quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

CHICO PEREIRA OU O DESTINO DE DUAS RAIMUNDAS - FIM

   
       Em relação aos espetáculos e ao fazer teatral da Semana, foram altamente positivos. Realização dos cursos com os profissionais Carlos Murtinho e Isis Baião, ambos vindos do Rio de Janeiro, o que oportunizou a diretores, atores e técnicos locais, a discussão sobre o fazer teatral. Muito se discutiu a dramaturgia de Chico Pereira, ver Chapéu de Sebo; Reino do Mar Sem Fim, Raimunda Jovita Na Roleta da Vida e O Trágico Destino de Duas Raimundas e, apesar dos comentários, não é  uma coisa extraordinária e sem igual. Mas enfim Chico Pereira é nossa maior expressão do teatro nacional, coisa bem nossa, temas nossos enredos nossos. E seu valor está na transfiguração dramaturgica, no apuro da carpintaria teatral, no jogo sutil de palavras e no humor de entrelinhas quase perfeito. Resaltando-se ainda o cheiro de futuro que só os grandes autores conseguem. 
        É formidável tirar da história do Piauí como ele o fez, textos tão significativos, tão profundos. Só mesmo com sua prática constante de dramaturgia e o conhecimento da nossa história e da nossa sociologia. Nos dois espetáculos montados, o que ficou? Imagens pra prender os olhos e a atenção.; contundentes imagens, jogos de palavras que deleitam a todos. Mas tanto na Raimunda Jovita na Roleta da Vida como no O Trágico Destino de Duas Raimundas, as Raimundas que aparecem, Raimunda Jovita, Raimunda Borborema e Raimunda Joaninha,  são mulheres que apesar de toda garra e de ultrapassarem barreiras, são vencidas pelo machismo, e caem no mundo, não conseguem ultrapassar seus próprios limites. A gente fica até a desejar mais das Raimundas, mas tudo bem.
         Quanto a atores e diretores dos espetáculos, a direção de Raimunda Jovita na Roleta da Vida, de José da providencia, foi ótima. Evidenciou ao máximo a personagem central, que carrega o espetáculo de ponta a ponta. Agora houve atropelos. O espetáculo não tinha uma armação criativa, essa coisa de pegar o texto e direcionar, como fez Arimatan Martins em O Trágico Destino de Duas Raimundas, usando as mil e uma noites, aquela coisa de transcender o texto. O espetáculo Raimunda Jovita exagerou em cores, o providencia não atentou para a cor do espetáculo. Também existiu problemas de atores. Nossos melhores atores pecam pelos mesmos erros. Lary Sales não consegue sair de uma dramaticidade permanente, e torna-se muito rigida em cena. , tendo um grave erro também de tonalidade vocal. Escutamos o tempo todo o mesmo tom de voz. Fabio Costa ainda não aprendeu a dominar-se em cena, corre o palco sem necessidade e dai vem uma rapidez que voz que o expectador não acompanha. Depois a expressão facial não muda, não acompanha o sentimento do texto. : são sempre olhos dilatados, gestos contidos. No entanto, são coisas faceis de dar um jeito.
          Diferença grande de Leonora Paiva e Lorena Campelo, em O Trágico destino de Duas Raimundas. Leonora Paiva aliando dança e interpretação tem o dominio do palco. Consegue sair de uma cena dramática para uma cena de humor com a mesma carga de interpretação. Lorena Campelo, talvez uma das únicas atrizes piauiense que modula a voz conforme a cena exige, tem um dominio impressionante sobre a personagem. E aqui não vai a questão simples de mudar de voz, mas sim carrega-la de tonalidade e emoção dramática. Em O Trágico Destino de Duas Raimundas está o exemplo de duas atrizes em angulos opostos, uma que tem domino sobre o palco e a outra sobre seu personagem. As duas tem um potencial incrível a ser desenvolvido e, de longe, foram as melhores atrizes dos dois espetáculos apresentados.
         A Semana Chico Pereira deu oportunidade, também, para conhecermos novos valores do teatro local, como Pinho Goudinho, José Dantas, Edy Ary, Francisco Pellé, Wilson Costa, Augusto Neto, assim como o retorno de Airton Martins e a aparição da estrela de Arimatan Martins como diretor. Ele que soube dimensionar a ora de Chico Pereira, dando-lhe aquele toque futurista a que nós nos referimos.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

