quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

ARTE INDEPENDENTE


           Vez por outra esse tema volta a discussão. Arte independente, artista independente. Sempre me perguntei, quando me deparei pela primeira vez com  esse tema, o que seria isso, melhor dizendo - arte ou artista  independente de que? 
           Lembro que foi no ano de 1981 que aconteceu em São Paulo, capital, o I Encontro de Arte Independente, se não me engano no Sesc - Pompeia, onde inúmeros grupos de teatro e de arte do Brasil se fizeram presente. As discussões foram muitas, varavam as noites, e os botequins. O Piauí se fez presente com dois espetáculos e a presença dos membros da Federação do Teatro. Para chegar a São Paulo precisamos contar com a ajuda do governo do Estado, o evento era bancado além do Sesc, também, do governo do Estado de São Paulo e do governo Federal, então, a pergunta que eu me fazia era, I Encontro de Arte independente de que, se tudo era pago dos cofres públicos?
            Ainda hoje essa discussão permeia com o mesmo tom, o mesmo pensamento. No mês passado, na Câmara Municipal de Teresina, numa audiência pública sobe a Lei A. Tito Filho, um artista vociferou do microfone - Enquanto nós artistas piauienses vivermos atrás do poder público continuaremos na miséria, nunca seremos artistas de verdade. O rapaz dizia isso enchendo o peito como se estivesse descoberto o ovo de Colombo. Primeiro dizer que o poder público não cria arte, segundo dizer de sua deselegância com artistas e produtores culturais que estavam na audiência e que,  naquele momento, defendiam a Fundação Cultural do Município como funcionários da casa. Ora, esse argumento de que o artista que precisa do poder público para viabilizar sua arte não é artista é, no minimo perigoso, é igualar toda criação artística e toda forma de cultura ao mercado. Mas tem manifestação artística, principalmente da cultura popular, portanto, menos conhecida e visível que necessitam de proteção para se manter como identidade de um povo.
        Depois voltamos a pergunta lá do inicio - Arte Independente de que? Por não precisar do Estado para se manter? Por não precisar de empresas privadas para viabilizar seus projetos? Seria independente aquela arte que se mantêm  apenas pelo público que a consome? Mas esse público não tem suas preferências, seus gostos e só consume aquilo que quer ou aquilo que lhe metem de goela abaixo. Nesse caso o criador continuaria independente?
         Nunca me prendi a esse tipo de dilema. O Estado como ente federativo deve cuidar com equidade e da mesma forma  de todas as necessidades de seus cidadãos, e se o cidadão precisa de educação, saúde, segurança e casa própria, também, precisa de cultura e arte. Ou será que só quem pode exigir do governo são os empresários? O agronegócio? Os banqueiros? Os taxistas? Os donos de empresas de ônibus? Os artistas não podem exigir que se cumpra as leis de incentivo? Que se destine dinheiro para a preservação do patrimônio, seja material e imaterial? Que papo é esse? 
        Quem deve ser independente é o artista e sua criação. Nunca se vender nem se render a regras que possam tolher sua criatividade. No momento em que a forma de viabilizar sua obra seja tolhida ou direcionada ai sim, o artista deve ser independente e agir como um ser criador. Mas se em nenhum momento ele é proibido de fazer o que quer com sua arte, o dinheiro pode vir de onde vier, pois o que importa é a sua manifestação e a sua criação livre e soberana. 

sábado, 3 de outubro de 2015

FLORIANO. 4º FESTIVAL NACIONAL DE TEATRO.


