domingo, 18 de agosto de 2013


                                          TENTANDO  RESISTIR.


          De longe a viu. Cabeça erguida, cabelos longos, soltos ao vento. Procurou na memória suas lembranças. Passava naquela rua todos os dias  e nunca a vira. O pensamento fora rápido, incontrolável: precisava fugir daquela imagem bela. Tudo em vão, uma força irresistível levando as pernas à frente. Depois em seu  peito um grito involuntário que não o deixava recuar. Pelo menos tentaria manter a calma. Mas, os moleques da rua poderiam aparecer jogando em sua cara as piadas que ressuscitavam arraigados complexos.
         Atravessaria a rua rapidamente sem olhar para ela. O coração em galope.
         No entanto, a visão tornou a deslumbrar o espaço inteiro. No sorriso maravilhoso, uma presença radiante, simples, concreta. Tentava, numa luta intima, desviar os olhos. Não conseguia. A beleza era infinita e projetava uma áurea cintilante, uma imensa claridade de prazer. Ajeitou o corpanzil desmantelado tentando vencer a distancia. Arrependeu-se por não ter deixado as esmolas daquela rua para depois. Mas era a única hora de trégua em que os moleques poderiam não aparecer. Agora a imagem mais nítida na retina. e o impacto em todas as suas carnes quando ela o fitou. Não conseguia manter o corpo parado, e agora o suor lavando seu rosto em abundancia. O aleijo na bacia, as pernas bambas, a cabeça sem controle.
        Tarde para recuar. Foi quando sentiu uma necessidade muito grande dos moleques gritando ao seu redor, e das pessoas nas portas sentindo pena dele. Mas a rua estava vazia. Sem jeito, continuou.
         No corpo complexado a mente negativa, cheia de imperfeições como o próprio corpo. Nunca pode galgar degraus na sociedade, sempre rastejando, matando a vida no tempo. Aquele carro desembestado com um maluco no volante, sem corpo infantil de encontro ao muro, os ossos em bagaço debaixo de gesso. Depois vendo inimigos a cada esquina.
         Coisa longe pensar numa relação intima partindo de alguém. Não tinha vontade própria, sempre degenerada por pensamentos fracassados.
         O corpanzil à frente dela, sem domínio:
        - Moça, peço uma esmola.
        No peito um grito implodido. A fuga. No entanto, mais forte era a luz que saia daqueles olhos, poderoso era  imã daquele corpo, que parecia arrastar-lhe por devaneios eróticos.
          - Espere um pouco.
          Não ia tentar nenhum diálogo, mesmo que quisesse não conseguiria. Ele parecia não ter opção nenhuma, pois a dominação dela sobre si era superior a qualquer outra coisa. Permaneceu estático.
           - A esmola.
            Ao estirar a mão para ele os olhos tornaram a iluminá-lo. A tentação da fala.
           - Tenho fome.
            Ela abriu a porta e o fez entrar. Tinha a mais absoluta e clara certeza de que não estava entendendo nada. Continuava a mesma pedra de timidez.
             Desde o acidente fora sempre assim. O medo do contato, ideia fixa de rejeição, deixando-o a margem de tudo.
             A sala. Uma atmosfera envolvente de liberdade, uma força oculta penetrando o ar.
              Chegou com um prato e o chamou para sentar-se a mesa. Ficou a seu lado, fitando-o alegremente. Não sabia como se comportar. Avolumou-se todo numa ultima tentativa de fugir, mas a bacia bamba e as pernas sem controle. Depois aqueles olhos vasculhando sua alma, aquele corpo ardente irradiando desejos, parecendo invadir o seu velho e cansado corpo. Desesperou-se.
            - Não estou com fome, moça!...Foi mentira...
             Ela calmamente estendeu-lhe as mãos.
             O fogo do desejo agora lhe queimando as virilhas. Puxou ele pela mão, deixando-o sem resistência. A grande cama era macia e tinha imensos lençóis coloridos. Ao deitar-se viu seu corpo refletido no imenso espelho na parece.
              Um corpo sadio, musculoso, viril.
 
                    (Publicado no Jornal O Estado, em 22.07.81)