quarta-feira, 30 de setembro de 2020

CARTA AO AMIGO RAL

                                               Publicado no Jornal O Estado, 28.04.1991


                Caro amigo Ral, poeta e articulista cultural do conceituado Jornal O Estado. Acerca do artigo"A Arte Piauiense Agoniza nos Bares", onde eu sou citado como um dos agonizantes, e depois de acompanhar outros escritos  de sua autoria sobre a música e a dança, passo a fazer algumas reflexões, esperando não ser mal interpretado.

                Você se lembra quando iniciou sua página cultural?Quando eu colaborava fazendo contos, criticas e analises teatrais?Quando a gente juntos tomava porres ouvindo aqueles discos de repentistas - "Recordação do Passado", "Brasil Caboclo" fazendo projetos para o futuro? As mesas dos bares eram ótimas, não é Ral? Talvez por causa delas, as mesas dos bares, nós continuamos a resistir e a enfrentar as mazelas e as interpéries do tempo. Você um cavaleiro da Távola Redonda intrincheirado na sua página cultural, única a sobreviver até hoje, eu escrevendo e produzindo teatro há mais de dez anos, como um Golias a enfrentar ataques e massacres de todos os lados. Sobrevivemos amigo Ral. As mesas de bares continuam a alimentar  nossos espiritos, nossos sonhos, nossas ansiedades, quando pedimos aquele conhaque ou aquela gelada, olhos enviesados.

             O que me estranhou Ral foi a sua afirmativa de que nossa arte agonia nos bares, quando muito o que os bares servem é para conversas, namoricos e criações eteréas e, quem sabe, evitar que nós artistas, nos escafedemos do Piauí ou que tenhamos destinos mais trágicos, o suicidio. Muitos se foram, muitos morreram, por não aguentarem o marasmo ou o ostracismo que foram relegados. Não é o nosso caso Ral, mesmo que soframos na pele a incompreensão, o descaso e o escárnio. Mesmo que a politicalha continue a dominar a vida dos piauienses, mesmo que a oligarquia apenas se alterne no poder, mesmo que a educação, a saúde e a cultura estejam no camburão do lixo. Que bela trincheira a explorrar, não?

           Eu lhediria Ral que nós aprendemos, e este aprendizado foi amargo e tem sido amargo, mas construído sobre bases sólidas. O que nos dá sustentação moral para continuar fazendo nossa arte. Aprendemos, por exemplo, que o parceiro ao lado, seja poeta, músico, bailarino, artsta plástico, seja mortal ou imortal, não é o inimigo a quem devemos achincalhar, expor á opinião pública. O inimigo comum é outro Ral. Nós já passamos dessa fase de acintar o colega de profissão e se nós o mencionamos é no sentido de engrandecê-lo, fazendo critica construtiva e mostrando alternativa. O nosso inimigo comum, amigo Ral, é quem acaba por acabar os orgãos de apoio á cultura, é quem deixa o povo sem usufruir dos bens culturais, sem poder comprar um livro, assistir a um show ou a uma peça de teatro; é quem mete na cabeça do povo que artista e professor é vagabundo; é quem bota o povo para se esbagaçar em busca de um naco de pão. Nós temos muitos assuntos para mesas de bares, não é Ral?

           Você já pensou Ral em abrir sua página para um debate amplo com os artistas e os intelectuais do Piauí? Qual seria o projeto do presidente da Fundação Cultural? O que ele pensa desse discurso metido  neoliberal do governo, quando ele coloca que a cultura sempre foi paternalizada? Onde, amigo Ral? O máximo que pode ter havido foram privilégios de certo grupos encastelados no poder. Cultura tem que ser cuidada pelo estado mesmo, que deve cumprir o seu papel constitucional. Você já colocou na sua página o trabalho maravilhoso da APL; como é que a Academia consegue lançar tantos livros, ter uma ótima biblioteca, apoia tão sistematicamente a cultura piauiense? E o O.G. Rego de Carvalho, amigo Ral. Já não bastaria nos ter dado "Rio Subterraneo", "Somos Todos Inocentes", para que passássemos a admira-lo para o resto da vida?Porque não entrevista o presidente da Tv e Rádio Educativa, sobre o que ele pensa da regionalização dos meios de comunicação,ele que está modificando a programação da emissora com a premissa de que estava artistica demais.Ora, de que vive a televisão senão de arte? Onde fica o binomio educação x cultura posto no documento de diretrizes do governo estadual.E os artistas anonimos, amigo Ral, verdadeiros talentos das áreas de teatro, dança, música, literatura, artes plásticas, etc.?