             O 4º Festival Nacional de Teatro Pontos de Cultura e Grupos Independentes, aconteceu no período de 23 a 27 de setembro último, na aprazível e acolhedora cidade de Floriano, no Piauí, numa promoção do Grupo Escândalo Legalizado de Teatro - ESCALET. O Festival  demonstrou, entre outras coisas, o amadurecimento e o profissionalismo das pessoas que estavam a frente do evento.
              Foram 12 estados da Federação presente com mais de vinte espetáculos divididos nas categorias, adulto, monólogos, infantil e de rua, que inundaram a cidade durante cinco dias, e fizeram a alegria dos espectadores e apreciadores do teatro de uma forma surpreendente, com os espaços - Teatro Cidade Cenográfica e Teatro Maria Bonita sempre lotados. As oficinas, palestras e workshops realizados durante o festival abordaram diversos temas, como dramaturgia corporal, contação de histórias, oficinas de palhaços e teatro de rua despertando o interesse daqueles que queriam se aventurar nas artes cênicas ou mesmo capacitando os já iniciados nesta área. Quanto aos homenageados, nada mais justo, pois tanto o ator e homem de teatro Rosivaldo Olivetto como Fábio Novo se identificam profundamente com o fazer artistíco-cultural.
              Em relação aos espetáculos, nós que participamos do júri nas categorias adulto e monólogos, assistimos com muita atenção as apresentações  em todas as categorias e, desta forma, podemos dizer que vimos um universo muito grande de montagens abordando vários temas, e que deram para fazer um juízo, ainda que muito superficial, do que está se fazendo ou se propondo em termos de dramaturgia no cenário brasileiro. Afinal de contas, tivemos grupos que vieram de Goiás, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Minas Gerais e Maranhão, retrato significativo das artes cênicas no Brasil.
               Em relação as oficinas e workshops verificamos muita prática e pouca teoria, neste sentido, e aqui não vai nenhuma critica, ficou faltando um pouco de comentário, de debate, de conversa sobre os espetáculos- sua dramaturgia, concepção, vivência do grupo. A sensação que a gente teve é que tudo está as mil maravilhas, por que todos aplaudem efusivamente todos os espetáculos, sem restrições, quando sabemos que não é bem assim. Dessa forma, infelizmente o papel antipático fica com o júri. Portanto, fica como dica.
             Quando colocamos profissionalismo e maturidade na realização do Festival, é por que acompanhamos o trabalho do grupo Escalet há muito tempo e sabemos do esforço e da dureza que é chegar onde o grupo se coloca hoje no panorama da cultura piauiense. Floriano e seus habitantes devem ter orgulho desse grupo, e as autoridades do setor cultural têm a responsabilidade de manter essa chama, para o bem dos que apreciam o palco como vetor cultural,  para o bem do próprio teatro e de todos aqueles que comungam e vivem o seu dia a dia.
                 

domingo, 16 de agosto de 2015

BRECHT: UM TEATRO PELA PAZ


                                                                     (Publicado no Jornal da Manhã, em 1986)

