segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A FUMAÇA DO CIGARRO - FINAL


           Fitou um bom tempo o retrato, olho no olho. Tornou a olhar as horas. Marcos parecia não vir.
        A ansiedade era imprópria do seu ser. No entanto, aquele era o seu primeiro teste individual, ditado pela outra dimensão. A dimensão das trevas.Procurava, portanto, tranquilidade em cada gesto dado. Mas o tempo passava e Marcos não vinha. Claro, que o tempo poderia ser recuperado, só os bobos não sabem disso. No entanto, ele queria dar uma demonstração de poder. Marcos tinha de ser conquistado de livre e espontânea vontade, somente assim ele não ficaria responsável pelo seus atos. Queria o amigo do seu lado como um cão fiel, e assim demonstraria para todos o seu poder de sedução. Virou repentinamente para o outro lado da cama. Seus olhos foram diretos no pequeno resto do cigarro no chão. Sobressaltou-se pela visão caótica que vislumbrou. O amigo Marcos envolvido na fumaça em espiral  se perdendo no infinito do mundo sombrio.debatia-se aos gritos, a mente  em recusa, o corpo ardente, consumindo-o. 
        . Levantou-se. Correu para a porta e encontrou a empregada, cheia de aflição.  
        - O telefone...
           Pegou de vez o aparelho. A voz do outro lado desesperada:
        - Uma desgraça, venha imediatamente! Por favor...
          Saiu quase correndo. As visões, a fumaça. Tinha que chegar a tempo.
          A casa do amigo estava em silencio. Foi recebido pela mãe que tinha o olhar cheio de dor.
        - Ele mandou chamar você. Não quer falar com mais ninguém...
        - Eu sei...
          O quarto era simples como o dele próprio. A cama de solteiro. A imagem esculpida em argila da figura diabólica colocada em um canto fazia a composição com posters gigantes de figuras importantes da humanidade. Marcos tinha o olhar perdido num ponto qualquer. Ajoelhou-se a seu lado e segurou sua mão. Pediu a mãe do rapaz que saisse do quarto. A fumaça do cigarro ainda era visivel no ambiente. De olhos nos olhos, sentiu  a serenidade do amigo como nunca sentira antes. ficou em silencio a observá-lo.
         O negócio é atravessar a primeira fronteira. É muito dificil e poucos conseguem por conta própria. Sentiu que não precisaria guiar mais o amigo, de agora em diante seguiriam a  mesma jornada , numa união ainda maior em busca do bem. Venceriam as trevas.
           O amigo tinha vencido a primeira prova, e ele  tinha demonstrado todo o  poder de sua mente. O mundo estava a seus pés. Sabia da luta intensa que teria que travar, mas afinal tinha conquistado mais um para o reino das trevas. O combate tinha que ser naquele mundo do mal.

sábado, 24 de novembro de 2018

A FUMAÇA DO CIGARRO - 2


        O pequeno relógio que lhe apertava o pulso o fez tirar os olhos do teto e olhar as horas. Já podia sentir o contato do mundo externo através de zoadas de motores e vozes penetrando de fora do quarto. Ainda tinha tempo. Voltou a mesma contemplação.
        Pensava em Marcos. Sua relutância em fazer parte desse misterioso e agradável mundo. Não tinha problema. A questão de como se encara determinadas coisas e os descobrimentos dos porquês de não aceitá-las, não leva ninguém a morte. No máximo se perde um pouco do ritmo de vida.Não fazer o que se quer pouco se tira a ideia do que se quer fazer. A ideia continua e a vida também, simples. Ele continuaria a esperar pela decisão do amigo. Não constitui mérito algum de ninguém forçar o outro a tomar decisões, muito menos de repudiá-las. O importante era o convencimento, a persuação, injetar-lhe animo, acompanhar, para que decidisse a deixar de lado as fraquezas humanas. O tempo mostraria a razão. A descoberta de cada face da vida, a profundeza das coisas e seus significados.
         Ele próprio tinha chegado ao final do que queria. O indivisivel. Apalpando com vigor o prazer de direcionar o seu ser mais escuro. Era só penetrar aquela fumaça, misturar-se com ela no ar e ver cada integrante de seu ser. Uma imensidão de mundos rotativos.
        Tornou a olhar para o relógio. Agora, para a porta. Marcos tinha que, pelo menos, lhe dar um retorno qualquer que fosse. Não cabia, porém, nenhuma ansiosidade.
         Os olhos deram um passeio lentamente pelo ambiente. Um arrepio percorreu o corpo No meio daqueles cartazes gigantes um retrato estava isolado por mero acaso num canto do quarto. Não tentou desviar a visão, mas encará-lo profundamente, e deixar-se perder nos labirintos que ele oferecia. A fumaça estava presente, densa, de chumbo, envolvente e hipnotica, como um raio a cortar laminas de água. O calafrio, os olhos estáticos, mas firmes e corajosos, procurando não fugir daquela figura. Já tinha vencido todos os estágios e estava ali, inteiro. Portanto, era capaz de vencer o último degrau. Assim teria seus discipulos, suas legiões, e poderia por em prática suas doutrinas, livremente, sem hipocrisias,  e sem bajulações pelas caricaturas humanas.
      

sábado, 3 de novembro de 2018

A FUMAÇA DO CIGARRO - 1



         Girava em aspiral pelo quarto cheio de posters dos seus ídolos, do mundo artístico e literário, sendo acompanhada e admirada pelo ar com perplexidade e extase.  Quando expelida era densa, cor de chumbo, só então ia mudando de tonalidade: um azul claro, um branco prata, até clarear de vez e sumir. 
        Não perdia um movimento de sua delicada trajetória, nem dos fios que se desgarravam do seu  núcleo, o olhar procurando cada fim, a mente fixa no que fazia. A cada tragada um prazer diferente, um gosto profundo pelas coisas ocultas da vida, uma vontade de levitar, ficar invisivel, misturar-se com o ar. Mas o cuidado com o cigarro, que diminuia cada vez mais, o fazia voltar para a realidade.
        Não podia perder um milimetro do que restava, e todo seu ser tinha que participar integralmente, entregar-se sem relutância, para poder deixar-se levar e usufruir de todas as essenciais que lhe beneficiariam naquela longa jornada. Sabia memorizado todos os truques daquele ritual, todas as etapas a vencer e todas as dificuldades que os iniciantes, como ele, encontrariam pelo caminho. No entanto, aquele era o primeiro passo, daí viriam os outros como reticências, não podendo haver quebras, pois não haveria chance alguma de retorno ao inicio. Era uma regra básica. Tinha que seguir fielmente o desenrolar dos fatos.
      Quando terminado o cigarro, sabia. Uma incrível sensação tomaria conta do espirito, fazendo- o navegar em turbilhão por lugares nunca dantes navegados pela memória. O quarto e a fumaça, e seus artistas preferidos, e ele olhando o teto fixamente, deitado em sua cama de solteiro. Os retratos que eram mitos nas paredes, grandes astros do cinema, da música, das letras e de personalidades da politica, da igreja e dos negócios, superpostos, como  uma advertência do perigo que corriam todas as especies que habitam o mundo. Dava um tempo para curtir o odor da fumaça sendo consumida pelo ambiente. Já estava quase na hora de sentir o que vira durante o viagem. Severas criticas ao sistema vigente nos comportamentos humanos, e que se não reparados urgentemente,  poderiam acarretar a derrocada final de tudo que estava posto com grande velocidade. A viagem sempre fazia desaparecer a sensação de impotência que deixava os corpos em torpor diante dos absurdos que se apresentavam, fazendo-os fortes, vigorosos,seres fantásticos. Era isso que ele queria compartilhar com o maior número de pessoas.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Mestre Maleiro, O Deus do Brincadeira


