sábado, 3 de novembro de 2018

A FUMAÇA DO CIGARRO - 1



         Girava em aspiral pelo quarto cheio de posters dos seus ídolos, do mundo artístico e literário, sendo acompanhada e admirada pelo ar com perplexidade e extase.  Quando expelida era densa, cor de chumbo, só então ia mudando de tonalidade: um azul claro, um branco prata, até clarear de vez e sumir. 
        Não perdia um movimento de sua delicada trajetória, nem dos fios que se desgarravam do seu  núcleo, o olhar procurando cada fim, a mente fixa no que fazia. A cada tragada um prazer diferente, um gosto profundo pelas coisas ocultas da vida, uma vontade de levitar, ficar invisivel, misturar-se com o ar. Mas o cuidado com o cigarro, que diminuia cada vez mais, o fazia voltar para a realidade.
        Não podia perder um milimetro do que restava, e todo seu ser tinha que participar integralmente, entregar-se sem relutância, para poder deixar-se levar e usufruir de todas as essenciais que lhe beneficiariam naquela longa jornada. Sabia memorizado todos os truques daquele ritual, todas as etapas a vencer e todas as dificuldades que os iniciantes, como ele, encontrariam pelo caminho. No entanto, aquele era o primeiro passo, daí viriam os outros como reticências, não podendo haver quebras, pois não haveria chance alguma de retorno ao inicio. Era uma regra básica. Tinha que seguir fielmente o desenrolar dos fatos.
      Quando terminado o cigarro, sabia. Uma incrível sensação tomaria conta do espirito, fazendo- o navegar em turbilhão por lugares nunca dantes navegados pela memória. O quarto e a fumaça, e seus artistas preferidos, e ele olhando o teto fixamente, deitado em sua cama de solteiro. Os retratos que eram mitos nas paredes, grandes astros do cinema, da música, das letras e de personalidades da politica, da igreja e dos negócios, superpostos, como  uma advertência do perigo que corriam todas as especies que habitam o mundo. Dava um tempo para curtir o odor da fumaça sendo consumida pelo ambiente. Já estava quase na hora de sentir o que vira durante o viagem. Severas criticas ao sistema vigente nos comportamentos humanos, e que se não reparados urgentemente,  poderiam acarretar a derrocada final de tudo que estava posto com grande velocidade. A viagem sempre fazia desaparecer a sensação de impotência que deixava os corpos em torpor diante dos absurdos que se apresentavam, fazendo-os fortes, vigorosos,seres fantásticos. Era isso que ele queria compartilhar com o maior número de pessoas.

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