quarta-feira, 20 de outubro de 2021

TEMPO DE LEMBRAR - AQUELE PAU-DE-ARARA

                 O  ano era 1974. Quando eu era  rapazote, como se dizia na época, com pouco mais de quinze anos, ia passar as férias escolares na Roça dos Pereira, Pedro II. Férias escolares naquele tempo era de dezembro a março, uma beleza! Ficava na casa dos meus avós maternos. Um casarão com alpendre, pés de figueiras e casa de farinha. Ai, tome brincadeiras.

                 Minha tia Júlia Sena, a dona Julinha, era uma beata quase juramentada. Quase, pois tinha os seus rompantes.Não perdia um festejo de Nossa Senhora da Conceição, a padroeira de Pedro II. Ela tinha um filho mais novo do que eu poucos anos, portanto, meu primo e nós dois éramos companheiros inseparáveis em tudo naqueles tempos. Tia Julinha naquele ano ia mais uma vez a Canindé, no Ceara, pagar as famosas promessas a São Francisco das Chagas, santo padroeiro do nordeste. Fui convidado para ir com ela e seu filho, O Sena. Topei. Pois lembrei que meu pai era também devoto de São Francisco. Neste sentido, eu e meus dois irmãos somos Franciscos, e minha irmã só não foi Francisca porque minha mãe bateu o pé. Três Chicos tudo bem, mas uma Chica eu não aguento. Venceu mamãe. Só que eu e meus irmãos nunca fomos chamados de Chico.

                 A viagem a Canindé foi em um típico pau-de-arara, desses cobertos por lona com tábuas servido de acento. Os passageiros viajavam sem poder estirar as pernas, e ainda tendo que afastar as costas do passageiro da frente que teimava em cair prá trás. Uma tortura. Saímos de Pedro II e a viagem durou dois dias. As noites na estrada as redes eram armadas no mato, entre uma árvore e outra. Lembro que nas rezas e nos benditos cantadas pelas mulheres na estrada, eu e meu primo cantávamos música de sucesso, e tome Waldick Soriano "A Carta" ou então Fernando Mendes. Ninguém notava diferença, e ainda recebíamos elogios pelos cânticos dos benditos. 

                  Foi em Canindé que descobri a religiosidade de um povo, a fé e a crença, de uma forma nunca vista. Na matriz de São Francisco vi dinheiro caindo no chão por que os locais onde se botava dinheiro enchiam de notas. Lá descobri que muita gente também vai não para rezar mais para faturar alguns trocados. essa descoberta foi no próprio pau-de-arara quando uma mocinha que viajava com a gente, os romeiros, ia para Canindé para se divertir e, segundo ela, quem sabe faturar uns trocados com os homens. Essa mocinha ficou minha amiga e de meu primo, e só não fomos as vias de fatos no sexo por que tia Julinha ficou de olho em nós três. Em Canindé andei pelos bares com meu primo, e assistimos um circo poeirinha onde uma mulher se transformava em um gorila - a Mulher Gorila. Danada como éramos, eu e meu primo, fomos pra detrás do circo só para descobrir como a tal mulher virava gorila. e descobrimos.

                   Passados seis anos da viagem a Canindé, eu já como autor de teatro, dei com uma noticia de jornal onde um pau-de-arara a caminho de uma romaria tinha virado e matado  muitos romeiros. Dessa noticia escrevi uma peça de teatro chamada "Os Salvados", onde cinco romeiros escapavam de um acidente em um pau-de-arara. As cinco personagens contavam suas promessas e lembravam suas vidas. O texto ganhou o Prêmio Miriam Muniz  de Montagem, da Fundação Nacional de Arte, no ano de 2000. Teve várias montagens no Piauí e algumas fora do Estado e participou de dois festivais nacionais de teatro.    

sábado, 2 de outubro de 2021

A HISTÓRIA DA FOTO - 3

                    No ano de 1989 a Federação de Teatro Amador do Piauí estava numa de suas maiores crises. Dessa forma, também o movimento teatral estava em crise. Basta dizer que nos dois últimos anos, 87 e 88, ela tinha se dividido em duas federações de teatro. A federação oficial - Federação de Teatro Amador do Piauí-FETAPI e a Federação Independente de Teatro Amador do Piauí - FITA. Foi nessa crise que se partiu para a realização da XII Mostra de Teatro Amador do Piauí - na verdade a X Mostra.

                     A X Mostra de Teatro Amador do Piauí foi realizada em Picos, no cidade Teatro Spark, com poucos espetáculos, exatamente reflexo da crise que atravessava o movimento amador do Piauí. Os dirigentes da FETAPI, encabeçada por Pinho Gondinho e Francisco Pellé, fizeram do evento algo digno dos filmes dramáticos, com acontecimentos de bastidores  marcantes. O clima de disputa pela hegemonia do movimento teatral dominou a mostra, com grupos de digladiando entre si.

                       Entre os episódios de bastidores do evento podemos citar alguns, aqueles menos degradantes. Invasão de bilheteria de espetáculo e tomada do dinheiro arrecadado; Invasão de dormitório, quando se espalharam malas e roupas pelo ambiente; um artista tomando banho na caixa d'água que abastecia o alojamento, e por aí vai. Para descontrair, a descoberta ao vivo, do cenógrafo Carlos B, já falecido, pai do ator Carlos B. Filho, que viu o filho vestido de drag desfilando em plena rua da cidade, onde tinha um bar e os artistas iam se descontrair a noite. A descoberta para Carlos B. pai foi um espanto. Não sabia que o filho era qquela espécie de gente, segundo ele.

                        Quanto aos spetáculos teve "Flics, a História de Uma Cor"; 'Quadros Negros", de Lavinia Fonseca, e "A Mala", direção de Roberto Mallet. A nota mais triste foi quando terminou a mostra e o ônibus que traria os artistas de volta a Teresina foi esbarrar na delegacia, numa denuncia de que a Federação não tinha como pagar o transporte. O caso chegou até a prefeitura da cidade, e o ônibus terminou liberado. Aquela Mostra de Teatro em Picos deu o que falar. quanto a Federação de Teatro Amador do Piauí, a FETAPI, depois da mostra passou dois anos para se recompor.

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