          O Bumba- Meu-Boi  é um dos mais autênticos folguedos populares do Piauí, e uma das mais importantes manifestações da cultura popular de nosso povo. Bumba-Meu-Boi ou Boi de Reis, o Bumba-Meu Boi do Piauí surgiu no inicio da colonização do Estado, quando das primeiras doações de terras. Auto de imenso teor dramático e lúdico, verdadeira magia teatral, é ligado ás festas de São João e de São Pedro, tradicionais santos da igreja, mas também de outras festividades, como o natal ou dia de Santos Reis. O Bumba-Meu-Boi atravessou o tempo na memória de nossa gente mais humilde.
            Seda, chitão, chapéus, fitas, espelhos miçangas, canutilhos, zabumbas, onças, maracás, apitos, chocalhos, pandeirões, matracas, fazem o ritmo da dança para índios, caboclos, vaqueiros, curandeiros, amo, Chico e Catirina, e para tantas outras figuras, em um terreiro enfeitado de mourão e bandeirolas. É a dança do Boi, dramas e imagens impressionantes do que há de mais forte no imaginário do homem simples: as misérias que o acompanham e uma vontade férrea de viver.
           A morte do boi é um ritual divino, cerimonial encantador. É desse encanto e dessa magia que surge um homem simples, com toda sua força, para reinar absoluto na dança do Boi - Antonio Gomes dos Santos, o mestre Maleiro. Seu Boi é o Grupo de Bumba - Meu - Boi Riso da Mocidade, nascido no bairro Matadouro, no Piauí, ainda na década de trinta, pelas mãos de outro mestre, o mestre Passarinho. "Lá vem o Boi da rua Grande/Lá vem o boi!/E cheguei toda a vaqueirama/Lá vem o boi!" 
          O Boi Riso da Mocidade mudou-se para a cidade de Timon, onde mestre Maleiro e sua linda família, filhos e netos, mantêm o Grupo perpetuando para as novas gerações o espirito da brincadeira. Mas o Riso da Mocidade não é só um grande, é uma nação de amantes do Bumba - Meu - Boi, um ponto de cultura e uma escolinha, Raio de Luz, onde crianças aprendem a amar e praticar a sua cultura.
           A pessoa de mestre Maleiro, na condução do Grupo de Bumba - Meu - Boi Riso da Mocidade, é força, determinação, talento, alma guerreira, um Deus do terreiro, do ritmo, do canto e da alegria!  Seu amor pelo que faz é tão grande como grande é o desejo de todos nós, que seu legado não se perca nunca. 

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

VERDURINHA


            Corria os anos oitenta. Verdurinha era um inferninho escondido por uma única porta de entrada, dessas sazasaki, localizado no bairro vermelha, em Teresina. Era entrar e sair pela mesma porta. Só ia lá quem sabia. Propaganda só de boca em boca. Um lugar fedorento, mistura de bafo de cachaça com cigarros baratos. Quando se entrava no salão, e era apenas um grande salão, uma fumaça cobria sua vista que era preciso tempo para visualizar as coisas.
              O ambiente era cheio de prostitutas, mulheres de todo tipo, pareciam ter saído do filme O Vingador do Futuro, se misturavam aos bêbados, drogados, rufiões e bandidos de toda espécie. Eu e meu amigo gostávamos de ficar no pé do balcão, de olho em tudo. A primeira coisa era pedir um litro de vodka, dessas que sabíamos ser cortada, ou seja, falsificadas. Mas fazer o que? A música era uma mistura de sucessos bregas e lá vai Waldick, Evaldo Braga, Fernando Mendes, com a sujeira americana própria das boites da época. Ninguém reclamava, aplaudia. 
            A bebida rolava solta, mas o grande charme era o cigarro no bolso.Ali dentro daquele inferno, um luxo.  Portanto, era para fumar e dar. Para as putas, claro. Ainda que fosse para elas darem para seus homens, ou cafetões. Nisso eu era craque, pois não fumava. Mas a Hollywood estava sempre no bolso, e cheia. Quando não, a charmosa carteira de Carlton. 
             Passávamos pouco tempo sozinhos, pois as mulheres logo encostavam, a pedir alguma coisa. Ou mesmo para se entregar. Ali no Verdurinha você escolhia a carne que quisesse, a preço de banana, ou simplesmente a preço da bebida. Tinha apenas que saber escolher, por que senão corria perigo, e a próxima parada podia muito bem ser a boca de pau, a temida delegacia do bairro Piçarra, onde a taca comia solto no couro dos presos.
            Naquele dia eu não estava a procura dela. Uma lourinha que tinha encontrado ali mesmo no Verdurinha, cheia de alegria e palavras, e de cheiro no corpo, e de dentes perfeitos e cabelos fartos.  Um espanto naquele lugar. Tinha ficado várias vezes com ela, mas agora quem sabe, não encontraria outra? A música e a bebida rolaram na noite. E meus olhos embaçados, e a conversa com o amigo descambavam para outros rumos. A política daqueles tempos, jogando o país para um lado e para o outro. Mas até ali essa conversa?
           Foi quando ela chegou ao pé do balcão e se jogou em meus braços. Estava bebinha, e o cheiro de seu corpo exalava o puro prazer da fêmea, limpo, inebriante. Fazia tempos que eu não a via. Mas parecia coisa de ontem. Aquela moça era um feitiço,como feitiço era o Verdurinha, um inferninho que deixou de existir, para o desespero de toda espécie de homens. Inclusive o meu. 
               

