sexta-feira, 29 de junho de 2012


                                 A DESLUMBRANTE CANTATA DE UM NORDESTE MUNDO.


              Muitas vezes é necessário deixar as lágrimas cairem para que nosso coração se abra de amor e esperança em tempos tão ásperos e dificeis. Sentir e deixar fluir em nosso corpo e mente a Cantata Gonzaguiana apresentada pela Orquestra Sinfonica do Piauí, sob a batuta do maestro Aurélio Melo com a participação do humorista João Cláudio Moreno, é um desses momentos raros de beleza e encantamento.
              Pode até parecer uma proposta arrogante misturar duas referências tão distintas, uma orquestra sinfonica, portanto, erudita, com a música gibão de couro genuinamente popular. No entanto, a mistura é absolutamente corajosa e a empreitada da diversidade ganha verdadeiro sentido de contemporaneidade, permitindo que explodam idéias novas e provocadoras.
              Chama a atenção a força que esse tipo de encontro entre duas formas que parecem desguais podem suscintar, gerando até a suspeita de que algo possa dar errado como, por exemplo, a qualidade técnica. São tantos instrumentos, músicos, uma parafernália na cena que ficamos apreensivos, mas no caso da Cantata Gonzaguiana tudo parece promover uma cumplicidade entre os criadores que fica visivel ao público, verdadeiro sentimento de prazer fazendo com que a música que chega a platéia fique na memória de todos muito depois do show terminado.
              Dois artistas, também diferentes Aurélio Melo, a simplicidade criadora e João Cláudio Moreno, a fúria do talento - e é bom que sejam diferentes - para que as escolhas se atraiam, as escolhas que podem ser estéticas, técnicas ou éticas, com as quais os dois artistas se comprometeram desde o instante em que decidiram traçar suas metas, seus caminhos para a sublime criação de um espetáculo tão grandioso. Como é bonito ver os rostos dos músicos na alegria contagiante e na generosidade de seus gestos, compartilhando plenamente do momento dos dois artistas.
              Segurar a emoção não é possivel e nem é bom mesmo, quando o som de violinos, sanfona, violoncelos e tantos outros instrumentos tomam conta do palco, construindo uma malha de pura sincronia que deslizam para o espaço, vibrando em cada corrente de ar levando em redemoinhos para as estrelas e as galaxias a música de um ser imortal, que tinha a voz forte e gutural, que parece estar ali à nossa frente, Luiz Gonzaga, o velho Lua, rei do baião, encarnado na pessoa de um homem, um ser pleno de luz, um artista genial, João Cláudio Moreno.
             Fechamos os olhos e a Cantata Gonzaguiana é o sertão de um nordeste mundo. Não vamos falar do repeertório escolhido, nem descer detalhes sobre o conjunto da obra, como arranjos, direção, outros signos do espetáculo.
            Vamos lembrar da força do artista piauiense na superação de tudo. Vamos lembrar de vaqueiros, caatingas, sabiás, anus, acauãs, asas brancas, exodo rural, seca. Vamos lembrar de terreiros, danças, oratórios, fé, forró, xotes, baião, rios e estradas de uma forma que nos toca profundamente, mostrados em um espetáculo para encantar a humanidade.