, entre elas, uma foice velha e um facão Colino já meio sem enferrujado. Mas foi o suficiente para seu Jacó tascar de vez.

                - Foram eles, os ciganos!

                  Sem pestanejar rumou para Pedro II dar parte dos ciganos. Queria por que queria suas coisas. O delegado da cidade conhecia seu Jacó e adorava suas histórias. Botou a policia atrás dos ciganos, e seu Jacó fez questão de acompanhar os soldados. Quando encontraram os ciganos seu Jacó não se fez de bobo. Arrastou o que pode dos ciganos e levou para sua casa. Os pobres ciganos não puderam fazer nada. Reclamar de que, se não podiam comprovar que eram donos daquelas coisas.

                 Como eram boas as histórias de seu Jacó, o velho! 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

JACÓ, O VELHO - I

               A última vez que vi seu Jacó, o velho, carinhosamente chamado de Jacosinho, foi no final dos anos oitenta, já na altura dos seus oitenta anos.Seu Jacó era um dos patriarcas da Roça dos Pereira, Pedro II. Nunca esqueci o jeito dele cumprimentar as pessoas que não conhecia. Primeiro ficava de cócoras na frente da pessoa, depois botava a mão no queixo, ai disparava.

                 - Quem é você?

                   Foi a primeira vez que ouvir alguém fazer essa pergunta na cara de  outra pessoa, pergunta que se tornaria tão popular nos anos dois mil, feita de forma jocosa.

                - Quem é você!

                  Jacó, o velho, cognominado assim para diferenciar do sobrinho Jacó, o novo, também chamado de Jacosinho. Os dois Jacós habitavam o mesmo mundo da imaginação criando ao redor deles histórias que eram repetidas exaustivamente, passando ao imaginário dos habitantes da Roça. Cada um na sua proporção. 

                 Muitas das história de Jacó, o velho, depois da sua morte tinham virado lendas, e eram contadas em rodas de conversas, e repetidas em rodas de conversas, como forma de animar a todos e de lembrar a figura venerada do velho Jacó.

                  Entre tantas histórias se costuma lembrar de algumas. Entre as quais de como seu Jacó guardava a lembrança daqueles que lhes deviam dinheiro. Para cada devedor ele colocava caroço de milho dentro de um vidro, cada caroço um cruzeiro. Quando o cidadão ia lhe pagar eu contava quantos caroços tinha dentro do vidro e cobrava a conta. Não errava uma. Vendo que fazia tempo que nenhum devedor ia saldar sua divida seu Jacó pegou o vidro com mais caroço de milho e começou a contar. Para tanto, ele enfileirou os caroços de um por um no chão. Aquela fila sem fim de caroço de milho no meio da sala. Mas seu Jacó não prestou atenção na galinha que comeu quase todos os caroços de milho. Foi um deus nos acuda.

                Sua mulher vendo a aflição do marido veio a sala.

             - E agora,mulher, vou fazer o que?

             - Mas o que foi, homem?

             - A desgraçada da galinha  comeu a divida de seu Didor, quase toda!

                Momentos de silencio. O que fazer? Foi ai que seu Jacó lembrou.

             - Agora só tem um jeito,mulher.

             - Pois diga, homem?

             -  Comer a galinha. E contar quantos caroços de milho tem no papo da bicha.

 

                                                                                    CONTINUA

 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

A HISTÓRIA DA FOTO - 4

                

 

                              

                 A foto do cartaz é da Mostra de Teatro Amador do Piauí - 1985, realizada no Theatro 4 de Setembro, pela Federação de Teatro Amador do Piauí. A história de desse cartaz ficou marcado em nossa memória pela circunstância em que se deu. O cartaz foi criado pelo web-designer Paulo Moura.

                    Quando nós fomos atrás de quem poderia patrocinar o material gráfico da Mostra, que naquele tempo era composta de faixas, cartaz e folder de programação, ficamos pensando nos possíveis patrocinadores. Quem patrocinava a Mostra era o governo federal através do Serviço Nacional de Teatro, do Ministério da Cultura e o apoio era da Secretaria de Cultura do Estado. Então, por falta de patrocinadores de empresas privadas pensamos na Prefeitura de Teresina.