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

BASTIDORES DA CENA TEATRAL PIAUIENSE - FIM


             Corria o ano de 1979, ano de grandes produções do teatro piauiense, quando estava em cartaz a peça "O Chico e a Seca", de Wilson Gomes, montada pelo Grupo de Teatro Nazaré - Grutena. Wilson é um querido amigo do teatro. Como eu gostava de acompanhar alguns espetáculos anotei esse causo de bastidores.
            A peça se apresentava no Centro Social Leão XIII, na Vila Operária. No elenco, além de Wilson, faziam parte Rainha da Floresta e o violeiro Pedro Costa. Para ajudar o grupo fiquei, naquela apresentação, fazendo a bilheteria. Só que antes de ir vender os ingressos, achei por bem vestir uma camisa de mangas que estava no camarim, com largos bolsos, para botar o dinheiro. Lá para tantas, quando sai da bilheteria e estava assistindo o espetáculo, notei uma demora na cena, Rainha da Floresta, que fazia o papel de mãe e avó de um personagem não entrava em cena. E haja enrolação. Corri nos bastidores ver o que estava acontecendo. Quando a Rainha me viu entrar com a camisa, meteu a mão em um dos bolsos e tirou seu aparelho de dentes.Lavou e meteu na boca. Ela  simplesmente fazia o papel de mãe com dentes e de avó sem dentes. Achei fantástico!
             De outra feita, e essa aconteceu no grupo Raízes coordenado por mim, apresentávamos o espetáculo Chiquinha, uma peça infantil de minha autoria, com um elenco fantástico, desde Lili Martins, Adalmir Miranda, Nádia Rodrigues, Kleber Fé e outros. Tinha uma cena em que a personagem de Nádia Rodrigues ficava amarrada de mentirinha numa cerca cenográfica. Só que o ator que contracenava com ela amarrou de verdade suas mãos na cerquinha. Claro que ela não notou. Na hora da fuga, ela não conseguiu desatar o nó, ficou aquele sufoco. O ator sorria nos bastidores. Apenas eu notei a brincadeira, que não deixava de ser uma pequena maldade. Nádia, depois de forçar bastante, e não conseguir se desatar, derrubou a cerquinha cenográfica e fugiu, como fazia na cena. a criançada adorou. Depois foi desfeito o mal entendido. Coisas do teatro.
             Por último, e ai vou omitir o nome do ator, aconteceu em pleno Theatro 4 de Setembro. Apresentávamos a peça Auto do Corisco, de minha autoria, pelo Grupo Raízes. Casa com bastante gente. O ator tinha brigado com o Grupo, mas iria fazer sua última apresentação da peça. Na cena final em que atuava, terminada a cena, ele não saiu pela coxias, mas pela platéia. E foi embora com o figurino que usava. Hilário! Hoje é um querido amigo, de sempre. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

BASTIDORES DA CENA TEATRAL PIAUIENSE II


            Continuando com as cenas de bastidores do nosso teatro, presenciadas e vividas por nós, passamos a contar mais algumas dessas perólas.
            No ano de 1981, no II Congresso Brasileiro de Teatro Amador - CBTA, promovido pela Confederação Brasileira de Teatro Amador, a Confenata, realizado no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo,  fervilhavam as discussões políticas, tanto do movimento amador como da política brasileira. A delegação piauense tinha se preparado muito para este Congresso, tendo em vista que as propostas da Confenata para o movimento foram bastante discutidas. Uma das propostas do Piauí era a de dividir o país em Regionais da Confenata, para uma melhor Coordenação das ações do orgão no Brasil. A proposta era fantástica e seria apresentada pela delegação. Um dos mentores principais dessa proposta fora José da Providência, diretor e cenografo teatral, já falecido.
             No Congresso em São Paulo, as discussões varavam a noite. O Piauí, muito timido, não apresentou sua principal proposta em plenário, mas a delegação conversava muito nos bastidores. Quando menos se esperava, a delegação de São Paulo apresentou a divisão da Confenata em Regionais e foi aprovada com louvor. O Piauí não foi citado na proposta, mas seguramente era nossa. Quando nós fomos  para os bares naquela noite, pois ninguém era de ferro, um dos delegados de São Paulo se aproximou de mim e do Providência, e se vangloriou de ter criado a proposta defendida em plenário. Perguntou ao Providencia o que ele tinha achado. Providencia passou uma imensa descompostura no cidadão, dizendo que ele era um cafajeste, embusteiro, e ladrão de ideia. Acabou o papo na hora, e o cara saiu de rabo entre as pernas.
               Lá para os anos de 1985, eu era presidente da Federação Piauiense de Teatro Amador, e andava muito pelo interior do Piauí assistindo a eventos ou peças de teatro. Essa aconteceu em Monsenhor Gil, num desses eventos da cidade. Acompanhava um grupo de teatro. O pessoal do grupo bebia pra caramba, obviamente que eu acompanhava com imenso prazer. A peça a ser apresentada pelo grupo era um espetáculo infantil. Claro que vou omitir o nome das pessoas envolvidas, meus queridos amigos. Lá para as tantas, já na montagem do cenário, alguns ainda bebados, brigaram feio. No elenco tinha um ator que usava muletas, por sinal de grande talento. Ele tinha se trepado em uma escada para colocar uma empanada de fundo no cenário. Sua bengala ficou ao lado da escada. Foi ai que seu desafeto tirou as bengalas do lado da escada, e o ator ficou em cima da escada sem poder sair para lugar nenhum. Foi um deus nos acuda. O ator brincalhão fazia lorotas com o amigo na escada. Tinha escondido as bengalas. Depois de muitos pedidos, trabalhos em atraso, e ameaça de todos os lados, até eu entrei na discussão, as bengalas apareceram. E o ator pode deixar a escada e se arrumar para o espetáculo. Depois, nas conversas, o riso corria solto. Todos em paz, para o bem do teatro.

