sexta-feira, 17 de maio de 2019

SERÁ ISSO, JOSÉ? PRIMEIRA PARTE

             O Sacha's Bar era um boteco que ficava sufocado entre uma casa e outra, na Avenida José dos Santos e Silva, no começo dos anos oitenta. Parada obrigatória de músicos, artistas, poetas, meninas de programas, gays,lésbicas, e simpatizantes, claro. Ficava perto do corredor cultural de Teresina, formado pelo Theatro 4 e Setembro, Cine-Rex e Central de Artesanato. Portanto, era um pulo da Praça Pedro II, reduto dos boêmios e bon vivant da cidade.
              Naquele dia  o ambiente do Sacha's estava denso como sempre estivera nos últimos três anos. O odor forte de urina, misturado com fumaça e alcool, parecia  impregnar a pele de cada frequentador. O bar não oferecia absolutamente nada de novidade, a não ser a alegria do encontro e a liberdade de discutir  as desgraças da nação. 
             Os dois amigos nunca estiveram tão sérios e sóbrios como estavam, sentados naquela mesa em que sempre ficavam. O burburinho do ambiente parecia não perturbá-los. 
          - A realidade, José, é que temos fome de tudo! Dizia um deles para o amigo a sua frente, vestido todo de branco, impassivel, sorvendo sua vodka com gelo. Não seria melhor abandonar a luta, deixar tudo de lado e mandar todo mundo se fuder? - Continuava o amigo - Ou então se entregar ao sistema! É, deixar-se cooptar! Mas isso não seria digno, caralho, e nós queremos viver, viver!
           O olhar do outro simplesmente passeava pelo ambiente. E as conversas altas, as discussões sobre politica e os males do mundo pareciam não lhe tirar do sério.
          - Eles querem que a gente continue no palanque eternamente desafiando tudo, porra! Podemos?Que continuemos a enfrentar mil batalhões com seus canhões, mas isso não é poesia, caralho! Queremos o que, companheiro? Perder outra vez e cair no limbo? Depois eles aprenderam e implantaram métodos mais sofisticados de repressão, mudaram de tática,bicho! Vamos enfrentá-los assim de cara limpa, que loucura, José! Vamos continuar como besouros na vidraça! Você se lembra a barra imensa que sofremos? Quantos morreram, quantos mudaram de estação, e até de sexo? Porra, tortura é foda, cara! Mas essa fome de viver, velho...
           O amigo falava como se estivesse em transe. Nem a garota de saia rodada que ao passar pela mesa tascou-lhe um beijo no rosto, o calou.
        - Merda, estamos vivos, cara1 Alcançamos isso aqui, foi o possível Não é desistir da luta, porra, é se fortalecer do baque, você entende, José? Claro, que entende. Você é fodão, bicho! Podemos simplesmente empunhar faixas e tambores, e sair depois cantando vitória? Coisas iinfantis, bicho, manifestos bobos que não levam a nada. Parece até inocentes úteis. Que loucura, José! E a reação deles? Gozação, cara, risos e escarnio. Depois eles sabem que basta dar agrado, um empreguinho a qualquer um desses valentes de primeira fila pros meninos desaparecerem e deixar a moçada orfão de pai e mãe. Por que é isso, bicho, com certeza se continuarem nessa!