sábado, 21 de maio de 2011

AQUI É O FIM O MUNDO OU LÁ





Quem somos? De onde viemos? Qual o nosso destino? Agora sempre que cutucados na sua auto-estima o piauiense abre uma guerra contra o inimigo. Aprendeu a não suportar mais o deboche, as piadas de mau gosto, a não existência do Estado no mapa do país. Encara-se de frente quem tiver o topete de falar mal ou opinar sobre a condição do Estado. E tome cacete, não venha não que o Piauí é grande, é o maior, é o tal, bom em tudo! Teresina, a capital, é cosmopolita, globalizada, não está nem aí para a tradição. E tome o patrimônio cultural no chão. Para que identidade? Somos cidadãos do mundo! E se não temos sotaque não precisamos de raízes.


É em nossa história que vamos buscar entender tamanha mania de perseguição que nos aflige atualmente. Não digerimos, ainda, quem somos, portanto, menos ainda de onde viemos, também, não é para menos: simplesmente não nos conhecemos. Patinamos entre o desconhecido e o faz de conta de nossa história, que precisaria ser totalmente revisada. Mas quem teria coragem de fazer? Talvez seja melhor viver na mentira, e revidar tudo que venha contra o que pensamos ser. Em primeiro lugar, não temos uma data de Independência política, temos três: 24 de janeiro, em Oeiras; 19 de outubro em Parnaíba e, agora, 13 de março, em Campo Maior. Tudo escrito lá, na bandeira e no escudo do Piauí. Aliás, no escudo está 24 de janeiro, como data máxima da Independência do Estado, mas o dia do Piauí é comemorado em 19 de outubro. Como é que fica a educação das nossas crianças? Se ainda hoje se discute qual a data da independência do Estado, como podemos saber quem somos? Interessa buscar uma identidade piauiense?


Teresina, por exemplo, é uma jangada de pedra vagando entre dois rios em busca de um porto seguro. Foi uma cidade projetada para ser a capital do Estado, e de onde ela veio, a antiga capital Oeiras, veio o poder político e a burocracia. Depois, de outros municípios, a principio, vieram tudo: Dramas de Quintais; Brincadeiras do Boi Bumbá; Casimiro Coco; Pastorinhas; Tambor de Crioula; Terreiros de Macumba; Corso carnavalesco, futebol e carnaval. Temos a impressão que o desamor que a maioria dos teresinenses tem pela sua cultura, é por que nada parece ter nascido em Teresina. Então, amamos tudo o que vem de fora.. Mas esse desamor por nossas raízes e esse desinteresse em discutir quem somos e de onde viemos e, principalmente, onde queremos chegar , talvez, seja o motivo dessa revolta quando somos atacados por algum desbocado ou algum desavisado que não quer reconhecer nossa imensa grandeza. Mas se essa grandeza está sendo feita até aqui de pura fantasia ou mascarada, será que não se quer enxergar que precisa-se sair da letargia em que o Estado se encontra? Ou simplesmente refutar qualquer ameaça de denegrir a imagem do Estado não será uma forma encontrada para continuar na fantasia? Simplesmente rechaçamos o que não queremos ouvir ou ver. Será?


Se olharmos mais um pouco para trás, antes da fundação de Teresina, lá nos tempos do Piauí Colônia, teremos um retrato não tão fiel de nossa formação social, isso por que nossos historiadores se contradizem. Naquele inicio do século XVIII o Estado era como que um país novo, sem definição territorial e administrativa, onde existiam índios pelas matas e nas beiras dos rios que fervilhava. Chegou a pertencer jurisdicionalmente a Pernambuco, Bahia e Maranhão Então, vieram os desbravadores capitaneados principalmente por Domingos Afonso Mafrense e Domingos Jorge Velho, sem muita diferença entre os dois, sendo o primeiro um potentado dono de imensas terras e o outro um matador de índios e, pasmemos, por isso mesmo o Capitão-Mor-de Conquista do Piauí. Temos aí, então, o embrião de nossa formação. Uma sociedade estruturada sem poder fiscalizador e disciplinador do reino, isso por que as forças políticas mandavam em tudo e não obedeciam ordens de ninguém e , também, por que o reino parecia não estar nem aí para o Piauí. Que a elite militar e política resolvessem eles mesmo seus abacaxis. Existe alguma semelhança com os dias atuais, onde a politicalha local continua a barrar qualquer laço de união em prol do Estado?