terça-feira, 17 de julho de 2018

BASTIDORES DA CENA TEATRAL PIAUIENSE - I


          A história do teatro piauiense é riquíssima de fatos e acontecimentos de bastidores, muitos deles de conhecimento geral da classe teatral. Para nós, que vivemos tanto tempo nos bastidores, aliás nossa função de diretor e produtor nos dar essa condição, vivemos inúmeros desses acontecimentos. Muitos deles alegres, outros tristes, mas quase sempre hilários. Vamos relatar alguns desses fatos para o deleite de nossos leitores.
            Sobre a produção de teatro, quase sempre atribulada e cheia de percalços. Aconteceu com o diretor de teatro Santana e Silva, um dos grandes nomes da nossa cena. Ele estava em cartaz com a peça "Eu Chove, Tu Choves, Ele Chove", no Theatro 4 de Setembro, no início dos anos oitenta. Na peça existia, como elemento cenográfico, grandes guarda-chuvas, referentes ao próprio tema do espetáculo. Acontece que na hora de começar a peça, onde estava os guarda chuvas? A produção tinha esquecido em casa e não dava mais tempo de ir buscar. Solução: Santana foi ao bar do Toinho, ao lado do Theatro, e solicitou ao mesmo quatro imensos guarda sol da Brahma, aqueles que formavam toldos, e fez a peça exibindo a propaganda da cerveja no palco. Não custa dizer que a peça era dirigida ao público infantil. Acontece que naquela época a cervejaria Antártica tinha sido implantada no Piauí, e patrocinava a cultura do Estado. Pois o dito cujo gerente da cerveja estava na plateia com seus filhos. Quando terminou a peça o sujeito procurou Santana e Silva, e foi taxativo - Você tem que tirar a brahma daí, nós vamos patrocinar a peça. Santana não entendeu nada, mas fechou o negócio. 
            Mas essa aconteceu em Vila Velha, Espírito Santo, no III Congresso Nacional de Teatro Amador, no ano de 1985. Naqueles anos o teatro era politizado ao extrema, e os grupos políticos partidários se digladiavam pelo poder da Confederação Nacional de Teatro Amador, orgão que comandava os destino do teatro de grupos nacional. No Congresso haveria eleição para a Confenata, então, quase nada de teatro era discutido, no entanto, a política comia solta com discussões varando a noite. No dia da eleição não chegou-se a um consenso sobre chapa única. Foi um deus nos acuda. O presidente do Congresso, na hora da eleição, deu dez minutos para apresentação de chapas. A surpresa foi a apresentação de uma chapa encabeçada por Antonio de Paula Silva, o Beleza, um ator e palhaço piauiense. Surpresa total, até para a delegação do nosso Estado. Corremos todos perguntar ao Beleza que história era aquela, mas ele não abriu mão e disse que iria apresentar sua chapa. Quando chamado a mesa para inscrever a tal de chapa, ele puxou a dentadura da boca e mostrou para a plateia. Foi um urro geral no auditório. Piauí criticado por tal feito. Segundo Beleza era seu protesto pela politização do movimento em detrimento da discussão teatral. Justo então.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

O CAIXÃO ERA MENOR


            Jacó Pereira, o Jacozinho, era um senhor  seguro e previdente. Morava no Pajeú. De um coração grande, era cheio de bondade, e amado por todos os moradores de sua comunidade, que o conheciam como o bondoso Jacó. Um certo dia, quando foi mordido por uma cobra canina teve certeza que ia morrer, mas escapou da morte pelos inúmeros remédios do mato que só ele sabia a receita, e pela ajuda das rezas de seus amigos e familiares.
            Desde aquele dia fatidígo da mordida da cobra que seu Jacó resolveu providenciar duas coisas que, segundo ele, era para não dar trabalho aos seus quando a morte realmente resolvesse levá-lo. Seu Jacó comprou metros de panos da mais pura seda, e para isso não economizou dinheiro, e mandou fazer sua mortalha, depois comprou metros de tábua de cedro para fazer seu caixão. Tanto dona Joaquina, sua comadre, que fez a mortalha com todo o esmero, como Antonio Jacó, seu sobrinho, que fabricou o caixão, com toda dedicação, ficaram com uma certa desconfiança que seu Jacó tinha ficado mole dos miolos.
            A mortalha feita por dona Joaquina ficara uma beleza quando seu Jacó a experimentou. O problema deu-se com a feitura do caixão, pois segundo seu sobrinho não houve encontro de horários entre os dois,  então, a peça fora feita por contar própria, sem medidas, no olho, como se falava pelas bandas do Pajeú. Foi ai que a coisa pegou: o caixão ficou menor do que o defunto, aliás do que seu Jacó. Mesmo assim não houve brigas. Antonio Jacó se comprometeu a fazer outro caixão, agora com as medidas do dono, mas que seu tio aguardasse e que deixasse de besteira com esses presságios de morte. Seu Jacó, dizendo que o seguro morreu de velho, não devolveu o caixão que  não lhe servia. Guardou para si.
           Pajeú era um lugarejo tranquilo onde só se ouvia os cantos dos pássaros, e onde o vento servia apenas para derrubar mangas maduras nos grandes mangueirais dos quintais das casas. Mas o povo do lugar gostava muito de corridas de cavalos. Para isso existia um prado improvisado numa estrada carroçal de terras batidas. No dia de corrida era uma algazarra só. Pois foi em um final de semana, dia de prado, que o filho de seu Zequinha Abreu levou um tombo do cavalo Lambedor, se estatalou no chão e morreu com o pescoço quebrado. Foi uma grande aflição em Pajeú! Antonio Jacó, o marceneiro, tinha viajado para a cidade, ficando o defunto sem ninguém que fizesse o caixão. Foi, então, que entrou a bondade de seu Jacó, que ofereceu seu caixão á família do morto. Só que o morto era maior, mas fazer o que? Tacaram o morto no caixão, que ficou com os pés de fora, aqueles pés brancos da cor de gelo, com os dedos duros, e pra cima .
           Dona Agustinha, a mãe do morto, que ainda não tinha visto tamanha asneira, ao entrar na sala da sentinela tomou um susto, e gritou que daquele jeito seu filho jamais seria enterrado. No bafafá que houve na sala, alguém se enganchou nos pés  do defunto e o caixão com o morto foi ao chão que estrondou tudo. Parecia um aviso final. Com muita conversa, e calma, todos chegaram a conclusão de que realmente o defunto não deveria ser enterrado com os pés de fora. Seu Jacó mais uma vez tentou dar um jeito na situação. Pegou sua bota de vaqueiro, feita de couro cru e usada quando ele era jovem, e enterrou a força nos pés do defunto. Ficou uma coisa inusitada, mas enfim era melhor do que ver os pés do morto saindo do caixão. Só que outro problema surgiu em plena sentinela, era a fedentina que começou a exalar das botas de couro cru de seu Jacó. Dona Agustinha e seu Zequinha não aguentaram ficar perto do filho, e o povo, só de mal, começou a dizer que aquela fedentina era do morto, um rapaz travesso e cheio de pecados, que não perdia a oportunidade de andar atrás das éguas.O próprio animal. Portanto, um castigo de Deus.
          No enterro do rapaz, feito antes da hora marcada, seu Jacó não deixou de lamentar a perda do caixão, e ainda por cima, a perda das botas, guardadas para serem calçadas por ele quando a morte chegasse.
              

