segunda-feira, 11 de julho de 2022

A PEDRO O QUE É DE PEDRO

                                                        Em memória do cordelista piauiense Pedro Costa.

    

         Vamos falar do Pedro Costa amigo, companheiro e operador da cultura e das causas perdidas, durante mais de trinta anos em que convivemos, sempre de forma respeitosa e de absoluta confiança.

          Ele gostava de repetir como tínhamos nos conhecido, e de como eu o convidei para fazer teatro, de forma um tanto jocosa, como sempre fazia com as coisas inusitadas. Na realidade, nunca contei minha versão, não havia necessidade. Mas agora em, sua memória, podemos relatar com mais profundidade como se deu nosso primeiro encontro.

         No final dos anos setenta eu era estudante de arte da Universidade Federal do Piauí, curso de Educação Artística-Artes Cênicas. E ganhara uma bolsa para formar um grupo de pessoas para fazer teatro, a chamada Bolsa Arte. Formei um grupo de pesquisa teatral para atuar em comunidades de Teresina. Escolhemos o bairro Bueno Aires, na zona Norte de Teresina, para começar o trabalho.

        Lembro que estava apresentando o espetáculo infantil Chiquinha, no Theatro 4 de Setembro, e notei aquele menino falador e esperto, vendendo bombons e outras coisas. Como estávamos precisando de pessoas para formar um grupo de teatro, lá no bairro Bueno Aires, convidei o rapazote para o grupo. Quanto a reação dele ao convite, a parte que Pedro Costa contava para as pessoas, é verdadeira. “É preciso ser viado pra fazer teatro?” Foi sua pergunta na lata. Não, pelo menos, eu não sou. Respondi. A partir de então, nasceu uma amizade que durou por décadas. Pedro Costa, antes de ser o cordelista e poeta popular mais destacado do Estado, começou a fazer arte no teatro.

             Depois dos primeiros anos, em que ele atuou em alguns espetáculos, compareceu a festivais de teatro e, pasmem, foi presidente da Federação do Teatro Amador do Piauí, Pedro Costa apareceu com a viola e com os cordéis. Ele já tinha pavimentado o caminho rumo a sua saga de cordelista. Fundou o Sindicato dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí, e promoveu alguns festivais e debates, sempre me colocando como membro efetivo desses movimentos. Eu fazia o papel, digamos, de eminência parda dos seus sonhos, tratando dos editais, estatutos e da criação do que ele planejava. Mesmo por que meu campo era o teatro.

           Pedro era incansável, rápido, avexado no que fazia. As vezes me surpreendia, e me fazia repreendê-lo, mas tudo numa boa. Um exemplo, foi quando da criação da Revista de Repente. Ele chegou na Fundação Monsenhor Chaves, onde eu trabalhava, e mostrou a ideia. Adorei. Disse prontamente que íamos fazer a revista. Eu tinha a pretensão de uma revista vistosa, nos moldes dos Cadernos de Teresina, lançado pela Fundação. Cheguei a colocar a ideia para o Professor Wall Ferraz, que aprovou. Comecei a trabalhar no projeto.  Pois não durou vinte dias Pedro Costa chegou com a primeira Revista de Repente nas mãos. Fiquei passado, como se diz. Uma revistinha pequena, tímida, parecendo um cordel. Deu vontade de xingar o infeliz. Mas depois fiquei pensando se não foi melhor assim. A revista progrediu, ajudei a construí-la e ela se tornou um veículo imprescindível de comunicação dos poetas e cordelisras do Brasil.

           Pedro me telefonava a qualquer hora e momento. Fosse para falar de projetos, viajar pelo Piauí ou simplesmente cair na noite. Muitas das viagens memoráveis pelo Estado, participando de festivais de violeiros, feiras de livros e palestras, teve a presença do meu querido Luís Carlos, filho do Pedro. Para mim era uma total desopilação escutar pai e filho, piadas e causos sem fins. Alguns nada politicamente corretos. Com Pedro Costa, montamos uma banca de cordéis no mercado velho, que depois se transferiu para o Centro de Artesanato. Com Pedro, participamos ativamente da criação da Fundação Nordestina do Cordel – FUNCOR. Mas o passo definitivo com ele foi quando fiz o Projeto Cordel nas Escolas, através da Fundação Nordestina do Cordel, para o Ministério da Cultura. Lembro que vencida cada etapa do Projeto, era uma festa. Literalmente. Mesmo por que  Pedro era um bom vivant.  Foi o primeiro Projeto do Piauí a ser conveniado com o Minc, criando os chamados Pontos de Cultura, a mais festejada ação cultural do governo Lula e do então ministro da cultura Gilberto Gil. Portanto, Cordel nas Escolas foi o primeiro Ponto de Cultura do Piauí.  O Projeto Cordel nas escolas transformou a Fundação Nordestina do Cordel. Deu estrutura a entidade, com sede própria e equipamentos. Atuou em mais de duzentas escolas do Estado, e ganhou todos os prêmios possíveis do Ministério da Cultura.

          Posso dizer que foi uma amizade saudável, sem trincos, generosa de um lado e do outro. Pedro dizia que era meu fã, e eu dizia pra ele que eu só servia para ajuda-lo em suas loucuras, e salvá-lo de alguma enrascada, por que de viola e de cordel eu não entendia bulufas. Mas o ajudava em tudo que ele planejava, e em que eu via seriedade e futuro. Uma das suas últimas criações que participamos foi a criação da Academia Piauiense de Literatura de Cordel – APLC, na qual temos uma cadeira, e fiz questão de meu patrono ser o professor e dramaturgo Gomes Campos.

          Pedro me ouvia, o que não o fazia com qualquer um. E eu o escutava, até nas entrelinhas. Era necessário. Quantas vezes falamos sobre a vida e a morte, e a pressa de apressar a morte. Suas histórias, causos, piadas e tiradas que vivemos merecem muito mais do que um simples relato como esse. Quem sabe um dia nas memórias do tempo não possamos contá-las? Enfim, ele se foi. Muito cedo. Mas viver a vida não é para os fracos. E Pedro Costa viveu.