             Neste ano de 1986 comemora-se em todo o Brasil os trinta anos de morte (Ou seria eternidade?)do grande dramaturgo alemão Eugen Berthold Friedrich Brecht ou Berthold Brecht ou simplesmente B.B. (E, nesse caso, cuidado para não confundir com Brigitt Bardot) Aqui em Teresina acontecerá nos dias 8 e 9 de dezembro próximo a comemoração BRECHT: UM TEATRO PELA PAZ, no Theatro 4 de Setembro, com conferências, exposição, interpretação de poemas, numa promoção da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, com apoio da Federação de Teatro Amador do Piauí. Já confirmada a presença de Lélia Abramos, João das Neves e o diretor teatral Aderbal Júnior.
                    Quem foi realmente Berthold Brecht? Do homem dizia-se que era arisco, meio sujo, barbudo, óculos aro de aço, grosseiro, solitário, sensual, dom juan, com seu eterno boné na cabeça e seu eterno charuto na boca. Do artista, que era rebelde, inconformista, sensível, revolucionário, cheio de dilemas políticos, acusado até de ter violentado seu talento ao aderir ao partido comunista, paradoxo intelectual do engajamento artistico, quando sofria restrições na própria orbita do partido ao mesmo tempo em que servia para propagar a cultura marxista  aos intelectuais do ocidente. Simples conjecturas? Não sabemos. O importante é que Brecht é, inegavelmente, um dos mais brilhantes e iluminados gênios da literatura deste século.
                   Brecht nasceu em Ausburgo, a 10 de fevereiro de 1898, filho de pais abastados, frequentou bons colégios onde era tido como um menino taciturno, de uma certa quietude negativa, mas que logo revelara sua rebeldia ao fazer uma redação condenando o conflito armado. Aos dezoito anos, quando estudava medicina e e ciência na Universidade de Munique foi convocado para a guerra como atendente de um hospital militar. Veio daí, talvez, a sua angustia permanente e a sua perseguição implacável a favor da paz, quando na sua poesia e duro e seco, torturado por imagens sofridas, injustiçadas, o que dar bem o tom da sua revolta, da sua quase impotência e, ao mesmo tempo, o sentido da sua sensibilidade, da sua delicadeza diante  dos horrores e das tragédias que afetam os homens. Em  "A Lenda do Soldado Morto" um poema duramente Brechtiano ele falava de um cadáver que é exumado e posto a desfilar gloriosamente, pronto a retornar ao campo de batalha, por que a guerra precisa de homens  como buchas de canhão. No final, o poema sentencia: "Era tanta gente que ele nem se via/da multidão em volta soltando vivas!/Do alto, pode ser que fosse visto:/ mas lá, a não ser astros, não há nada."
                A contribuição de Brecht ao teatro, a poesia e ao pensamento político do artista o fazem como um dos mais importantes do século vinte. Premiado aos 24 anos com a peça "Tambores da Noite" teve outra proeza aos escrever a sua primeira peça "Baal" em 4 dias, quando havia assistido a uma outra peça e não gostara, apostando com um amigo que escreveria sobre o mesmo tema e melhor - e assim o fez. Brecht não gostava do exibicionismo gratuito e simples e nem da emoção ilusionista no teatro. Colaborador do encenador Erwin Piscator, que fazia um teatro de esquerda, tipo "Agir Prop", e que via o palco como um instrumento para a mobilização das massas, Brecht aprofundou-se. Nasceu, então, o seu teatro dialético e o seu teatro épico, com a teoria baseada na rejeição da empatia e do desenvolvimento emocional do público com as personagens apresentadas no palco. É o badalado efeito do distanciamento ou efeito V, compreensão fundamental de todo seu teatro.
               Brecht era um artista que lutava com sua genialidade para amenizar a distancia entre os homens, entre as classes sociais, entre os povos, com enorme senso político de justiça, de compreensão e de amor. Ganhador do prêmio Stalin da Paz, em Moscou, em 1956 morre de trombose coronariana. Antes de morrer, porém, Brech viu realizado um sonho, a Fundação Berliner Ensemble, onde ele praticava seu teatro espalhando pelo mundo seu ideal artístico, um alerta geral em nome da humanidade: um grito poético em nome da paz. Para sentirmos a dimensão da coisa basta citar um escrito de sua autoria bem conhecido: "Lutem pela paz!É preciso denunciar a bomba, decida o futuro da cultura! Já foi dito que a liberdade é uma conquista. Comecemos já com a liberdade de trabalhar pela paz!" Sem dúvida alguma um aviso final aos navegantes.

