quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

VOU COMER A CANTORA - II


          Tomaram não só um mas vários tragos de Velho Barreiro, um aguardente muito na moda por aquelas bandas. Foi quando ele notou que estava vendo as coisas meio enviesadas.
       - Tu  já viu a cantora? Perguntou o Zaca.
       - A cantora!...
       - Da seresta... Oh, bicha arretada primo!...
         Ainda não tinha  visto o próprio grupo da seresta. Entrou na casa e foi comprovar a assombração do primo. Quando chegou no local onde o grupo estava tocando a imagem do que pensara foi pior. O homem do teclado, o afamado Cardozinho, tinha o cabelo black power, uma mistura de James Brower com porco espinho, e vestia uma camisa colorida espalhafatosa. Sem contar que o equipamento era mais fuleira do que imaginara. A seu lado, um tocador de guitarra, uma guitarra mais antiga que ronca. Tudo nele chamava atenção, e ele parecia fazer questão disso.A cara do sujeito era uma mistura de macaco prego com guachinim. E o kichute que ele calçava era daqueles feito com pneu de carro, maior do que seus pés..O guitarrista era uma marmota em pessoa.
          Não distinguiu bem quem o Cardozinho tentava imitar na voz, mas logo veio a lembrança, Amado Batista, um cantor brega ovacionado por toda a região da Roça dos Pereira. Não era bem uma imitação, era uma tentativa. E péssima.
        - Fii d'uma égua pra cantar, meu primo! Zaca quase estoura o ouvido dele.
          Quando já estava desistindo de ouvir aquela voz fanhosa, foi surpreendido com a aparição de uma moça com um microfone na mão. Era a cantora. Quando ela começou a cantar vários casais tomaram conta do recinto. Era uma voz suave, penetrante, cristalina. Se a luz daquele ambiente era fraca a luz que vinha daquela criatura iluminava tudo. O vestido era simples, discreto, apenas de uma cor, deixando seu belo corpo  a vontade.O rosto era perfeito, emoldurado por dois olhos de prazer ao cantar,. Nada daquilo era resultado de sua bebedeira.Ela existia.
       - Viu, primo? Oh, diaba linda! - Era o Zaca de queixo caido - Ela é lá do sossego...
          Só podia ser mesmo, pensou ele. As moças do Sossego não negavam beleza. Aquela criatura era realmente bela. Não estava mais se incomodando com a feiura de Cardozinho nem de seu guitarrista, e muito menos com a desgraceira que era seus equipamentos musicais. Com aquela voz em seu ouvido e aquela estampa a sua frente, a seresta estava se transformando na coisa melhor do mundo. Ficou como que paralisado na frente do grupo musical. Seu pensamento era um só, ia comer aquela cantora. Só ainda não sabia como.  .


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

VOU COMER A CANTORA - 1


        Quando ele chegou na Roça dos Pereira para mais umas férias, era só no que falavam, a seresta na casa de seu Francelino Alves, o seu Lino. Mas a coisa ia além, até no Pajeú, sem falar nos Lajedos e na Lagoa de São Francisco, se ouviam os comentários. Pajeú ficava depois da Roça de Baixo. Pois é, a Roça dos Pereira era dividida em Roça de Baixo e Roça de Cima, sem ninguém saber o porque da divisão, já que as duas não tinham diferença nenhuma. A não ser que na Roça de Baixo ficavam os garimpos de opala, uma pedra preciosa que mudava de cor, e por quem os homens se matavam. Mas a Roça de Baixo já existia muito antes desses garimpos.
         A verdade é que todos os moradores da Roça dos Pereira pareciam super ansiosos pelo dia da seresta. Vai se ver era porque os dias naquela terra pareciam não ter fim. Agora ele não via a menor graça naquilo tudo, afinal de contas estava apenas passando férias. Mas pensava na chatice que seria. Um sujeito berrando no teclado, que devia ser um aparelho ultrapassado e, no máximo, um arranhador de guitarra a seu lado e uma mocinha querendo imitar alguma cantora de banda de forró dessas que infestam o país. Realmente devia ser um porre.
          Foi o primo Aliomar, chamado por todos de Zaca, que ele não sabia por que, que o alertou:
        - A seresta vai ser com o grupo do Cardosinho, primo. Lá do Sossego, o caba é bom!
        - É bom, é? Interrogou ele com désdem.
          Mas a palavra Sossego o fez pensar. Era no Sossego que tinham  as moças mais bonitas de toda a redondeza da Roça dos Pereira. Eram faladas não só pela sua beleza, mas também por um problema genetico, pois quase todas nasciam surdas. Então, como não ouviam apenas sorriam o tempo todo, mostrando toda sua candura. Uma beleza! Para namorar, então! Podia ser que com o Cardosinho viessem muitas moças do Sossego.
          E foi pelas moças do Sossego que ele resolveu ir a tal de seresta. Quem fico alegre por demais foi a Selminha, filha de dona Vicentinha. Mas essa não cotava por que ele estava acostumado a lamber seus peitos, meter o dedo em sua xereca e gozar por trás, para não ter problema de pegar barriga. Sim, ele iria para a seresta na casa de seu Lino, o velho Lino da Roça dos Pereira.
          A casa de seu Lino ficava na Roça de Cima, uma das casas grandes do lugar com energia eletrica. O terreiro era grande que proporcionava os rapazes jogar bola nas tardes de domingo. A seresta era para comemorar o final das farinhadas daquele ano, que tinha sido realizada por quase um mês. Uma fartura imensa!
          Quando chegou lá sentiu um clima de baixo astral. Nem as barraquinhas de vendas que se espalhavam pela frente da casa, onde se podia beber pingados e tomar café com bolo de goma, o animaram. Ele e Zaca se juntaram a outros rapazes, primos e amigos. Entrou no salão de dança mas não teve coragem de ir até o grupo que tocava, pois sentiu exatamente o que tinha pensado. A música parecia vir de debaixo da terra, com um som abafado e incompreensivo. Saiu rápido para o terreiro, respirar ar puro e tirar o cheiro de patchulli das narinas. Selminha imediatamente o agarrou pelo braço e segurou sua mão. Cadê as moças do Sossegou, pensou. O jeito foi ficar com a prima, matando o tempo.
         - Vamos dançar, vamos primo! Falava Selminha toda assanhada.
         - Calma, Selminha!...
           A moça só o largou quando viu sua total falta de entusiasmo para dançar. Então, ele saiu pelo ambiente curiando. Continuava a não ver nada que o animasse. O baixo astral da chegada continuava invadindo sua cabeça. Devia ter ficado em casa deitado na rede do alpendre contando estrelas.
         - Primo, vamos tomar um trago! Era o Zaca.
         - É, vamos - Disse laconicamente.