segunda-feira, 23 de abril de 2018

NA POEIRA DO MITO - DOIS


           Brás do Pedro mal fechou a boca Waldick meteu os sapatos no lamaçal, atolando-se todo. Ele também desceu meio atordoado e fincou os sapatos na lama. O motorista do Toyota e seu ajudante ficaram calados sem saber o que dizer.
           - Podem continuar, não se incomodem comigo. Já empurrei muito carro por esse país, até em porta de puteiro- Disse Waldick - Se precisarem de mim estou aqui.
           O local do atoleiro era em céu aberto o que ajudava a visão do ambiente e, ao mesmo tempo, a imperícia do motorista. Vendo que a situação não era fácil, Waldick deixou a garrafa de Vodka de lado e meteu a mão na massa, ajudando os dois homens. Começaram a colocar galhos e paus na frente dos pneus do carro, e agora o litro de Vodka passava de mão em mão.
           O show do cantor Waldick Soriano estava marcado há mais de três meses, e ia acontecer no Clube do Abacateiro, o maior clube campestre da Roça dos Pereira, distante da capital do Estado cerca de duzentos quilômetros. Parecia que todos os habitantes dos lugarejos vizinhos tinham rumado em polvorosa para a Roça, sem contar o enorme contigente da cidade de Pedro II, ainda incrédulos de tamanho feito. Pareciam não acreditar que Waldick pudesse fazer show em tão insignificante lugarejo. A única rádio da cidade tinha passado os últimos dois meses fazendo programação especial sobre a vida do cantor: eram concursos, gincanas e perguntas que premiavam os ouvintes e fãs. Não é preciso dizer que foi um verdadeiro inferno de gente aos borbotões invadindo a estação atrás de participar das promoções. Sem contar que o Clube Abacateiro, nome só de fachada, por que na realidade acobertava mesmo era um cabaré de terceira categoria, tinha recebido pintura nova e luzes coloridas. Portanto, tudo estava a mil para receber o grande cantor.
         Brás do Pedro, o promotor do evento, quando saiu da capital com o cantor a bordo do Jeep tinha ligado para o radialista Chiquinho Aguiar assegurando que Waldick Soriano estava chegando á Roça dos Pereira, e que a festa seria de arromba. 
         Mas agora ali atolado an estrada, metido num lamaçal desgraçado até as canelas, não sabia o que ia acontecer.
         - Vamos lá pessoal! Caralho, já estamos atrasados para a festa, pombas! Gritava ele aos berros.
         - Isso aqui num vai ter jeito bicho - Disse Waldick  calmamente sorvendo outro gole de Vodka e olhando para as estrelas.
           Decidido a chegar de qualquer jeito na Roça dos Pereira, Brás do Pedro propos a Waldick que caminhassem até os Lajedos, que ficava a uns três quilômetros, e de lá com certeza pegariam outra condução cedida por seu amigo de infância, Zé do Pão. O cantor não se fez de rogado e ganhou a carroçal com Brás do Pedro, deixando o motorista e o ajudante na estrada, sujos como dois porcos na lama.
          Brás do Pedro ainda esbravejou:
        - Caramba, eu espero que vocês desatolem este carro até amanhã, picas!
          Brás do Pedro levava a maleta de Waldick, que continuava com o litro de Vodka na mão. No caminho não houve lamúria dos dois sobre aquela situação, pelo contrário, falaram de mulheres, noitadas e das andanças do cantor pelo Brasil afora.
          Em pouco tempo deram com a venda de Zé do Pão, que naquele momento estava apinhada de homens, e de algumas moças, bebendo e conversando alto, pois todos se preparavam para chegar até o Clube Abacateiro. Brás do Pedro para poupar o ídolo entrou na quitanda sozinho.
        - De quem é aquela caminhoneta parada ali fora? Perguntou de vez.
        -  É nossa, ora! - Adiantou-se seu amigo Miguelzinho Aguiar.
        - Meu amigo preciso alugar esse carro até o Clube do Abacateiro, com urgência!
        - Pois é pra lá que nós vamos, Brás do Pedro...
          De tão assustado que estava Brás do Pedro não percebeu a gafe que dera, não reconhecendo o amigo Miguelzinho.
       - Meu amigo Miguelzinho me perdoe!
       - Não há de que, homem. Parecia que viu uma alma.
       - E vi mesmo.
         Brás do Pedro puxou o amigo de lado e começou a contar o que estava acontecendo.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

NA POEIRA DO MITO - UM


                   O Jeep Toyota rodopiou no lamaçal feito uma banheira em corrente de água, e terminou afundando os dos pneus traseiros. O motorista ainda tentou várias vezes tirá-lo do atoleiro, mas a situação só piorou. A lama ameaçava os quatro pneus do veículo. 
                   Sem saída, o motorista sentenciou:
                 - Estamos atolados, pessoal.
                - Caralho, isso eu já sei! Disse o cantor Waldick Soriano ilustre passageiro do Jeep, e o maior ídolo da música popular brasileira naquele ano de 1969.
                 O cantor estava sentado no banco traseiro do veiculo, que mais parecia um banco de praça, com um litro de Vodka entre as pernas e, mesmo o dia escurecendo, conservava o chapéu de massa preto na cabeça, sua marca registrada. A seu lado Brás do Pedro, uma mistura de empresário artistico e promotor de eventos por todos os lugarejos ao redor da Roça dos Pereira, um município perto da cidade de Pedro II, que naquele ano tinha descoberto a pedra de opala em suas terras. Um feito que ficaria na história do lugar.
                 - Não se preocupe, Waldick, vamos dar um jeito - Falou Brás do Pedro, descendo do carro e melando os sapatos - Caramba, foi muita barbeiragem. Temos que sair daqui logo, hem! Por que senão como é que fica? Bravejou.
                O motorista e seu companheiro sairam do carro, tiraram os sapatos e arregaçaram as calças. Começaram a ver como desatolar o Jeep, o que certamente a luz clara no meio da amplidão da estrada carroçal, ajudaria. Os dois homens atolaram os pés na lama e começaram a missão de desatolar o Jeep, na certeza de que levavam dentro do veículo o homem que milhões de fãs adoravam país a fora. A prova da fama do artista eram eles próprios, ardorosos fãs e Waldick.
                 Brás do Pedro vendo a labuta dos dois homens, sem resultado, gritou:
              - Puta que pariu! Tem que tirar esse carro daqui. Temos que fazer um show, caramba!
                O motorista e seu ajudante estava atolados na lama tentando descobrir os pneus do Jeep com pedaços de paus. A noite era de um céu límpido, apesar do inverno, com estrelas reluzentes e uma lua clara bonita de se apreciar. Waldick continuava a tomar a sua vodka tranquilamente.
               Acostumado a enfrentar todo tipo de situação, o cantor romântico mais amado do país estava mais uma vez fazendo uma turnê pelo nordeste brasileiro, onde além de fazer shows em cada capital, saia pelas cidades interioranas se apresentando em qualquer biboca. Podia ser em praças públicas, clubes e cabarés famosos. Para o ídolo das multidões nada daquilo o constrangia.
               - Desculpe, Waldick, desculpe ai velho pela situação - Lastimava-se Brás do Pedro.
               - Pode deixar, bicho.  Vamos desatolar o carro, eu espero.
               - Claro, vamos, sim.