sábado, 27 de junho de 2015

O FIM MELANCÓLICO DE UM EVENTO


               No ano de 1994, como Diretor do Departamento de Arte da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, criamos o I Salão Municipal de Artes Plásticas. Era coordenadora da área a hoje professora da UFPI Polyana Jericó.
               O evento seria uma das grandes atrações da inauguração da Casa da Cultura de Teresina, criada naquele ano pelo então Prefeito Wall Ferraz, belíssima casa e um dos patrimônios culturais que orgulha a cidade. A realização do Salão seria um grande desafio, primeiro por que não sabíamos qual a aceitação dos artistas em participarem do evento, depois a pressão em fazer um evento inédito na cidade, e fazer bem feito.
                Lembro que o prefeito Wall Ferraz, de vez em quando fazia perguntas sobre o Salão, colocando dúvidas na sua concretização. Como a Fundação Monsenhor Chaves seria a gestora da Casa da Cultura acompanhamos passo a passo a reforma da antiga Casa do Barão de Gurgueia,  para transformá-la naquele espaço.  Então, no piso superior da Casa ficaria a Galeria de Artes, que denominamos de Lucilio Albuquerque, grande artista plástico piauiense. Quando vimos o espaço grande da Galeria ficamos ainda mais assustados.
               Dois episódios me chamaram atenção durante a reforma da Casa da Cultura, o primeiro foi a recusa sistemática do prefeito Wall Ferraz em não aceitar que fosse colocado um busto do Barão de Gurgueia na frente da Casa, solicitação feita pelos parentes do Barão. O professor chegou a dizer que mandaria derrubar se assim fosse feito; a segunda, foi a bronca dada por ele no cartunista Albert Piauí, que tinha diagramado um livreto sobre a casa para ser lançado na inauguração. Mas a capa foi pintada de preto, e o prefeito detestava a cor preta. Essa eu tive que amenizar, mesmo por o livrinho fazia parte do meu Departamento e o Albert sempre foi  meu grande amigo. Peguei o livro e conversei com o professor.
               O I Salão Municipal de Artes Plásticas de Teresina foi lançado no mês de agosto de 1994, na inauguração da Casa da Cultura de Teresina, com mais de 150 obras de artes de artistas plásticas piauienses,  em várias modalidades. Um sucesso absoluto que orgulhou a todos nós.Daquele ano para cá ele teria mais de quinze edições, sempre com a participação maciça dos artistas plásticos.
                Neste ano de 2015, a mesma Fundação Cultural Monsenhor Chaves resolve acabar com o Salão Municipal de Artes Plásticas, em um piscar de olhos, sem explicação nenhuma. Parece que nem sequer foi discutido a sua reformulação ou mesmo o seu legado. Simplesmente acabou-se. Mas o pior é que em seu lugar foi criado um Salão Municipal de Artes Visuais. Ou seja, vamos começar tudo de novo. É o eterno retorno. Quer dizer, é dessa forma que continuaremos invisíveis. Muito triste, para não dizer terrível.  

domingo, 24 de maio de 2015

TEMPO DE CONTAR - PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DE TEATRO AMADOR


