quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O MIADO DO GATO - PARTE I

            Do alto dos seus oitenta anos dona Jerusa Carmelo tornara-se uma exímia matadora de gatos. Não sabia mais com exatidão como e quando tinha pego tanta ojeriza pelos bichanos. As lembranças falhavam, mas aqui e acolá, elas vinham na sua memória como turbilhões e se mostravam nitidas e claras, levando-a a se lembrar de um passado há muito enterrado na sua cabeça, e que ela não tinha interesse nenhum em reviver. Tão distante aquilo, mas ainda hoje fazendo parte de sua vida.

             Não tinha mais de doze anos e já era uma mocinha feita com os peitinhos furando a blusa e o olhar penetrante para o corpo dos homens.

             - Jerusa, vá cuidar dos gatos, menina!

             - Cuidar dos gatos, mãe?...

             - Dá comida, vá!

               A mãe sempre vigilante não desgrudava dela um instante, foi quando deu de inventar dela cuidar da penca de gatos existentes na casa. Disso dona Jerusa se lembrava, memórias que iam e vinham, por que foi a partir do dia que passara a cuidar dos gatos da mãe que sua vida virara um verdadeiro inferno.  Os gatos em pouco tempo viviam atrás dela, e alguns deles, quando não pulavam em sua cama, deitavam-se debaixo. Ela tinha perdido o sossego na sua própria casa, e foi assim que começou a tramar de como se livrar dos gatos. 

              Dona Jerusa Carmelo se mudara para a cidade grande ainda jovem para que os filhos estudassem. Conquistara amizade e respeito, e era uma senhora querida pelos vizinhos e pela comunidade onde morava. Mãe de três filhos criados por ela quando o marido desapareceu de sua vida, deixando-a ainda muito jovem com tamanha responsabilidade de manter a casa. Temente a Deus e devota de Nossa Senhora da Conceição ela venceu todos os obstáculos á su frente, e deu aos filhos exemplos de coragem e honradez. Seus filhos eram motivo de orgulho não só para sua família mas para todos que os conheciam. A história dos gatos de sua mãe passaram muitos anos escondidas nas suas lembranças, mas tinham retornado com muita força a alguns anos com tantos gatos na rua e pelos telhados das casas. Parecia uma peste de cidade grande. Era preciso dar um jeito naquilo, pensou dona Jerusa.   .