sábado, 26 de maio de 2018

NA POEIRA DO MITO - FIM


          Quando Brás do Pedro saiu do carro encaminhou rapidamente Waldick Soriano para o camarim do Clube,ou coisa parecida com camarim. 
       - Tenho que tomar algumas providências, Waldick.
       - Fique a vontade, meu chapa - Disse o cantor.
         Brás do Pedro saiu,sem antes colocar vigilância na porta, e determinar que nem Deus entrasse ali. No Clube já havia uma grande animosidade pelo atraso do cantor, coisa que gerava nos incrédulos comentários maldosos, principalmente de pessoas vindo da cidade de Pedro II. Ora, onde já se viu um cantor como Waldick Soriano se meter num buraco daqueles?
         O produtor, para tranquilizar a todos, fez o grupo pé de serra de seu Armando Cachoeira parar o forró e anunciou para o alivio de todos.
        - Ele está qui gente!  Waldick Soriano já se encontrava no Abacateiro!
        Foi um zum zum geral no ambiente. As moças se agitaram e os rapazes assobiaram dando vivas, para o descontentamento dos que apostavam ao contrário.
         Tina Rodrigues, percebendo a ausência de seu noivo, foi ao camarim onde estava Waldick Soriano. Não teve diabo que ímpatasse a moça de entrar por aquela porta. Ela não só entrou como ainda deu ordens para que ninguém mais o fizesse. 
          Waldick Soriano estava trocando de roupa e, naquele momento, enxugava o rosto com uma toalha. A moça não contou conversa. Puxou a toalha das mãos do cantor e se jogou em seus braços como uma criança carente. Depois enroscou-se em sua cintura. O cantor, como um gigante bravo, colocou  Tina na cintura e levantou seu vestido de seda, sem antes beijar-lhe a boca com sofreguidão e arrancar suas calcinhas com violência. Em pouco tempo o homem amado pelas multidões tinha se colocado entre as pernas de Tina, penetrando-lhe seguidas vezes, de forma ardente como tantas vezes já se fizera com tantas outras. Tina continha o grito, numa mistura de riso e gozo. O tempo foi curto,mas de intensa ação. 
            Ao término,disse o cantor:
         - Sentir que você era virgem. Agora se limpe, viu moça. E vá dançar.
           Tina ficou se limpando no local. Waldick Soriano foi levado ao palco e, ao ser anunciado por Brás do Pedro, foi aplaudido entusiasticamente pelo público presente. Naquela noite ele faria um dos melhores shows da sua vida. Quanto a Tina Rodrigues estava ao lado do noivo Miguel Aguiar, de mãos dados, olhando para seu ídolo e imaginando de como poderia ir atrás dele, nem que para isso tivesse que atravessar o país. 
               
         

quarta-feira, 9 de maio de 2018

NA POEIRA DO MITO - TRÊS


        Miguelzinho Aguiar depois de ouvi o drama do amigo, não se fez de rogado:
      - Deixe comigo, Brás do Pedro! Despacho quem ia levar e levo o homem, será uma grande honra!
        Depois de apresentar Miguelzinho a Waldick, o cantor foi aboletado no assento da frente da Caminhoneta Rural Willys. 
      - Vou despachar o pessoal ali, e a gente ruma pra Roça dos Pereira, 'tá certo.
         Em pouco tempo Miguelzinho voltou trazendo a namorada Tina de lado. O noivado de Miguel Aguiar com Tina Rodrigues unia duas das mais ricas e tradicionais famílias das redondezas da Roça dos Pereira, os Aguiar e os Rodrigues. O noivado dos dois eram festejado por todos. 
        Quando Tina entrou na Caminhoneta e soube que o ilustre passageiro da frente era o cantor Waldick Soriano quase dar um troço. A moça tinha sido uma das dezenas de tantas outras que tinham se preparado noites e dias para aquela festa. Agora  pensar que estaria junto ao cantor tão rápido daquele jeito seria sonhar demais. Ainda que Tina tivesse traçado na cabeça todo um roteiro para ficar um instante que fosse sozinha com Waldick Soriano. Um homem que ela amava acima de tudo.
      - Meu Deus, eu não acredito! É Waldick Soriano?! - Disparou a moça, o coração em chamas.
        Ao ouvir a exaltação da moça o cantor, já embriagado de Vodka, sentiu aquela velha chama tantas vezes experimentada por ele em tantos lugares que já passara, e a certeza que ela seria sua naquela noite.
        Aquela pequena viagem acabou com a paz e ao sossego de Miguelzinho Aguiar, que via a noiva escapar de suas mãos como sabonete molhado. Tina sabia tudo sobre o cantor, não só o que diziam mas o que inventavam da sua vida, e falava disse com a maior emoção.
      - Tenho tudo, Waldik, tudo sobre sua vida! Num é Miguel?
      - É Tina - Respondia o noivo com um aperto no coração.
        Não precisava sentir que o mal estar gerado por aquele encontro de Tina com seu ídolo poderia explodir mais adiante. Brás do Pedro não sabia o que fazer para desviar a atenção da amiga Tina e tirá-la daquela tagarelice com Waldick Soriano, que por precalção mantinha-se calado, mas já sentia o cheiro da fêmea exalar em sua narinas como a espernear debaixo dele.
      - E Chiquinho Aguiar, meu amigo Miguel? Perguntou Brás tentando mudar de assunto.
      - Vem pra festa, sim. Trabalhou na Rádio como um danado.
      - Eu sei.
        Quando a  Caminhoneta se aproximava do Clube Abacateiro, local da festa,  as veredas e os caminhos que levavam ao local pareciam formigueiros humanos. Era gente que saia não se sabe de onde. Uma coisa de espantar. Brás do Pedro pediu a todos que estavam no carro que fossem discretos, e que não falassem da chegada de Waldick. Miguel Aguiar entrou pelos fundos do Clube, como de costume, e estacionou o carro.  