              No ano de 1981, o Grupo Raízes de Teatro estava em cartaz com o espetáculo Mata-me Com Teus Beijos, de Rubens Lima, com minha direção, tendo no elenco Lorena Campelo, Lili Martins, Wilson Costa, Mariano Gomes e Kleber Fé. A peça gozava de relativo sucesso.
              No final daquele ano recebemos a noticia de que um assessor do antigo Serviço Nacional de Teatro/SNT viria ao Piauí para escolher dois diretores de grupo, para fazer um curso de Encenação Teatral no Rio de Janeiro com tudo pago pelo orgão. Tivemos a sorte desse assessor assistir ao nosso espetáculo e, realmente, quando foi em janeiro de 1982 eu e meu amigo José da Providência, que dirigia a peça A Guerra dos Cupins,de Afonso Lima, no Grupo de Teatro Pesquisa, viajamos para o Rio pegando um ônibus da Itapemirim, para passar dois meses. Uma aventura.
               Foram dois dias e duas noites de viagem. Lembro que o Providência bebia toneladas de Vodka dentro daquele ônibus, ficando aquele odor de álcool e suor em nossas poltronas. Uma noite, ainda na cidade de Teófilo Otoni, em Minas Gerais, o ônibus deu uma parada obrigatória e eu desci para me limpar. Quando ia voltando ao carro vi um jornal com a manchete Morre Elis Regina, foi um choque. Comprei o jornal e levei para o Providência. Putz! Ai,  tome mais vodka ainda. Quando chegamos a rodoviária do Rio ele quase não sai do ônibus.
               Quando entramos na Kombi do Serviço Nacional de Teatro, com o pessoal do Ceará, Maranhão e Pernambuco, que também tinham chegado naquela manhã, todos ficaram assustados com a condição de meu amigo. Quando um deles me perguntou o que ele tinha eu imediatamente mostrei o jornal com a morte de Elis, todos entenderam, e batiam no ombro do Provi.
              Ficamos hospedados no Hotel Ambassador, no centro do Rio, perto de tudo: Teatro Municipal, Bar Amarelinho, Teatro Glauce Rocha, Teatro Rival, cinemas e um bando de inferninhos da noite carioca. Era uma festa! O programa do curso constava de aulas de direção, cenografia, figurino, dramaturgia, iluminação, palestras e assistir aos espetáculos em cartaz naquela temporada. Lembro de profissionais como Carlos Ripper, cenógrafo; Jorginho de Carvalho, iluminador;  Dias Gomes, dramaturgo e Luiz Mendonça, diretor de teatro. Nossos instrutores.
             No Rio de Janeiro, minha preocupação era com a eleição da Federação de Teatro Amador do Piauí, que pegava fogo com vários candidatos, pois a FETAPI era uma entidade respeitada e que realizava um bom trabalho pelo nosso teatro. Ligava para algumas pessoas para saber das novidades e me colocar á disposição de qualquer chapa concorrente.
              Na programação teatral carioca assistimos a peças fenomenais, entre elas,  O Beijo da Mulher Aranha, Nelson Rodrigues: O Eterno Retorno, O Mambembe, Fedra e Bailei na Curva. Vimos muitos artistas em cena como Fernanda Montenegro, Edson Celulari, Lélia Abramo, José Dumont, Elba Ramalho, Cláudia Ohana, Tonico Pereira, Cássia Kiss, Caio Blat, Claudio Marzo, Suzana Vieira, Ney Latorraca, Marcos Nanini, Tonico Pereira, Irving São Paulo, Regina Casé, Fernanda Torres, Evandro Mesquita e Luiz Fernando Guimarães. Muitos deles consagrados e outros ainda atrás da fama. 
                Lembro que o Providência não parava de beber e um dia entramos no Teatro Rival, para assistir uma revista musical e quando sentamos ele chamou o garçon e pediu duas caipiroscas. Stanley Whabey, um assessor do SNT assustou-se e perguntou-nos se sabíamos o preço daquilo. Continuamos a beber sem dar ouvidos a ele. Na hora de pagar a conta gastamos nossas diárias do dia e fomos para o hotel, morrendo de achar graça. De outra vez, fomos a praia de Copacabana como lazer do grupo, mas o Providência não tirou  sequer a camisa de mangas nem os tênis, e ainda por cima alugou um guarda-sol e ficou sentado o tempo todo na beira do mar.
              Foi uma experiência fantástica e que me serviu muito. Quando chegamos a Teresina eu tinha sido eleito Presidente da Federação do Teatro Amador do Piauí, mesmo sem estar presente. Mas isso é outra história. 
              

