quarta-feira, 16 de novembro de 2011

TEMPO DE LEMBRAR.

I

NO SOPRAR DO VENTO.



A primeira vez que ouvir a canção "Blow in The Wind", de Bob Dylan, foi em um posto de gasolina no interior do Estado do Maranhão. O ano era 1965 e o tempo era de um inverno de matar sapo em lagoa. Eu, minha mãe e minha irmã menor, fazíamos a viagem de volta para o estado do Piauí, fugindo da revolução de 1964, que caçou, por corrupção o mandato de meu, que era vereador da cidade de Altamira daquele estado. O posto de gasolina ficava à beira de uma estrada carroçal que há muito tinha se transformado numa buraqueira de barro e lama vermelha. De limpo por ali só a bomba da Texaco, coberta por um teto de zinco que brilhava ao sol desafiando os olhos das pessoas. Aquela bomba, deixava restos de gasolina e oleo diesel encharcando o chão, de onde exalava um cheiro forte que se misturava ao fedor do próprio local.

Tinhamos chegado na carroceria de um caminhão entupido até as nuvens com sacos de algodão. Além dos sacos de algodão, vinham uns engradados cheios de galinhas e patos, que cacarejavam o tempo todo,como prenuncio de desgraças, toda vez que o caminhão dava solavancos. Como aqueles engradados, para não cairmos da carroceria, minha mãe tinha amarrado uma corda em torno de mim e de minha irmã. E, assim, pudemos fazer aquela travessia de três dias de viagem até chegar naquele lugar, uma especie de entrocamento, por onde passavam muitos carros. Era ali que ìamos pegar um deles para vir para Teresina. Na viagem até ali, além de enfrentar o inverno com ventos e chuvas tempestuosas batendo no rosto de cada um de nós e encharcando nossas roupas, o fantasma da fome deixava eu e minha irmã menor paralisados.

Olhar para aquelas galinhas de cristas caídas e olhos assustados era o ùnico passatempo que me fazia esquecer do perigo da viagem. Aqueles animais enjaulados e inofensivos eram como nós, sem saber qual o destino que nos podia reservar. Pela minha imaginação passava, como um filme em preto e branco, a reconstituição dos nossos últimos momentos na cidade de Altamira. A saída da casa de onde moravamos, onde passei os melhores anos de minha infancia, num tropa de seis burros e o povo curioso, à porta de nossa casa, vendo a partida da familia, sem entender o por que de tudo aquilo; A ausência de meu pai, que tinha fugido para não ser preso pelo exercito, e o tropeiro que ele contratara para nos levar até o embarque na caminhão que nos levaria para aquele entrocamento; Os olhares de todas aquelas pessoas e o silencio de cada um que só era quebrado pelo soluço de minha mãe que teimava em não se esconder; Aquele tropeiro, que era mudo como seus próprios burros, mas que eu nunca esqueceria sua energia e a sua firmeza na condução da tropa. Lembro de não ter escutado a voz daquele homem uma ùnica vez, mas não deixara de sentir total segurança na viagem em cima daqueles burros. Aquele silencio era muito diferente do silencio do motorista do caminhão, um tipo frágil e esquisito, que parecia estar atrás de ajuda.

Quando o caminhão parou naquele posto, minha mãe desceu da boléia e fez o motorista subir até o alto da carrada de algodão para descer eu e minha irmã. Em terra firme, o homem despejou nossos pertences composto de um monte de malas, sacos e trouxas. Ao lado daquele monte de coisas, na beira daquela estrada e perto do posto de gasolina, ficamos à espera de outra condução que pudesse nos tirar dali.

O caminhão e seu motorista taciturno seguirm viagem, e minha mãe tratou de arranjar alguma coisa para comermos. Foi naquele espaço de tempo, enquanto esperva por comida e tomava de conta das coisas e de minha irmã, vendo aquele movimento de pneus, apitos e um bando de gente estranha, que aquela música invadiu meus ouvidos e contagiou minha mente. Mesmo com o fim daquela música ela parecia se repetir infinitamente dentro de meus ouvidos, e eu só fui despertado quando minha mãe chegou e nos levou para um quiosque perto dali.

Nunca mais me sairia da lembrança aquela viagem e aquele silencio de morte em cima da carroceria daquele caminhão, eu com olhos pregados na estrada que se perdia no horizonte,como uma linha sinuosa que parecia não ter fim. Como aquela estrada, a voz daquele cantor que chegou aos meus ouvidos naquele posto de gasolina, vinda de não me lembro de onde, nunca mais sairia da minha cabeça. Uma voz estranha, que parecia arranhar a garganta de quem cantava, e que penetrou meu corpo frágil, e que parecia me fazer flutuar e entender tudo o que ele dizia, e me fazer alegre por dentro e esquecer das coisas ruins daquele momento.

Doze anos depois daquela viagem eu sabia tudo, ou procurava saber de quase tudo sobre Bob Dylan, sua vida e sua obra e, principalmente, sobre "Blow In The Wind", que se tornaria um hino de uma geração de pessoas no mundo inteiro. Para mim tudo o que ele fazia era o máximo, e eu não cansava de demonstrar isso para os amigos, é tanto que meu apelido, entre os mais intimos era B.D.