segunda-feira, 23 de abril de 2018

NA POEIRA DO MITO - DOIS


           Brás do Pedro mal fechou a boca Waldick meteu os sapatos no lamaçal, atolando-se todo. Ele também desceu meio atordoado e fincou os sapatos na lama. O motorista do Toyota e seu ajudante ficaram calados sem saber o que dizer.
           - Podem continuar, não se incomodem comigo. Já empurrei muito carro por esse país, até em porta de puteiro- Disse Waldick - Se precisarem de mim estou aqui.
           O local do atoleiro era em céu aberto o que ajudava a visão do ambiente e, ao mesmo tempo, a imperícia do motorista. Vendo que a situação não era fácil, Waldick deixou a garrafa de Vodka de lado e meteu a mão na massa, ajudando os dois homens. Começaram a colocar galhos e paus na frente dos pneus do carro, e agora o litro de Vodka passava de mão em mão.
           O show do cantor Waldick Soriano estava marcado há mais de três meses, e ia acontecer no Clube do Abacateiro, o maior clube campestre da Roça dos Pereira, distante da capital do Estado cerca de duzentos quilômetros. Parecia que todos os habitantes dos lugarejos vizinhos tinham rumado em polvorosa para a Roça, sem contar o enorme contigente da cidade de Pedro II, ainda incrédulos de tamanho feito. Pareciam não acreditar que Waldick pudesse fazer show em tão insignificante lugarejo. A única rádio da cidade tinha passado os últimos dois meses fazendo programação especial sobre a vida do cantor: eram concursos, gincanas e perguntas que premiavam os ouvintes e fãs. Não é preciso dizer que foi um verdadeiro inferno de gente aos borbotões invadindo a estação atrás de participar das promoções. Sem contar que o Clube Abacateiro, nome só de fachada, por que na realidade acobertava mesmo era um cabaré de terceira categoria, tinha recebido pintura nova e luzes coloridas. Portanto, tudo estava a mil para receber o grande cantor.
         Brás do Pedro, o promotor do evento, quando saiu da capital com o cantor a bordo do Jeep tinha ligado para o radialista Chiquinho Aguiar assegurando que Waldick Soriano estava chegando á Roça dos Pereira, e que a festa seria de arromba. 
         Mas agora ali atolado an estrada, metido num lamaçal desgraçado até as canelas, não sabia o que ia acontecer.
         - Vamos lá pessoal! Caralho, já estamos atrasados para a festa, pombas! Gritava ele aos berros.
         - Isso aqui num vai ter jeito bicho - Disse Waldick  calmamente sorvendo outro gole de Vodka e olhando para as estrelas.
           Decidido a chegar de qualquer jeito na Roça dos Pereira, Brás do Pedro propos a Waldick que caminhassem até os Lajedos, que ficava a uns três quilômetros, e de lá com certeza pegariam outra condução cedida por seu amigo de infância, Zé do Pão. O cantor não se fez de rogado e ganhou a carroçal com Brás do Pedro, deixando o motorista e o ajudante na estrada, sujos como dois porcos na lama.
          Brás do Pedro ainda esbravejou:
        - Caramba, eu espero que vocês desatolem este carro até amanhã, picas!
          Brás do Pedro levava a maleta de Waldick, que continuava com o litro de Vodka na mão. No caminho não houve lamúria dos dois sobre aquela situação, pelo contrário, falaram de mulheres, noitadas e das andanças do cantor pelo Brasil afora.
          Em pouco tempo deram com a venda de Zé do Pão, que naquele momento estava apinhada de homens, e de algumas moças, bebendo e conversando alto, pois todos se preparavam para chegar até o Clube Abacateiro. Brás do Pedro para poupar o ídolo entrou na quitanda sozinho.
        - De quem é aquela caminhoneta parada ali fora? Perguntou de vez.
        -  É nossa, ora! - Adiantou-se seu amigo Miguelzinho Aguiar.
        - Meu amigo preciso alugar esse carro até o Clube do Abacateiro, com urgência!
        - Pois é pra lá que nós vamos, Brás do Pedro...
          De tão assustado que estava Brás do Pedro não percebeu a gafe que dera, não reconhecendo o amigo Miguelzinho.
       - Meu amigo Miguelzinho me perdoe!
       - Não há de que, homem. Parecia que viu uma alma.
       - E vi mesmo.
         Brás do Pedro puxou o amigo de lado e começou a contar o que estava acontecendo.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

NA POEIRA DO MITO - UM


                   O Jeep Toyota rodopiou no lamaçal feito uma banheira em corrente de água, e terminou afundando os dos pneus traseiros. O motorista ainda tentou várias vezes tirá-lo do atoleiro, mas a situação só piorou. A lama ameaçava os quatro pneus do veículo. 
                   Sem saída, o motorista sentenciou:
                 - Estamos atolados, pessoal.
                - Caralho, isso eu já sei! Disse o cantor Waldick Soriano ilustre passageiro do Jeep, e o maior ídolo da música popular brasileira naquele ano de 1969.
                 O cantor estava sentado no banco traseiro do veiculo, que mais parecia um banco de praça, com um litro de Vodka entre as pernas e, mesmo o dia escurecendo, conservava o chapéu de massa preto na cabeça, sua marca registrada. A seu lado Brás do Pedro, uma mistura de empresário artistico e promotor de eventos por todos os lugarejos ao redor da Roça dos Pereira, um município perto da cidade de Pedro II, que naquele ano tinha descoberto a pedra de opala em suas terras. Um feito que ficaria na história do lugar.
                 - Não se preocupe, Waldick, vamos dar um jeito - Falou Brás do Pedro, descendo do carro e melando os sapatos - Caramba, foi muita barbeiragem. Temos que sair daqui logo, hem! Por que senão como é que fica? Bravejou.
                O motorista e seu companheiro sairam do carro, tiraram os sapatos e arregaçaram as calças. Começaram a ver como desatolar o Jeep, o que certamente a luz clara no meio da amplidão da estrada carroçal, ajudaria. Os dois homens atolaram os pés na lama e começaram a missão de desatolar o Jeep, na certeza de que levavam dentro do veículo o homem que milhões de fãs adoravam país a fora. A prova da fama do artista eram eles próprios, ardorosos fãs e Waldick.
                 Brás do Pedro vendo a labuta dos dois homens, sem resultado, gritou:
              - Puta que pariu! Tem que tirar esse carro daqui. Temos que fazer um show, caramba!
                O motorista e seu ajudante estava atolados na lama tentando descobrir os pneus do Jeep com pedaços de paus. A noite era de um céu límpido, apesar do inverno, com estrelas reluzentes e uma lua clara bonita de se apreciar. Waldick continuava a tomar a sua vodka tranquilamente.
               Acostumado a enfrentar todo tipo de situação, o cantor romântico mais amado do país estava mais uma vez fazendo uma turnê pelo nordeste brasileiro, onde além de fazer shows em cada capital, saia pelas cidades interioranas se apresentando em qualquer biboca. Podia ser em praças públicas, clubes e cabarés famosos. Para o ídolo das multidões nada daquilo o constrangia.
               - Desculpe, Waldick, desculpe ai velho pela situação - Lastimava-se Brás do Pedro.
               - Pode deixar, bicho.  Vamos desatolar o carro, eu espero.
               - Claro, vamos, sim.
    

domingo, 11 de março de 2018

CINE - REX UM PATRIMÔNIO CULTURAL INVISIVEL.

