segunda-feira, 25 de junho de 2018

O CAIXÃO ERA MENOR


            Jacó Pereira, o Jacozinho, era um senhor  seguro e previdente. Morava no Pajeú. De um coração grande, era cheio de bondade, e amado por todos os moradores de sua comunidade, que o conheciam como o bondoso Jacó. Um certo dia, quando foi mordido por uma cobra canina teve certeza que ia morrer, mas escapou da morte pelos inúmeros remédios do mato que só ele sabia a receita, e pela ajuda das rezas de seus amigos e familiares.
            Desde aquele dia fatidígo da mordida da cobra que seu Jacó resolveu providenciar duas coisas que, segundo ele, era para não dar trabalho aos seus quando a morte realmente resolvesse levá-lo. Seu Jacó comprou metros de panos da mais pura seda, e para isso não economizou dinheiro, e mandou fazer sua mortalha, depois comprou metros de tábua de cedro para fazer seu caixão. Tanto dona Joaquina, sua comadre, que fez a mortalha com todo o esmero, como Antonio Jacó, seu sobrinho, que fabricou o caixão, com toda dedicação, ficaram com uma certa desconfiança que seu Jacó tinha ficado mole dos miolos.
            A mortalha feita por dona Joaquina ficara uma beleza quando seu Jacó a experimentou. O problema deu-se com a feitura do caixão, pois segundo seu sobrinho não houve encontro de horários entre os dois,  então, a peça fora feita por contar própria, sem medidas, no olho, como se falava pelas bandas do Pajeú. Foi ai que a coisa pegou: o caixão ficou menor do que o defunto, aliás do que seu Jacó. Mesmo assim não houve brigas. Antonio Jacó se comprometeu a fazer outro caixão, agora com as medidas do dono, mas que seu tio aguardasse e que deixasse de besteira com esses presságios de morte. Seu Jacó, dizendo que o seguro morreu de velho, não devolveu o caixão que  não lhe servia. Guardou para si.
           Pajeú era um lugarejo tranquilo onde só se ouvia os cantos dos pássaros, e onde o vento servia apenas para derrubar mangas maduras nos grandes mangueirais dos quintais das casas. Mas o povo do lugar gostava muito de corridas de cavalos. Para isso existia um prado improvisado numa estrada carroçal de terras batidas. No dia de corrida era uma algazarra só. Pois foi em um final de semana, dia de prado, que o filho de seu Zequinha Abreu levou um tombo do cavalo Lambedor, se estatalou no chão e morreu com o pescoço quebrado. Foi uma grande aflição em Pajeú! Antonio Jacó, o marceneiro, tinha viajado para a cidade, ficando o defunto sem ninguém que fizesse o caixão. Foi, então, que entrou a bondade de seu Jacó, que ofereceu seu caixão á família do morto. Só que o morto era maior, mas fazer o que? Tacaram o morto no caixão, que ficou com os pés de fora, aqueles pés brancos da cor de gelo, com os dedos duros, e pra cima .
           Dona Agustinha, a mãe do morto, que ainda não tinha visto tamanha asneira, ao entrar na sala da sentinela tomou um susto, e gritou que daquele jeito seu filho jamais seria enterrado. No bafafá que houve na sala, alguém se enganchou nos pés  do defunto e o caixão com o morto foi ao chão que estrondou tudo. Parecia um aviso final. Com muita conversa, e calma, todos chegaram a conclusão de que realmente o defunto não deveria ser enterrado com os pés de fora. Seu Jacó mais uma vez tentou dar um jeito na situação. Pegou sua bota de vaqueiro, feita de couro cru e usada quando ele era jovem, e enterrou a força nos pés do defunto. Ficou uma coisa inusitada, mas enfim era melhor do que ver os pés do morto saindo do caixão. Só que outro problema surgiu em plena sentinela, era a fedentina que começou a exalar das botas de couro cru de seu Jacó. Dona Agustinha e seu Zequinha não aguentaram ficar perto do filho, e o povo, só de mal, começou a dizer que aquela fedentina era do morto, um rapaz travesso e cheio de pecados, que não perdia a oportunidade de andar atrás das éguas.O próprio animal. Portanto, um castigo de Deus.
          No enterro do rapaz, feito antes da hora marcada, seu Jacó não deixou de lamentar a perda do caixão, e ainda por cima, a perda das botas, guardadas para serem calçadas por ele quando a morte chegasse.
              

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