segunda-feira, 15 de julho de 2019

A DOR PRETA DO CIÚME - FINAL


        Procurava a culpa loucamente, mas só encontrava correção, retidão e firmeza em seu linear caráter de homem trabalhador. Não adiantava querer mudar agora, treinar palavras bonitas, pouses decididas. Nunca se imaginava outro homem, super nada, principalmente agora se fazer bonito para a esposa. Até mesmo se olhar no espelho do banheiro de sua casa, depois do banho solitário, penteando lentamente os cabelos, único luxo que ainda se permitia, agora era uma dificuldade.
      Não. Por mais que procurasse razão para tudo aquilo a mulher não tinha. Ele sempre fora um homem cumpridor do dever, inclusive, na cama. Mas agora aquela flecha preta, a dor do ciúme em tudo que ela fazia. O sorriso, a pele brilhante, o palavreado ao telefone, o nome do vizinho na boca a qualquer momento, e o desejo de fazer coisas além da condição do casal. A cada dia a mulher ficava mais bela e sorridente.
       A maturação do que fazer o fazia introverter-se cada vez mais, deixando-o nervoso, ranzinza, sufocando as lágrimas e fugindo dos poucos amigos, o terror do clichê estampado no meio da testa! Decididamente não era só ele que tinha sentido as mudanças na mulher, seu sofisticado comportamento, sua safadeza. Entre os amigos ele já era, quem sabe, um tremendo corno manso.
        A decisão a tomar corpo dentro do seu coração o fazia perder o prumo, o rumo de tudo. O cabeça e o corpo sem obedecer qualquer pensamento que ainda tentava imprimir dentro de si. Então, deu-se ao luxo de olhar as pessoas dentro dos olhos, levantar a cabeça a um cumprimento, rabiscar  em papeis coisas pronograficas e sair da repartição segundos antes do fim do expediente. Coisas antes inimagináveis.
        Quando seguro do que fazer pensou em viver um dia diferente em sua vida. Um dia em que não engoliria mentiras, em que não sofreria humilhações sem revidar, em que não faria de mão beijada tudo que lhe pedissem. Um dia em que não soaria frio com medo do amanhã. Conteve toda a ansiedade que desritmava seu coração, e parecia querer travar a sua língua. O que fazer estava decidido. e não perguntaria absolutamente nada a ela. Nem todas as dúvidas do mundo que povoavam sua cabeça iriam impedir sua vingança. Que a mulher continuasse a alardiar as bondades e a riqueza do vizinho. Tudo aquilo iria acabar.
          Silencioso como sempre, apontou o revolver para o ouvido da esposa, que dormia como um anjo. A dor preta do ciúme dizia que teria deitado com o outro na sua própria cama. descarregou a arma, herança do pai. Gritos dos pobres filhos que acordaram atônitos, agora orfãos de mãe. Ninguém entendeu nada. Para todos aquele pai de familia parecia um homem bom.