CHICO PEREIRA OU O DESTINO DE DUAS RAIMUNDAS - I

                                                    (Publicado no Jornal da Manhã, de 19.12.1985)

              Chegou ao final a Semana Chico Pereira, ocorrida de 09 a 15  próximo passado.Com ela a certeza de que um dos mais importantes eventos foi cumprido na historiografia do teatro piauiense. Nosso teatro que, sem dúvida alguma, foi a arte que desabrochou, afirmou-se e brilhou soberana no decorrer deste ano. Com o término da Semana Chico Pereira fechou-se um ciclo brilhantemente,  dando-nos a certeza da maturidade em que nosso teatro se encontra, ao mesmo tempo em que abre um leque incrivel de considerações, debates e analises desse árduo caminho percorrido pelo nosso teatro.E é sobre este prisma que vamos abordar a Semana Chico Pereira enfocando, de um lado, a própria Semana e, do outro, seus dois textos encenados, ou sejam: Raimunda Jovita na Roleta da Vida e O Trágico Destino de Duas Raimundas.
                 Sobre a Semana Chico Pereira muito se tem a dizer. Deixando de lado os lances sem muito relevo, vamos abordá-la de três ângulos que achamos da maior importância para uma futura promoção deste porte. Mas antes vamos dar vivas e palmas para Tarciso Prado, o idealizador e realizador da Semana que, com garra, sangue e pique total sacudiu mais uma vez o pó de velhas estruturas e desnudou outra vez a burrice e a ignorância de nossa tecnoburocracia cultural. E bota burrice nisso. Os três enfoques que gostariamos de abordar  sobre a Semana são bem simples: Primeiro uma certa falta de planejamento. Em teatro, e Tarciso sabe disso, a equipe é imprescindivel. Para nós faltou um trabalho em conjunto na Semana Chico Pereira. Claro que tem os percalços, inerente a todo grande evento. É tanto que a Semana esteve ameaçada de não acontecer, mas aconteceu, felizmente. Faltou mais entrosamento, para evitar os furos, como por exemplos, o espaço livre que não funcionou e iria ajudar muito na manifestação de outras áreas culturais, como da própria manifestação da Semana.; O lançamento do livro de Francisco Pereira da Silva e a não presença do diretor teatral Aderbal Junior, foram outros furos da programação. 
              Apesar da ajuda de muitas pessoas, Tarciso prado terminou realizando a Semana quase sozinho, muitas ajudas foram isoladas e as pessoas envolvidas diretamente no evento só deram conta das montagens que seriam levadas durante o evento. Talvez tenha faltado um trabalho maior junto a classe teatral, com exposição de propostas, e temos certeza, que todo o movimento teatral teria se engajado. Nesse sentido, também verificamos uma falha incrivel na divulgação. Outro ponto que nos chamou atenção foi a importancia que se deu a presença de autoridades na programação. Era o Secretario de Cultura, o Prefeito, não sei lá mais quem, atrasando tudo, e terminando nem comparecendo. Ora, é preciso acabar com essa coisa de fazer arte para autoridades se deleitarem. Para isso eles promovem seus próprios eventos. Arte é para o povo, pode ser que a partir daí, quando o povo tomar de conta de suas manifestações, as autoridades possam enxergar e dar valor, por que mesmo elas precisam do povo para se manter nos seus postos. Esperar por comparecimeno de autoridades para assistirem aos nossos espetáculos, é perda de tempo. Eles não estão interessados em nossa arte, o que é uma pena porque estão perdendo belissimos espetáculos e o que é pior, uma boa oportunidade de crescerem culturalmente. Esse negócio também de mandarem seus representantes já está enchendo o saco. Por último vamos falar do aspecto economico da Semana Chico Pereira. Sabemos do gasto com a produção, sabemos do pagamento de atores, diretores, técnicos, do sacrificio que foi feito para isso. Não entramos na questão do dinheiro, mas em outro aspecto. Por que tudo de graça? Houve patrocinio da prefeitura? De outros orgãos? Por se ter ganho a publicidade? Se foi para o povo vir ao teatro, a intenção foi ótima. Agora nossa colocação acima, por ter sido de graça, é que nesse momento, em que o teatro piauiense busca se afirmar, é tremendamente prejudicial ao movimento de teatro amador, que luta no escuro para produzir teatro e que não tem oporunidade de patrocinio. Depois foram ótimos espetáculos e que mereciam plateias pagantes. Até que a estreia poderia ser de graça, por ser festa, mas certamente teatro de graça não é a melhor forma de manter público para o teatro. Isso não cria hábitos, pode criar vicio. E como manter produções dessa forma? Se os atores foram pagos porque a Semana foi patrocinada, até quando vai ser assim?Só se forem patrocinados nossos atores vão ganhar dinheiro?                .