sábado, 18 de abril de 2015

O QUE QUEREMOS


           O tema da identidade cultural é recorrente quando discutimos cultura, inclusive, para podermos avançar para outra questão - o que queremos.
           A reflexão é, por demais pertinente, quando estamos dialogando sobre as atividades artística - culturais, parte prática da cultura. A pergunta, então, viria direta - qual a identidade cultural do Piauí?Muitos haverão de questionar que esse é um tema passado, fora de propósito, e que está um tanto fora dos diálogos culturais. Depois outros dirão em que um mundo globalizado discutir identidade cultural pode engesar, imobilizar o próprio desenvolvimento da cultura, ou ainda que se está fugindo da modernidade de novas tendências que povoam a cada segundo a aldeia global, onde tudo se pode.
             Penso que por isso mesmo o tema seja tão instigante e tão interessante. Em relação a identidade cultural do Piauí podemos dizer que é o único Estado onde os tambores da criação batem iguais a todos os outros. Não temos diferencial algum. A nossa música, o nosso teatro, a dança, a literatura, são iguais a todas as outras. Iguais? Talvez seja o modo de dizer, mas na realidade nem podemos fazer essa comparação, pois nessa arte ainda não saiu da invisibilidade. O que, convenhamos, a torna incomparável á outros Estados no sentido do conhecimento. Claro, não se pode comparar aquilo que não se conhece. E aqui colocamos que a invisibilidade, esse desconhecimento de nossa arte, essa não quebra de barreiras venha, exatamente, por querer se igualar a todas as outras. E isso, no fundo, pode gerar imitação, o que podemos estar criando apenas a imitação da imitação. O que não leva a nada.
             Mas muitos dirão ainda para que identidade cultural se somos uma metrópole nova, somos uma cidade cosmopolita, cidade em construção, em constante mudança? Com esse argumento acabam-se com as tradições culturais; derruba-se o patrimônio histórico, e termina-se enterrando qualquer tentativa de criação de um diferencial.
              Vamos dizer que se respondessemos a pergunta, o que somos, o que convenhamos é difícil, poderíamos responder a primeira questão - o que queremos. Muito simples, seria como dizer eu sou um ator, eu quero ser um ator, essa é minha profissão. Então, tudo aquilo que for bom para a minha profissão é o que eu quero, tudo aquilo que for bom para a classe artística eu vou defender. Pronto, na definição do que sou está aquilo que eu quero.
                Para nós é um ponto crucial. Se não sabemos o que somos, não sabemos o que queremos, e se não sabemos o que queremos, como definir uma pauta de discussão cultural? Uma pauta compatível com os desejos coletivos, com as lutas por melhores políticas públicas de cultura e com os objetivos que queremos atingir?
                O que não podemos é continuar nessa tarefa inglória de construir sonhos fora da realidade prática, o que não podemos é continuar nesse eterno retorno. Nessa eterna invisibilidade, pelo simples fato de não queremos amadurecer. De não querermos encarar de vez o que queremos, e lutar por isso.   Dessa forma  continuaremos apenas a lamentar a sorte de,também, ter  nascido em um Estado invisível para o país e para o mundo.
              

quinta-feira, 26 de março de 2015

AO TEATRO, NO SEU DIA.


         No dia 27 de março, celebra-se o Dia Internacional do Teatro, um dia escolhido pelo ITT - Instituto Internacional do Teatro, orgão da Organização das Nações Unidas, para comemorar a arte da representação.
         Será que se pode em apenas um dia, manifestar-se pleno jubilo ao teatro, uma arte tão complexa e que dar tanto prazer, alegria e estranhamento? E o que dizer da sua fantástica trajetória ao longo da história dos povos? O teatro que tem sido arma de defesa e forma de ataque em momentos cruciais da humanidade.
          O teatro, como área da criação artística, tem deixado o homem, seja na infância ou na velhice, de olhos brilhantes de fascinação na sua magia, que num simples espaço de tempo pode desmascarar ou mistificar a vida. Teatro que tem sido o  amparo do homem, fazendo-o liberto das suas contradições; que gargalha da opressão e dos opressores e leva esperança aos excluídos;o teatro dos excessos dionisíacos; da pureza da alma; do narcisismo; da mentira e da verdade, e ainda da plenitude da vida.
           O homem não precisa deixar-se dominar pela vulgaridade, nem pelas coisas banais da vida, do mesmo modo que o artista não precisa enveredar pelo embuste, pois a criação, objeto  supremo do seu trabalho consiste, acima de tudo, na verdade. E o teatro procura exatamente desvendar o âmago das questões, por isso não adianta a fuga, o exibicionismo gratuito, pois o máximo que se pode alcançar é uma fantasia que se desfaz ao abrir-se as cortinas, ao iluminar-se o palco. O que se esperar dessa arte é o desnudar-se a vida, mas profundo do que a celebração da morte. Na ação do drama toda a essência do ser.  
        Talvez o teatro piauiense esteja precisando urgentemente de chegar a sociedade, aliás o teatro piauiense precisar mostrar-se, as pessoas precisam ver nosso teatro por que é no seio delas que a cena consagra-se. Mesmo que o teatro seja objeto de denúncias - oprimidos x opressores; famintos x abastados; idealistas x conservadores, inteligentes x medíocres. Teatro em que todos tenham o pleno direito de manifestação, por que no palco são criados personagens á semelhança de todas as criaturas. 
           Vamos lutar todos juntos para que o dia do teatro seja todos os dias, sempre na busca do mais. Vamos impulsionar e estimular a quem quiser fazer teatro, despertando-lhes sentimentos de prazer, amor e
 paz As derrotas do cotidiano já estão também incluídas no espetáculo e, para nós, são apenas obstáculos a serem transpostos sem desencanto nenhum. Aos que fraquejaram, desistiram da cena ou já se retiraram do palco, a nossa convicção de que o teatro foi uma lição de vida. Para o artista o palco é sua pátria, sua religião, reunião de todos os credos.
            Ainda que tenhamos pouco a comemorar nesse dia, renovemos as energias, revigoremos as forças. No investimento do que somos está a força para enfrentar o vindouro. Saudemos o Dia Internacional do Teatro.
         