A briga pelo poder local era tão grande entre os senhores de terras e de escravos que não obedeciam nem aos governadores nomeados pelo reino, assim foi com João Pereira Caldas, primeiro Governador da Capitania do Piauí que apesar de lutar pela melhoria do Estado, criando órgãos públicos e outras benfeitorias, não gozava de nenhum prestigio das famílias abastardas do Estado. Aliás, esse governador foi quem deu o toque final da expulsam dos Jesuítas das terras do Piauí. A Companhia de Jesus que tinha o prestigio e o poder dado pelo Rei para explorar o Piauí e que, inclusive, não pagavam impostos. As terras do Estado eram só para os do Estado e pronto. Foi ele, também, quem denominou o Piauí de Capitania de São José do Piauí, em homenagem a Dom José I. Mas nem isso o salvou da guilhotina solicitada pelos ricos latifundiários locais.


Famílias como a Castelo Branco e Coelho Rodrigues se entrelaçaram e foram as formadoras dos principais troncos famílias piauienses, como Freitas, Almendra, Gayoso, Rego, e tantas outras. Nem vamos falar no tronco gerado por Manoel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba, que passou mais de vinte anos mandando e desmandando. Essas famílias se perpetuaram no Estado através de duas vertentes valiosas, poder político e o mando da terra. Como senhores absolutos, quase todos deixaram de herança para seus filhos, netos e bisnetos não só suas riquezas mas, também, o direito de si perpetuar como membros do Estado, fosse na burocracia ou gozando de mandatos eletivos. Foi assim durante décadas e assim permaneceu.


O que nos vemos hoje na política piauiense, responsável por quase tudo que não acontece nesse Estado, é apenas uma repetição triste de um passado não tão distante de nossa formação social e política. Onde a terceira ou quarta geração de políticos herdou um mandato eletivo, seja do pai ou do avô numa verdadeira oligarquia familiar. Essa prática oligárquica tão nefasta e combatida por tantos na política piauiense, foi se refazendo em sucessivas perdas, não pelo esgotamento de seus pares, mas pelos acordos de bastidores e pelos apoios para não perder o poder.


Dessa forma, aqueles grupos nascidos na peleja e no combate político, não foram capazes de ultrapassar as velhas práticas atrasadas, preferindo se aliar ao que existia de mais ultrapassado na política piauiense. E os intelectuais e pensadores piauiense, atrelados quase sempre a uma corrente política ou outra, não foram capazes também de jogar luz sobre o futuro do Estado. E assim, como se não bastasse a existência desses velhos políticos de carreira e seus herdeiros, os novos políticos resolveram eleger suas esposas para mandatos eletivos, criando uma nova casta ou nova forma de manter a hegemonia familiar e, dessa vez, absoluta: agora com mães, filhos e maridos no poder. Como existiam poucos grupos ou quadros de resistência política e estes já chegaram ao poder sem quase ou nenhuma mudança estrutural, o Piauí deslumbra um destino negro em sua existência política e administrativa. Onde parece não vislumbrar-se mais nenhuma esperança de mudança nesse panorama por que todos os cartuchos parecem terem sido gastos, e a perspectiva é a volta de velhas castas ao poder.


Como não sabemos de onde viemos e, muito menos, quem somos fica difícil saber qual o futuro que queremos. O que restam são interrogações e perguntas, que muitas vezes, ficamos com raiva de quem faz por que não temos coragem de fazer e, muito menos, de responder. Então, tome índices alarmantes, como menor renda per capta; maior índice de analfabetos; maior taxa de mortalidade infantil; maior taxa de filhos sem pai, e por aí vai.


Torquato Neto, o nosso genial poeta e compositor , é o autor do titulo desse artigo, quando ele falou em Marginalia II: Aqui é o fim do mundo ou lá. Como ele poderia ter dito: Aqui é o purgatório ou lá. Aqui é o inferno ou lá. Aqui é o cú do mundo ou lá. Não sei responder, alguém saberia?