                   A audiência foi marcada com o prefeito, naquela época, o Dr. Freitas Neto. Eu e o tesoureiro da Federação de Teatro, eu era o presidente, no dia da audiência colocamos o material debaixo do braço e rumamos para a Prefeitura. depois de um bom chá de cadeira fomos recebidos pelo prefeito, que chamou seu assessor de comunicação para a reunião. Explicado o motivo da audiência, expomos o material para o prefeito que achou muito interessante. No entanto, conversa vai conversa vem, foi colocado para nós o por que do rosto no cartaz está chorando. Foi uma boa discussão. O assessor pediu que refizéssemos o cartaz, para que ficasse mais alegre. Afinal de contas era teatro, alegria. na visão dele.

                  Ficamos sem alternativa. Ou o cartaz era refeito ou não seria feito. Depois de ponderar ao assessor o rapaz não abria mão de, segundo ele, consertar o cartaz. A prefeitura não iria patrocinar um cartaz tão triste. Foi ai que bati o é. Disse para ele que não iria censurar uma arte de um grande artista piauiense. Foi dura a conversa. E, ainda falei,  que retornaria ao prefeito e relataria a sua relutância em mandar rodar o material já despachado pelo edil. O rapaz ficou arara, mas aceitou.

                     A Mostra de Teatro Amador do Piauí, de 1985, foi uma das melhores mostras de nosso teatro, onde se apresentaram "Itararé, a Republica dos Desvalidos", de Afonso Lima, um dos clássicos do teatro piauiense e "Auto do Corisco", de nossa autoria.

                   Tempos depois eu contei ao Paulo Moura que o assessor de imprensa da Prefeitura tinha pedido para refazer o cartaz e nós não tínhamos aceitado. Histórias de nosso teatro.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

TEMPO DE LEMBRAR - AQUELE PAU-DE-ARARA

                 O  ano era 1974. Quando eu era  rapazote, como se dizia na época, com pouco mais de quinze anos, ia passar as férias escolares na Roça dos Pereira, Pedro II. Férias escolares naquele tempo era de dezembro a março, uma beleza! Ficava na casa dos meus avós maternos. Um casarão com alpendre, pés de figueiras e casa de farinha. Ai, tome brincadeiras.

                 Minha tia Júlia Sena, a dona Julinha, era uma beata quase juramentada. Quase, pois tinha os seus rompantes.Não perdia um festejo de Nossa Senhora da Conceição, a padroeira de Pedro II. Ela tinha um filho mais novo do que eu poucos anos, portanto, meu primo e nós dois éramos companheiros inseparáveis em tudo naqueles tempos. Tia Julinha naquele ano ia mais uma vez a Canindé, no Ceara, pagar as famosas promessas a São Francisco das Chagas, santo padroeiro do nordeste. Fui convidado para ir com ela e seu filho, O Sena. Topei. Pois lembrei que meu pai era também devoto de São Francisco. Neste sentido, eu e meus dois irmãos somos Franciscos, e minha irmã só não foi Francisca porque minha mãe bateu o pé. Três Chicos tudo bem, mas uma Chica eu não aguento. Venceu mamãe. Só que eu e meus irmãos nunca fomos chamados de Chico.

                 A viagem a Canindé foi em um típico pau-de-arara, desses cobertos por lona com tábuas servido de acento. Os passageiros viajavam sem poder estirar as pernas, e ainda tendo que afastar as costas do passageiro da frente que teimava em cair prá trás. Uma tortura. Saímos de Pedro II e a viagem durou dois dias. As noites na estrada as redes eram armadas no mato, entre uma árvore e outra. Lembro que nas rezas e nos benditos cantadas pelas mulheres na estrada, eu e meu primo cantávamos música de sucesso, e tome Waldick Soriano "A Carta" ou então Fernando Mendes. Ninguém notava diferença, e ainda recebíamos elogios pelos cânticos dos benditos. 

