segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A MORTE DO ATOR ANTONIO DE PAULA SILVA, O PALHAÇO BELEZA

 

             A morte de Antônio de Paula Silva, o palhaço Beleza, ocorrida a primeiro de abril de 2002, foi emblemática. Ator e bonequeiro, o artista foi, digamos assim, engulido pela própria terra, quando um quarto de sua casa onde dormia sumiu numa cratera. Mas, o que poderíamos dizer de uma fatalidade tão grande? Fatalidades acontecem, dirão alguns. Mas, como foi acontecer aquilo? Ora, são fatalidades, acontecem e pronto, dirão outros. Senão, não seria fatalidade.

           Muito bem. Está tudo explicado, foi uma fatalidade. Mas, porque com o ator e palhaço Beleza? O artista, que na década de oitenta e inicio dos anos noventa do século passado, lotava o Theatro 4 de Setembro fazendo a alegria de milhares de crianças; o artista rebelde que criticava orgãos culturais e entidades representativas dos próprios artistas; o artista que vivia de vender seus bonecos em avenidas e praças; enfim, o artista que bebia a vida em grandes goles, literalmente. Isso pode ter explicação: Beleza foi engulido pela terra que tanto ele amava.

             Perceberam a metáfora? Entenderam por que foi tão emblemática sua morte? O que é feito com os artistas de nossa terra? Como é que se trata a arte nesse Estado? No caso de Beleza, não foi suicídio, mas bem que poderia ter sido. Porque seu talento foi o tempo todo vilipendiado, massacrado e posto de lado. Não pelas crianças que o amavam tanto. E, aqui, não vamos confundir o homem com o artista e criador, o homem com sua arte, pois é assim que muitos artistas locais são tratados: se não se enquadram morrem a míngua ou são engulidos pela terra. Uma perversidade do Estado e do município, onde os orgãos culturais, criados para o amparo e o incentivo à arte, são meros gestores de prédios públicos e administração de funcionários, muitos deles inéptos. Se bem que se fizessem isso com competência, ainda vá lá. Também, não se trata de dar emprego a artista, mas trabalho, renda, respeito, dignidade.

         Beleza não se enquadrava. Era um artista do desalento, de imensa competência em sua àrea. Era um dos melhores bonequeiros do país e um palhaço excepcional. Gritava, mas não era ouvido. Não se enquadrava em guetos, grupelhos, que hoje imperam na cultura piauiense. Quantos artistas gritam, mas não são ouvidos? Não estamos falando aqui daqueles que gritam em favor do próprio umbigo. Mas, do artista engajado na sua arte, produtor do belo. Estes não são ouvidos, por que na gestão cultural impera a lei do nada: nada de novo, nada de ousadia, nada de gritos, nada do contra, só a política dos iguais e a economia do resto. Que beleza poderia ter sido o palhaço Beleza, amparado e incentivado pelo seu talento, levando e espalhando alegria para todos nós.

            Beleza se foi há muito anos e sua morte, engulido pela terra que tanto amou, nos fortalece e nos dá a certeza de que precisamos lutar cada vez mais para que nossa arte seja valorizada, e nossos artistas não continuem sendo engulidos pela terra.

 

 

 

 

 

 

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