           É isso aí, amigo Ral. Vamos nos entrincheirar em prol de uma causa comum e esquecer um pouco do nsso umbigo. Temos este papel de espelho, de formadores de opinião. Um estado isolado e triste culturalmente como o nosso precisa dessa corrente. Um abraço.

 

                                                          Nota da redação. O dramaturgo Aci Campelo não entendeu nada do artigo "A Arte Piauiense Agoniza nos Bares". Para um melhor aproveitamento da leitura publicaremos uma bula ao lado dos próximos artigos. Que o Aci nos aponte os gênios da raça em qualquer campo artistico ou cultural. No momento desconhecemos.

                                                                                      artigo " Arte Piauiense Agoniza nos Bares".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


terça-feira, 15 de setembro de 2020

AOS ATORES

               Aqui acolá uma pergunta sobre o comportamento de nossos atores. Como lidar com isso? 

               Uma das coisas mais importantes em cena, sem dúvida, é a generosidade do ator para com seu companheiro. Essa é uma visão compartilhada por todos que fazem teatro. O ator tem que ser generoso com seu semelhante, seja ele iniciante ou um experiente artista. Mas como ser generoso em cena, se o que parece menos importante, em grande parte dos atores,  é o rigor e a disciplina. Colocamos essa questão porque lidamos com uma realidade cada vez mais presente, a ansiedade e a displicência. Realidade de nossso tempo tão veloz? Talvez, no entanto, mesmo assim é uma realidade triste.

                  Se os atores fogem de obrigações na preparação do espetáculo, a rigor não estudam a construção de seus personagens, não comungam com a equipe a construção dos signos da montagem e, dessa forma, não se investem de atores em cena. Faltar ensaios tem justificativa, sim. O que não tem justificativa é a ausência da vontade de participar e de ser. E, para essa vontade de ser, não importa que diga apenas uma ou duas falas do texto, ou que seja apenas um figurante.O espetáculo se completa com a presença, o esforço e o talento de todos.

                 Existe, também, o exibicionismo do já sei, do deixa que eu faço na hora. Essa, além de ser um tipo de indisciplina, é uma arma terrível contra o bom desempenho e a arte do ator. Na nosso trajetória nos labirintos e nos bastidores do teatro temos visto e sentido esse drama.  Muitas vezes elencos, e até grupos ou coletivos se desfazem,  porque o diretor procura fazer seu trabalho com o rigor e a disciplina que a profissão exige. Claro, que existe a necessidade de ser maleavel, a necessidade de reconhecer os entraves para quem faz teatro, especialmente no Piauí, onde o mercado de trabalho é quase inexistente. Há a necessidade de reconhecer o malabarismo para sobreviver. E aqui estamos falando daquele ator/atriz que já se definiu na profissão, imaginem aqueles iniciantes com toda pressão e ansiedade de ser artista. Portanto, essa incompreensão da realidade tem levado, também, ao fim muitas iniciativas auspiciosas, quando o grupo/coletivo, ou mesmo um diretor, fecha-se em seu mundo, tornando a  convivencia um gueto, obrigando a todos a uma rigidez e a um rigor disciplinar muitas vezes ultrapassados. Ao não reconhecer a realidade da falta de sustentabilidade, e não querer discutir essa realidade, talvez perca-se a essência da rigidez.  

               Tudo passa pela disciplina, sem dúvida.O investir-se no desempenho do papel de ator. Mas o bom senso é um guia na hora das dificuldades, e a compreensão das dificuldades pode salvar, inclusive, um grande talento.