                  Foi em Canindé que descobri a religiosidade de um povo, a fé e a crença, de uma forma nunca vista. Na matriz de São Francisco vi dinheiro caindo no chão por que os locais onde se botava dinheiro enchiam de notas. Lá descobri que muita gente também vai não para rezar mais para faturar alguns trocados. essa descoberta foi no próprio pau-de-arara quando uma mocinha que viajava com a gente, os romeiros, ia para Canindé para se divertir e, segundo ela, quem sabe faturar uns trocados com os homens. Essa mocinha ficou minha amiga e de meu primo, e só não fomos as vias de fatos no sexo por que tia Julinha ficou de olho em nós três. Em Canindé andei pelos bares com meu primo, e assistimos um circo poeirinha onde uma mulher se transformava em um gorila - a Mulher Gorila. Danada como éramos, eu e meu primo, fomos pra detrás do circo só para descobrir como a tal mulher virava gorila. e descobrimos.

                   Passados seis anos da viagem a Canindé, eu já como autor de teatro, dei com uma noticia de jornal onde um pau-de-arara a caminho de uma romaria tinha virado e matado  muitos romeiros. Dessa noticia escrevi uma peça de teatro chamada "Os Salvados", onde cinco romeiros escapavam de um acidente em um pau-de-arara. As cinco personagens contavam suas promessas e lembravam suas vidas. O texto ganhou o Prêmio Miriam Muniz  de Montagem, da Fundação Nacional de Arte, no ano de 2000. Teve várias montagens no Piauí e algumas fora do Estado e participou de dois festivais nacionais de teatro.    

sábado, 2 de outubro de 2021

A HISTÓRIA DA FOTO - 3

                    No ano de 1989 a Federação de Teatro Amador do Piauí estava numa de suas maiores crises. Dessa forma, também o movimento teatral estava em crise. Basta dizer que nos dois últimos anos, 87 e 88, ela tinha se dividido em duas federações de teatro. A federação oficial - Federação de Teatro Amador do Piauí-FETAPI e a Federação Independente de Teatro Amador do Piauí - FITA. Foi nessa crise que se partiu para a realização da XII Mostra de Teatro Amador do Piauí - na verdade a X Mostra.

                     A X Mostra de Teatro Amador do Piauí foi realizada em Picos, no cidade Teatro Spark, com poucos espetáculos, exatamente reflexo da crise que atravessava o movimento amador do Piauí. Os dirigentes da FETAPI, encabeçada por Pinho Gondinho e Francisco Pellé, fizeram do evento algo digno dos filmes dramáticos, com acontecimentos de bastidores  marcantes. O clima de disputa pela hegemonia do movimento teatral dominou a mostra, com grupos de digladiando entre si.

                       Entre os episódios de bastidores do evento podemos citar alguns, aqueles menos degradantes. Invasão de bilheteria de espetáculo e tomada do dinheiro arrecadado; Invasão de dormitório, quando se espalharam malas e roupas pelo ambiente; um artista tomando banho na caixa d'água que abastecia o alojamento, e por aí vai. Para descontrair, a descoberta ao vivo, do cenógrafo Carlos B, já falecido, pai do ator Carlos B. Filho, que viu o filho vestido de drag desfilando em plena rua da cidade, onde tinha um bar e os artistas iam se descontrair a noite. A descoberta para Carlos B. pai foi um espanto. Não sabia que o filho era qquela espécie de gente, segundo ele.

                        Quanto aos spetáculos teve "Flics, a História de Uma Cor"; 'Quadros Negros", de Lavinia Fonseca, e "A Mala", direção de Roberto Mallet. A nota mais triste foi quando terminou a mostra e o ônibus que traria os artistas de volta a Teresina foi esbarrar na delegacia, numa denuncia de que a Federação não tinha como pagar o transporte. O caso chegou até a prefeitura da cidade, e o ônibus terminou liberado. Aquela Mostra de Teatro em Picos deu o que falar. quanto a Federação de Teatro Amador do Piauí, a FETAPI, depois da mostra passou dois anos para se recompor.

 .