domingo, 1 de março de 2015

OS DIÁLOGOS CULTURAIS



               Nada mais salutar do que o diálogo, a conversa, o debate , a troca de ideias,  na área cultural. O diálogo, por si só, pode ser esclarecedor e ajudar na busca de saídas, de iniciativas, de fomento. Quando há avanços, objetivos forem atingidos  e metas alcançadas, melhor ainda. Portanto, dialogar democraticamente nunca pode ser tempo perdido.
               A  arte e a cultura piauiense eram debatidas exaustivamente nos anos de 1980/1990, de forma que a classe artística alcançou, talvez, sua melhor performance, seja na música, no teatro, na dança, na literatura e nas artes plásticas. E aqui não vai nenhum saudosismo, é fato. Basta que se passe um visto na história.
                Entidades como Federação do Teatro Amador, União Brasileira de Escritores do Piauí, Sindicato dos Artistas e Técnicos, e até as fundações culturais puxavam congressos, debates, forum, seminários, encontros, palestras, com foco no desenvolvimento cultural. Hoje não se faz isso? Sim, ainda que com menos frequência, e com menos pressão, e menos vigor. Talvez pela diluição do  tempo ou mesmo pela desesperança em não atingir resultados, que custam a se concretizar ou que nunca se concretizam.
              Aí reside a ausência dos encontros culturais em nosso meio - um niilismo em não ver resultados. Mas é bom entender que a falta de mecanismos de pressão joga qualquer pretensão de avanço em políticas  públicas de cultura no limbo. E pior, as torna invisíveis. E nada pior para quem o criador, o artista ou para a arte do que a falta de visibilidade.
               Dialogar é informação, é estar a par da conjuntara, é se fortalecer, é se empoderar. Como tudo é uma questão de valor, de querer humano, de decisão política, a união da classe artística através do ajuntamento, dos diálogos, do debate e das discussões, leva á reivindicações, ao querer se apropriar, a valorização da classe, a solicitação de melhorias. A ser, portanto, visivel.
              Se algum artista piauiense não se enxerga e nem se reconhece como artista, talvez esteja aí também a rejeição em dialogar com seus iguais e, dessa forma, não se reconhecer como iguais, nem no plano da cidadania, nem no plano político. A cisão entre as áreas artísticas piauienses passa muito por esse reconhecimento. É preciso se reconhecer para ser. E numa época de auto estima e auto afirmação como a que vivemos, em que o artista piauiense precisar mergulhar para ser visto, necessita-se do mecanismos do diálogo, não só como afirmação da classe diante de si mesma mas diante do mundo.
             Portanto, por mais que saibamos que a cultura e a educação é um dever do Estado, sabemos também que a finalidade da cultura é a formação da identidade, a criação e a sensibilidade humana. Neste sentido, é que temos que investir nos diálogos culturais, para assim clarear caminhos e trilhas, rumo ao desenvolvimento.
              