                                    
            A Praça Pedro II é o corredor cultural de Teresina, coração da cidade, imponente e bela. Além desses atributos tem uma relação de carinho e de mística com o imaginário popular teresinense. Pois ali, de frente para ela que pulsa há mais de 120 anos, o Theatro 4 de Setembro, não menos belo e imponente.
          Ao lado do monumental Theatro 4 de Setembro, sempre bem cuidado e iluminado, fica o Cine-Rex, ou ficava o Cine-Rex, pois há mais de 10 anos se encontra fechado, sujo, escuro e decadente, denunciando o pouco descaso com o patrimônio cultural da cidade. O Cine-Rex, outrora tão vibrante e alegre, enfeia a Praça Pedro II.
         Regredindo algumas décadas, vamos saber que o Cine-Rex foi construido por um mestre de obras chamado Júlio, que aplicou o modelo da Art Deco, em voga nos anos 30,  e inaugurado no ano de 1939, com o filme "A Grande Valsa", um orgulho para a sociedade. Seus primeiros proprietários foram os senhores Bartolomeu Vasconcelos e Dr. Area Leão, em 1953, foi arrendado pelo senhor Otacilio Soares, que o comprou no ano de 1968. Este senhor vendeu o Rex para a firma JODISA-Jose Omatti Diversões S/A, da qual eram sócios os senhores David Delphino Cortellazzi, Jorge Azar Chaib, Elicio Pereira Terto, José Omatti, Gervásio Costa e Maria Luiza Tajra Melo.
         O Cine - Rex entrou numa fase áurea e, no ano de 1973, teve sua primeira e única reforma, feita pelo escritório de arquitetura  Maloca Arquitetura e Decoração Ltda, realizado pelo arquiteto Luiz Dutra de Araújo, onde foram reformados o sistema de ar, tirando os velhos ventiladores de teto, no hall de entrada, plateia e fechada, acrescentando ao fundo construção de sanitários e casa de máquina.O filme que reinaugurou o Cine-Rex foi o famoso "Sansão e Dalila". Quando ia começar a sessão, o teto do cinema ficava colorido de azul,verde, vermelho como sinal de inicio da sessão. Uma delicia para o espectador. 
        Com o término da Jodisa os senhores David Cortellazzi e Elicio Terto  ficaram de donos do Cinema, até o ano de 1984, quando o Cine-Rex passou para o Dr. David Cortellazzi e a senhora Theresa Maria Thomas Tajra Cortellazzi. Doutor David fez do cinema um orgulho para a cidade. Ele adorava aquilo ali.
           No ano de 1995, o Cine-Rex, a pedido do próprio Dr. David, foi tombado pelo Patrimônio do estado através do Decreto 9.310., escrito no livro tombo em 25.02.1997. O tombamento deu-se pela importância do Cine-Rex para a cidade, seu valor histórico-arquitetônico, pelo significado na vida das pessoas, sua destinação como centro de arte e presença na paisagem da cidade.
           Mas, como vemos, não basta apenas tombar um patrimônio cultural para que ele tenha vida. Não é apenas um simples reconhecer de valor histórico, é muito mais estabelecer uma troca com a cidade, um servir a sua população, um cuidar de verdade para que o bem tenha vida. 
            Quem não lembra do Cine-Rex de tantos acontecimentos? Os jovens também precisariam usufruir desse bem, e não só os que viveram e viram. Quanto custa revitalizar o Cine-Rex? Já que ninguém pode derrubá-lo, pois é tombado pelo patrimonio, ainda que parcial, é preciso torná-lo um prédio vivo, garantindo o desenvolvimento da cidade. Um centro cultural? Um Cinema? Um espaço multimidia? Tantas são as opções.
             O que não podemos é continuar a olhar a bela Praça Pedro II, o coração da cidade, faltando um pedaço: O Cine-Rex. Um pedaço do coração de todos aqueles que amam a cidade.
          
                         
                          

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

EMPREENDEDORES CULTURAIS E O SIEC


        No último mês de dezembro, ao findar do ano, encontraram-se com o Secretario de Estado da Cultura, Deputado Fabio Novo, onze pequenos produtores culturais, representando quinze projetos aprovados pelo Sistema Estadual de Incentivo a Cultura - SIEC. Quando colocamos pequenos produtores, referimo-nos a média orçamentária dos projetos aprovados, nunca superior a quarenta mil reais.
         A pauta tratada no encontro foi tão somente o SIEC. Todos os empreendedores se colocaram e ouviram as ponderações do Secretario, dentro do respeito e da ética. Na demanda principal, as dificuldades de captação de recursos junto a iniciativa privada. Foi unânime o  desinteresse da maioria das empresas que aplicam na Lei em apoiar os pequenos projetos. A preferência é dada aos grandes projetos com retorno de mídia imediata. Claro, uma opção dessas empresas. A solicitação ao Secretario foi no sentido de que o fizesse intermediação juntos aos investidores e os pequenos produtores, para captação de seus projetos. Fez-se ver, que a concorrência predatória e, as vezes, desleal da maioria dos grandes empreendedores culturais, inclusive, com pagamento de propina, termina contaminando o Sistema, e atingido os pequenos. Neste sentido, os presentes colocaram que os pequenos projetos são de fundamental importância para movimentar a economia criativa do Piauí. Essa demanda foi prontamente atendida pelo Secretario.
        Mas teve outras solicitações, e reclamações. Pediu-se a prorrogação dos certificados de todos os projetos que não conseguiram investimento, principalmente dos projetos permanentes. De pronto, o Secretario afirmou ser impossível, pois todos os certificados perdem a validade no final do ano, com a extinção do número que o identifica no sistema da Secretaria de Fazenda. Isso foi discutido e compreendido pelos produtores.
        Bateu-se na velha tecla de que o SIEC precisa ser mais divulgado entre os investidores, uma divulgação técnica, pois o investidor precisa ter segurança do retorno de seu investimento junto ao governo, e não apenas o retorno de estar aplicando em um projeto cultural.
         Uma das questões mais sérias do SIEC, sem dúvida, ocorre na sua operalização. É impossível o corte de 40,50 e até 60 por cento no orçamento de um projeto, e aprová-lo. Peca o Conselho da Lei e peca o produtor que aceita o corte. De duas uma, ou o Conselho tem medo em reprovar projetos ou o produtor superfaturou o mesmo. No primeiro caso, o Conselho poderia chamar o empreendedor para rediscutir o projeto, está na Lei,, no segundo, se o produtor recebeu com cortes que inviabilize o projeto, tem consequências terríveis para a produção cultural, pois saem produtos mal feitos, mal realizados, e sem visibilidade nenhuma para o mercado. Neste sentido, uma das soluções seria o Conselho se valer de pariceristas, técnicos em projetos, que poderiam auxiliar os Conselheiros. Isso, inclusive, acabaria com outro gargalo do próprio SIEC, que é ter apenas uma pessoa para sistematizar e colocar em pauta do Conselho todos os projetos.
         Foi marcante o diálogo dos produtores com o senhor Secretario, uma demonstração de civilidade, sem o ranço da pura e simples reclamação. O mais importante foi a demonstração de resolução da demanda maior dos produtores, quando todos os projetos ali representados foram devidamente captados, com a anuência firme do Secretario, o que representou 16,65 por cento do percentual orçamentário aprovado pelo SIEC que, seguramente, iam ficar sem captação, com prejuízo imensurável para a cultura do Estado.
           A reunião fez alegrar produtores culturais, e fazer pensar que a união e o diálogo, unido a determinação certamente são apontamentos seguro para todos.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

