quarta-feira, 29 de abril de 2020

A CLASSE CULTURAL PEDE PASSAGEM - I

                                                       Publicado no Jornal da Manhã em 04.09.1990


               Recentemente estive em Belo Horizonte participando, como convidado, do VI Congresso Mineiro de  Artes Cênicas. O que nos ouvimos por lá nos animou a arregaçar as mangas e a continuar a luta de Golias em prol da cultura brasileira e piauiense. A cultura essa que alimenta o espirito, o prazer carnal e fisico, as inebriantes ressacas de Baco e as orgias de seus cultos a correrem atrás de ninfas, para lhes comerem tudo. Queremos dizer que não é de hoje que a cultura brasileira vem sofrendo assim como a saúde, a educação, a questão agrária, o meio ambiente e a habitação, o total descaso do estado.
              Esse golpe que o presidente Collor deu implodindo orgãos culturais como a Fudancen, a Funarte, o Spham, o Pró-Memória, com a sua proposta de reforma administrativa, não passou de uma vingança mesquinha contra a cultura e a inteligência nacional. Simples vingança e desespero de quem viu perto, apoiado por uma burguesia entreguista, um  projeto de esquerda tomando conta do Brasil e arregimentando descamisados e desdentados rumo a sua liberdade. E os artistas e intelectuais, corresponsáveis por esse levante, tiveram seu troco com o Plano Brasil Novo na área da cultura, que jogou ás traças um projeto de superação do analfabetismo, da fome e da mortalidade infantil, pois tudo passa pela questão da cultura.
            O senhor Ipojuca Pontes, o "Pedro Mico", não confundir com mico preto, que carrega a bandeira do desfacelamento dos orgãos culturais do  país, vem a público dizer que "o intelectual pensa que tem o direito  divino de ser sustentado pelo governo porque só ele é capaz de resolver os problemas do país". Quando, senhor Ipojuca, algum cristão  neste país, com o minimo de inteligência,  pensou que o estado possa ser eternamente pai?A não ser os fisiologistas criados na esteira da ditadura e da corrupção politica. Dizer que o intelectual tem medo da concorrência e horror ao mercado aberto é desconheceer um país ou qualquer estado do nordeste onde nem mercado e nem concorrência existem na área cultural, porque o país é simplesmente usurpado em oitenta por cento por cadeias de televisões, grandes editoras, grandes gravadoras e jornais com o olho e o pé fincados na cultura externa. Depois em qualquer país civilizado do mundo, os intelectuais, artistas, pesquisadores e cientistas são a reserva da nação, sustentáculo do avanço e do progresso.
            É certo que alguns auxilios para a área cultural geraram distorções, mas exterminar a todos os orgãos de apoio com a intenção simples de criar outros no lugar, como Ibac e Ibpc, é querer levar novamente, acreditamos, a área cultural a censura, aos bloqueios de apoio e as interferências do centro de poder.

sábado, 11 de abril de 2020

O PRINCÊS DO PIAUÍ

                                                   Publicado no Jornal da Manhã, 28.06.1980


              Estreou no dia 12 último a peça O Princês do Piauí, do Parnaibano Benjamin Santos, no Theatro 4 de Setembro. Pela primeira vez ela sobe ao palco no Brasil, numa produção maravilhosa de Tarciso Prado, com uma montagem explêndida do Grupo Teste de Espetáculos, trazendo ao conhecimento dos piauienses a obra de um autor da terra consagrado nacionalmente, com três prêmios do Serviço Nacional de Teatro. Vamos aferir em O Princês do Piauí três itens essências para a compreensão da peça: Dramaturgia, temática e montagem.
            O próprio autor frisou numa palestra que fez ao pessoa de teatro, no auditório Herbert Parentes Fortes, que o Princês era uma reviravolta em tudo que ele escrevera para criança até ali.Não temos conhecimento aprofundado de suas montagens anteriores, mas podemos supor que a reviravolta tenha sido no sentido de catarse, de técnica. A depuração da escrita cênica e a linguagem poética encontrada  no texto deixa a criança de frente a uma dramaturgia sem ilusionismos bobos que a leve ao devaneio, tudo é procura constante, é indagação: "Quer que eu conte, quer....A história da casinha de bambuê coberta de bambuá."Benjamim na sua dramaturgia infantil faz um jogo de palavras de impactos, com comparações. Ele se preocupa com o todo, o conjunto da obra teatral, deixando á criança o prazer de captar as imagens que as palavras invocam no seu pensamento infantil. Aliás, o autor, parece bastante despreocupado com a participação ativa da criança no contexto da peça, tocando a sua beleza interior, e dando critérios para sua participação de onde ela está. É certo que a estreia foi vista por adultos, restando esperar por um público infantil, no entanto, a pureza, a inocência e a ternura, ora de uma maneira trágica ( A morte da Cabra Montês), ora de uma maneira poética ( a descoberta do amor pelo Princês) campeiam soltas no texto.
           Benjamin surpreendeu a todos na sua palestra, declarando: "Vocês dão de a zero em mim, não sei do folclore piauiense." Surpresa por que em O Princês todo um mundo de lendas e fatos, que bem poderiam ser a nossa Burrinha, Num-Se-Pode, O Cabeça de Cuia, povoam a ação dramática da peça. Assim temos O Morto-Carregando-O Vivo, A Mutuca e os bonecos. São coisas da infância do autor, retiradas do fundo da memória, estando aí talvez a força telúrica e o lirismo que emana de O Princês. A temática é iminentemente nordestina , com pinceladas de universalidade.
           O Princês sai a procura de si, o homem a procura de seu destino; o nordestino fugindo da seca, da fome, mosrada na peça para a criança de uma forma não trágica, onde os elementos caracteristicos da região vão se encontrando em cada cena, compondo assim todo um quadro alegórico. Benjamin joga com a sensibilidade da criança no seu sentido de libertação do medo, a dependência, indo ao encontro do seu eu propriamente dito, com imagens e palavra do seu mundo. É preciso que exista o conhecimento da dor, da beleza e do amor, segundo o autor, para que a criança se situe no seu mundo, enxergue a sua volta. Benjamin na sua tematca é revolucionário, não no sentido panfletário, contra ou a favor. O autor indaga, investiga, , busca, estabelecendo um equilibrio próprio, segundo seus critérios de criação.O que vale é sua mensagem que no Princês bem podemos sentir de cara, basta olhar, sentir, tocar, o que e muito da criança vivendo no seu mundo de descobertas.
          Dificil seria prever uma montagem da peça pelo autor, acostumado que é a jogar com todos os elementos criativos que o teatro possa dar. No entanto, o Grupo Teste de espetáculos, sob a direção de Tarciso Prado, revigora-se depois de um silencio e dr um banho de ousadia com a montagem de O Princ~es do Piauí. É impagavel a entrada em cena de O Morto-Carregando- o Vivo e da Mutuca, o que vem a atestar a afinação entre o diretor e o autor. Obvio que não se pode fazer uma analise de como as crianças vão receber o espetáculo, como irão reagir, pois como falamos, a maioria das pessoas presentes ao teatro eram adultas. Porém, acreditamos numa boa receptividade, tudo faz crer. Uma cenografia acima dos recursos do teatro piauiense, que revelou talentos excepcionais neste campo, como Williamas Martins e Afonso Miguel, que fizeram um trabalho artesanal fora do comum. Valeu apena por proporcionar aparições no palco belissimas como a de Arimatan Martins, o Princês; Lurdinha Lima, a Torquata ou Mãe Catinha e Maria Dias, a Neusa.