domingo, 18 de janeiro de 2015

TEMPO DE CONTAR - Uma Ruma de Bosta


                Era o ano de 1981 e a ditadura militar no Brasil dava sinais de desgaste, mas no Piauí ela parecia tão longe de acabar que se contava nos dedos quem tinha coragem de enfrentá-la. No plano cultural, então, era um deus nos acuda, basta dizer que o diretor do Theatro 4 de Setembro, em Teresina, era um tenente. Para a classe teatral coisa pior não podia existir. O descontentamento era geral e irrestrito.
               Naquele ano as artistas de música entraram numa guerra contra os orgãos culturais do Estado, e lançaram um manifesto chamado de  Pau Baçu ou Movimento Heliotropista, que pouca gente sabia o que ora ou o que significava. O movimento ganhou as ruas com faixas, figurinos exóticos, caras pintadas e entrevistas em jornais. Muita gente de teatro se juntou ao pessoal de música e o manifesto foi lançado no Theatro 4 de Setembro quando se apresentava um espetáculo chamado "O Sangue Pagão Volta", de Artur Rimbaud. Nada mais apropriado. O manifesto lido no palco baixava o cacete na política de cultura desenvolvida pelo governo do Estado.
             De minha parte, e de alguns amigos de teatro, que não davam trégua na luta contra o descaso  cultural, aquilo era uma mão na roda. No entanto, preferimos ficar nos bastidores do movimento, apesar de termos consciência de que a luta era coletiva. Fomos até criticados por essa decisão. Mas era que naquele momento lutávamos em várias frentes, como membro da Federação de Teatro Amador do Piauí - Fetapi, uma entidade que atuava em todo o Estado, e era bastante respeitada. Então, entendíamos, também, que a luta devia ser permanente e não movimentos estanques como era o Pau Baçu, que de fato durou pouco.
             A luta encarniçada da Fetapi era para tirar o tal tenente da direção do Theatro 4 de Setembro Lembro que exatamente naquele período o Grupo Raízes estava em cartaz com a peça "Mata-me Com Teus Beijos", de Rubens Lima, dirigida por mim. O grupo ia apresentar-se no Theatro, mas quando chegou o cenário o tenente queria proibir a apresentação alegando que o Grupo iria encher o palco de porcaria. A negociação foi tensa e terrível. Apresentamos o espetáculo, mas a luta aumentou ainda mais.
               Foi quando surgiu a ideia da ruma de bosta. Era simples. Se o Secretario de Cultura do Estado junto com o Presidente da Fundação Cultural do Piauí não substituíssem o tenente da direção do Theatro 4 de Setembro. a Federação do Teatro Amador do Piauí contrataria uma fileira de carroças carregadas de bosta de vaca e,  em plena madrugada, mandaria despejar na porta da Secretaria de Cultura do Estado do Piauí. Pronto. Que ideia genial! Seu autor, Lili Martins, grande ator. Com certeza as manchetes estariam garantidas. A gente ria só de pensar. O danado era exatamente como sair ileso do caso sem que ninguém descobrisse quem teria feito aquilo, nem a policia.
               O fato é que a pressão aumentou na exigência pela saída do tenente,como aumentou também a luta por mudanças estruturais na política cultural do Estado, sem dúvida alguma ajudado pelo movimento Pau Baçu. Foram reuniões por cima de reuniões entre artistas e dirigentes dos orgãos de cultura. Como era unanimidade a saída do tenente, ele terminou sendo substituído. Foi a primeira vitória.                 
               Então, a ideia da ruma de bosta ficou só no plano. Bons tempos aqueles em que a classe artística tinha grande poder de pressão.
                

TEMPO DE CONTAR