LUCY VANESS, UMA HISTÓRIA - FINAL

           Quando terminei de tomar o café de Dona Miquilina, diga-se um belo desjejum que me tirou de uma fome canina, estava disposto a resolver a parada com a filha do casal, de uma vez por todas. Ora, bolas, onde já se viu tamanha hipocrisia? A moça, que não era mais moça, querendo se aproveitar de minha pessoa! Ainda mais acobertada pelos pais! E o tal de doutor Ambrósio, qual o papel dele? Putz, vão se a merda!
          - Bem, o negócio é o seguinte. Casar com Lucy eu não caso, não - Disparei.
          - Como é que é, moço? Interrogou Dona Miquilina, incrédula.
          - Vou casar, por que?...
          - O senhor dormiu com a minha filha! Quase grita a mulher.
          - Calma, Miquilina - Disse seu Deodato.
            Mas Dona Miquilina não se acalmou. E me fez acreditar que se eu não cassasse com sua filha não sairia ileso daquele lugar. Ileso, era modo de falar. Não sairia vivo, mesmo. 
         - Mas porque, minha gente?
           Ai me fizeram ver que eu tinha sido o único de coragem a dormir com Lucia Antonia, apesar dela já ter corneado o tal de doutor Ambrósio várias vezes, sempre com rapazes de fora. Bem, isso já tinha me dito o primo Pedro. Mas é daí?
        - Doutor Ambrósio não vai perdoar o senhor ter dormido com a namorada dele. E o desgraçado é mau que só um pica - pau. Se o senhor não casar com minha filha pode se despedir da vida, viu.
          Meu esse seu Ambrósio vai deixar eu casar com a namorada dele, mulher, sei lá?
        - Casar e levar Lucia Antonia daqui. Isso ele aceita - Encerrou Dona Miquilina.
           Meu Deus que loucura. Onde eu tinha metido meu saco. Dona Miquilina tirou a mesa do café e saiu  para a cozinha. Seu Deodato me confidenciou.
       - Moço, Miquilina, é meio avexada. Essa história de casamento...deixa pra lá. O que o senhor tem de fazer mesmo é levar Lucia Antonia daqui pra cidade. Faça de conta que vai casar com ela por lá.
        - Mas o tal de doutor Ambrósio, seu Deodato? É capaz de me matar.
        - Coisa de Miquilina, rapaz. Tudo fachada. Basta levar Lucia Antonia pra cidade e está tudo resolvido. Acredite.
       Fiquei mais calmo. Foi quando entrou Lucia Antonia na sala, mais bonita do que o desabrochar de uma rosa. 
       - Meu pai, bom dia. E tu, Tony?...Pelo visto já foi tudo conversado.
         Ela me abraçou e eu sentir como eu era frágil e tolo diante daquela moça.
      - Já, minha filha, já foi tudo conversado. O rapaz aí...
      - Antonio, meu pai...
      - Antonio Felinto...
      - O rapaz vai lhe levar para a capital.
         Os olhos de Lucia Antonia, a Lucy Vaness brilharam intensamente. E ela mais uma vez se jogou em meus braços.Não tive como não abraçá-la e sentir toda a rigidez e fortaleza daquele corpo.
     -Meu Deus, que bom! Vou me arrumar. Até que enfim vou sair dessa terra, meu pai!
      E foi assim que conheci Lucy Vaness e trouxe ela comigo para a capital. No caminho pude sentir e presenciar sua alegria por ter saído do lugar onde nasceu e viveu até ali. No caminho ela me contou  que trazia com ela o endereço de uma amiga, que há muito tempo, morava na capital.Disse também que não me preocupasse com ela, pois estava preparada para enfrentar a vida na cidade grande. Fora para isso que ela aprendera todas as artimanhas que uma mulher pode usar para adquirir o que quer. 
       Quando chegamos na cidade deixei Lucia Antonia no local que ela pediu. Era lá que morava a amiga dela. Passo muito tempo sem ver Lucy Vaness. Agora uma mulher mais do que dona de si. Dona daquilo que quer.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

LUCY VANESS, UMA HISTÓRIA - III


                O restante da noite com Lúcia Antonia, a Lucy Vaness foi indescritivel! Onde foi que aquela criatura tinha aprendido tudo aquilo em matéria de sexo? Fique simplesmente mudo todo o tempo em que ela explorava meu corpo minuciosamente, as vezes com as mãos, as vezes com os dedos, as vezes com a língua. Devo ter desmaiado de prazer, devo não, desmaiei mesmo. Acordei com o sol alto.
               A primeira pessoa que vi ao sair do quarto de Lucy foi seu pai, supunha eu. Fiquei sem jeito.
               - Bom dia, eu sou o...
               - Já sei quem é o senhor, moço. É amigo de minha filha. Sou o Deodato.
               - Seu Deodato, muito prazer.
               - Pode me chamar de Deo. Tome acento que Miquilina estava só esperando o senhor pra servir o café.
               - Não precisava se incomodar...
                 Antes que eu terminasse a frase adentra na sala dona Miquilina, com uma bandeja cheia de iguarias. 
              - Bom dia, moço - Ela colocou as coisas sobre a mesa - Lúcia Antonia saiu foi cedo, mas recomendou o senhor. Pediu para o senhor esperar ela.
               - Esperar ela?...
               - Pra resolver tudo logo de uma vez, certo.
               - Resolver?...
              Eu devia estar muito assustado. Devia era coisa pouca, estava me tremendo dos pés a cabeça.
               - O moço num quer sentar? Tomar café? Lúcia Antonia saiu com o seu noivo, doutor Ambrósio.
                Devo ter ficado, além de tudo, branco. Ela saiu com o noivo e mandou que eu a esperasse!A vontade foi de sumir dali.
                - Num se assuste, não, viu. Do jeito que as coisas estão, pior num pode ficar - Disse Dona Miquilina segura de si.
                 - Como assim?...
                 - O senhor só escapa dessa casando com minha filha, viu. E ainda, tomando o caminho de onde veio e levando ela também - Completou ela - Mas isso o senhor já deve saber.
                 - Como assim? Mas isso não pode ser!... Eu conheci Lúcia ontem...
             - Minha filha já contou tudo o que aconteceu entre vocês. Portanto, a única saída é o casamento mesmo.
                 Seu Deodato se mantinha calado como um túmulo.
               - Mas o noivo dela, o doutor!...
                 Dona Miquilina continuou:
               - Esse só quer usar Lúcia Antonia. 'Tá com uns cinco anos fazendo dela mulher, desde que tirou sua virgindade.
               - Tirou sua virgindade!... Lúcia Antonia é uma moça...
           - Pura?- Cortou dona Miquilina -  É o que todo mundo sabe, por exigência do doutor Ambrósio. 
                 Seu Deodato tomou a palavra.
               - O certo moço é que todo mundo neste chão já deve saber da sua história e de minha filha.E aqueles que ainda não sabem a própria Lúcia Antonia já deve estar tratando de espalhar. Afinal de contas, foi a primeira coisa que ela disse hoje pra mim e pra Miquilina, que o senhor prometeu casar com ela. 
                Eu prometi casar com Lúcia Antonia? Quando? Aquelas alturas eu já não sabia mais de nada. Precisava colocar juízo na cabeça, acertar os ponteiros direitinho.
            - Tome seu café, moço. Lúcia Antonia deve estar chegando. 
              Olhei para aquele casal e senti que tinha caído numa armadilha. Precisava recuperar as forças, a coragem e o próprio juízo. Sim, eu ia esperar Lúcia Antonia e enfrentar de peito aberto aquela situação.