segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

NOITE COMUM NAQUELES DIAS

           

              O ano era 1977 e ele caminhava em uma noite de vento morno no canteiro central da avenida, larga e espaçosa, na sua movimentação normal. O pensamento a mil nas tarefas a realizar, por isso alheio a quase tudo ao seu redor. Uma temeridade naqueles tempos tenebrosos. De repente fora aberturado e totalmente imobilizado sem tempo de reação, depois jogado dentro de um fusca, que cantou pneu pelo asfalto. Pouco depois uma mão aberta na cara e tudo passou a ser percebido nos seus enormes detalhes.

            Coração no peito querendo pular fora, dor contida, e a revolta tomando conta do seu corpo. No íntimo era preciso conter os impulsos dilacerados. Era preciso saber a hora exata, os números e as cores das coisas, memorizar tudo, formas e rostos. No momento era tudo desconexo, sem razão de ser. O que poderia ser aquilo? No impulso lembrava que naqueles tempos de chumbo coisas daquele tipo eram comuns acontecer.. Duração do tempo na velocidade do carro na avenida, enquanto desanuviava os olhos do tapa na cara. Eram dois os homens, e a violência o fazia pensar com toda a carga no mundo dos infernais mundos de calabouços e prisões.

         - O que querem comigo?

           Outra mão aberta com força agora na orelha. Zumbido e cores na cabeça. Os dois homens eram odiosos nos aspectos, e nas ações. Olhares vazios e silenciosos. Entendia que sua vida podia estar por um fio. Como pensar no futuro nesses dias tão violentos?

          De garganta seca, rosto ardente e dor na orelha.

       - O que foi que eu fiz? Digam!...  

       Mas uma mãozada no rosto e os olhos revirando e o espaço girando. O fusca tinha parado e o supetão pelo pescoço foi para tirá-lo de dentro do carro. A sala tinha cadeiras e fedia a corpo humano. Os ouvidos continuavam com zumbido e o rosto continuava a arder pelas pancadas. Aquelas duas criaturas tinham extinto de brutalidade por puro prazer. Eram animais irracionais doutrinados para destruir o inimigo sem razão alguma. Mas isso agora eram conceitos inúteis, e nem era hora de pensar em conceitos. Tudo desigual com a pressão psicológica.

           Até ali os dois homens continuavam em silencio. Merda, que transa escrota aquela! Sim, ele não era um anônimo. Mas seria isso a causa? Agora o fizeram sentar e tome puxões de orelhas, tapas violentos nas costas, queimaduras com pontas de cigarros e palitos de fósforos nos braços. As paredes queriam falar e o coração se agitava cada vez mais de medo. Que horas seriam? Onde estava?  Os dois homens sentaram a sua frente. As perguntas sobre o seu trabalho, os amigos, a ideologia política. Sim, tudo aquilo era pela profissão que exercia. Sempre soubera do risco que corria, mas tudo parecia absurdo, ao seu ver uma verdadeira paranóia. Sua arte só falava de coisas banais do dia a dia: latifúndio, morte no campo, crimes sem solução enquanto assassinos e mandantes continuavam soltos.

          Agora o pânico.

       - Por favor me soltem!....Por favor!...

         Nos cabelos das pestanas havia dor, onde então não havia. Uma dor invisível. Situação terrível e degradante para um ser criador que não sabia a dimensão do seu trabalho, agora jogada ali na sua cara daquele modo.

          Voz de um dos homens, o mais maníaco dos dois.

        - Há muito tempo estamos de olho em você...de olho em você...de olho em você...

         Repetição infinita penetrando nos tímpanos. Ainda sem noção de tempo. Queimaduras e pele queimada exalando fedor no ambiente. Aquilo não era dignidade humana, e parecia o fim. Suor e fraqueza, língua embolada, olhos pesados. Os rostos das criaturas continuavam impassíveis. Sua vontade era de retornar ao seu mundo conhecido de palco e luzes, alegria e palmas.

        Um deles o agarrou pelos ombros e o pôs de pé.

       - Agora vai...vai porra!...

        A porta de abriu. E o outro falou sem piedade.