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

VOU COMER A CANTORA - FIM


           Saiu do salão e foi direto para uma banca pegar uma caipirinha, e tome caipirinha. Quando voltou para o salão parece que pisava em nuvens, mas a cantara não estava cantando. Passeou os olhos pelo ambiente a viu com um grupo de moças. Entre as moças estava Selminha. Foi mão na roda. Chegando no grupo Selminha quase se joga em cima dele.
         - Dorinha esse é meu primo! Disse a moça segurando sua mão - Ele mora na capital.
           Quando Dorinha, a cantora, olhou para ele aqueles olhos pareciam duas lagoas azuis, cheias de desejos incontidos. Ela estirou a mão para ele e ele a segurou por instantes.
         - Ah, muito prazer, Angelo... Você canta muito bem... Disse quase sem folego.
         - Brigado, brigado mesmo...
           A moça não falou mais nada, por que seus olhos e seu corpo já falavam por ela. Foram apenas alguns segundos.
        - Ah, vou ter que cantar, chegou minha vez - Disse ela - Depois eu volto pra conversar mais...Angelo...
          Ele ficou tão ansioso que para sair daquela angustia dançou com Selminha. Depois levou a prima até a uma barraca de café e bolo de goma. Ela ficou exultante de alegria. Mas seu pensamento era na cantora Dorinha, uma pensamento intensivo, tempestivo, quase cruel. Como aquela cantora seria sua?
          Quando voltou para o salão com Selminha a cantora já se encontrava no mesmo lugar de antes. Ficaram todos  conversando. A seresta corria solta. Cardosinho e seu teclado era um sucesso. Quando menos ele esperava o Zaca tirou Selminha para dançar. Foi um alivio.
           Dorinha, disse na lata.
         - Queria ir pra capital, é meu sonho!...
         - Pois vamos- Emendou ele.
         - Namoro com o guitarrista...
           Meu deus! Pensou ele. Com aquela marmota? Todavia, menos mal pois ele pensava que a cantora fosse mulher de Cardosinho.
         - Mas ele sabe de meu desejo, num vou morrer aqui nessas brenhas.
         - Você tem toda razão...
            Os dois caminharam até a penumbra da noite, os corpos ávidos. As mãos, as bocas, as pernas eram puro desejo. Não foram mais do que dez minutos, mas o tempo se eternizou. Estava na hora dela cantar.
          O cheiro de Dorinha não saiu mais de suas narinas . Aquela moça iria sim para a capital e, com seu talento, ganharia o mundo. Quanto a ele estava satisfeito e agradecia a todos os deuses do universo. Jamais esqueceria daquela cantora, e faria tudo para ajudá-la.
            A seresta de Cardosinho com seu teclado, a guitarra do marmota e a voz de Dorinha, suavam em seus ouvidos como a melhor coisa do mundo! Ainda mais com os olhos e o sorriso de Dorinha fixos nele..