     - E toma cuidado com tua vida. Estamos de olho.

       Disparada pelas ruas de uma manhã de sol. Cansaço em todo corpo e uma alegria no peito. Lágrimas nos olhos porque estava solto e livre. Tão comum naqueles dias na situação que viveu era a morte, o desaparecimento puro e simples. Na cabeça mil pensamentos. Nada de deixar de  mostrar no palco aqueles dias de opressão e violência. Era sua forma de demonstrar insatisfação e revolta.

             

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

A HISTÓRIA DA FOTO - 4

                   

                    A foto é de José da Providência.Uma foto inédita para o teatro brasileiro, salvo no meu arquivo de fotografias da história do teatro Mostra toda a Diretoria eleita da Confederação Brasileira de Teatro Amador - CONFENATA. Foi tirada no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, no ano de 1981, no final do II Congresso Brasileiro de Teatro Amador, promovido pela entidade, nos dias 28 de janeiro a 01 de fevereiro.

                    Coisas incríveis aconteceram durante o II Congresso Brasileiro de Teatro Amador. A delegação do Piauí, representando a Federação de Teatro Amador do Piauí - FETAPI, era formada por Afonso Lima, presidente da entidade, Ací Campelo, Afonso Miguel Aguiar, José da providência e Williams Martins. Ficamos hospedados no Estádio do Pacaembu, e com a delegação oficial do II Congresso estavam muitos atores e atrizes do teatro piauiense, pois na mesma época foi realizado em São Paulo, Festival de Arte Independente Brasileiro, no Teatro Pixinguinha. Portanto, eram mais de 20 pessoas do Piauí. Formavam, além da delegação da FETAPI os elencos das peças A Guerra dos Cupins, de Afonso Lima, pelo Grutepe e O princ~es do Piauí, de Benjamim Santos, dirigida por Tarciso Prado. Era uma festa.

                  O II Congresso Brasileiro de Teatro Amador transcorreu em um clima de guerra. Eram os estados se debatendo para dominar a Confederação Brasileira de Teatro, que ia renovar sua diretoria. Na realidade o clima de guerra era feito pelos partidos de esquerda, principalmente o PC do B, que terminou vitorioso nas suas conquistas. Muitos fatos de bastidores me chamaram a atenção. Um deles, já relatado por mim em outra ocasião, dizia respeito a uma proposta levada por nós ao Congresso. Onde colocavámos a necessidade da Confenata se dividir em Regionais, pela dimensão do País. a proposta não foi bem defendida e perdeu a tese na hora da discussão.O interessante é que no final do Congresso a delegação de São Paulo voltou com a proposta e foi aprovada. Um espanto. O que fez o José da Providência dizer na cara  dos paulistas que eles eram ladrão de proposta. As regionais da Confenata funcionaram a partir do III Congresso da Entidade.

                 Na luta de bastidores pelo comando da entidade ganhou o PC do B, sendo eleito José Carlos Bezerra de Matos, Afonso Lima, o presidente da Fetapi foi eleito primeiro suplente da diretoria. essa eleição levou o Afonso Lima a tomar posse como vice-presidente da Entidade, com a morte em um desastre de avião no Ceará, de José Carlos, que era cearense.

                  Nos bastidores do Congresso eram festinhas, reuniões políticas e muita farra. Lembro que uma noite eu, e as atrizes Carmem Carvalho e Lari Sales saímos a noite do Pacaembu, a gente sabia do perigo, avisado pelo pessoal do evento mas resolvemos dar uma saidinha assim mesmo. Quando encontramos um bar aberto um sujeito fazia a limpeza do local. Entrei no bar e, antes de pedir alguma coisa, o homem vendo Carmem e Lari sapecou na minha cara- Fora daqui, acabou a hora de vender mulher! Ainda bem que as duas não ouviram, e nem eu contei pra elas.

                    Mas pela brutalidade do sujeito resolvemos voltar para o estádio. Quanto a fto, é fantástica. nela podemos ver Afonso Lima, José Carlos, Cosme Junior, Conceição Acioly, Stanley Wibb, Carlos Roberto Paiva e muitos outros conhecidos personagens do teatro amador brasileiro.