domingo, 23 de novembro de 2014

NOITE COMUM EM NOSSOS DIAS



             Noite de brisa morna. Aberturado em plena via pública e jogado dentro de um fusca. Estalo na cara e tudo passou despercebido. Grito incontido. Depois no peito somente coração furado, e a revolta tomando conta do intimo. Eram doze horas? Tudo desconexo, sem razão de ser. Pensava em brincadeira, só podia ser. Um sequestro? Mas pra que? Duração do tempo nos pneus rangendo na Avenida Maranhão. Eram dois, os homens. O que fazia retornar ao mundo ardente dos infernais mundos conhecidos.
        - O que querem comigo?
          Curiosidade odiosa, os dois homens ansiosos no aspecto. Tempo passando, seria o fim? Silencio e só no vazio dos olhares. Vida de blefe. O que pensar agora nestes dias de tanta violência? Garganta seca sem vidência com dor em tudo que há, até na ponta dos cabelos das axilas, e além muitíssimo.
       - Calma, não queremos nada com você.
          Olhar vítreo revirando o espaço. O fusca tinha parado e a sala onde o colocaram estava vazia e suja. Zuada nos ouvidos crepitar na cabeça batendo pancadas violentas.Não pensar nos homens apenas como seres humanos, existe o instinto da brutalidade, da maldade por puro prazer. Pressão psicológica? Mas com que finalidade? Mil perguntas sem respostas. Tudo desigual. Ele, um anônimo, metido nessa transa de velhas teclas batidas. Agora eram puxões de orelha, tapas no rosto, queimaduras com cigarros. As paredes começavam a falar e o coração atormentado de medo e pavor. Oito horas da noite? Sentado numa cadeira com o pensamento varando a lembrança. Mas o que estaria acontecendo? Era funcionário público, estudante universitário de artes, fazia teatro, vários amigos...
      - Não interessa quem você é!
      - Por favor...
       Nos cabelos das pestanas também havia dor, sem antes haver. Degradante situação para um ser comum, que vivia sem evidência, agora encurralado por dois maníacos.
       - Tome cuidado com sua vida. Estamos de olho.
          Repetição infinita que furava os tímpanos. Eram doze horas? Parece não existir mais moral, dignidade humana em nossos tempos. As marcas da violência exalando, cabelos e pele queimados. O tempo passando no temporal dos rostos impassíveis. Quando chegaria o fim da trapaça, do engano. Só podia ser. Olhos de chumbo. Suor e dor restando vontade de retornar ao normal da vida. Quando a porta se abriu de vez, e foi empurrado.
      - Agora vai. E toma cuidado com a tua vida. Vamos...
        Disparada pelas ruas de domingo, que já era cedinho do outro dia. E o silencio. Cansado no corpo e uma alegria imensa de que tudo parecia ter terminado, virando apenas pó e cinzas. 
        No caminho de casa, riso na boca e lágrimas nos olhos. Tinha escapado de uma noite tão comum em nossos dias de violência, opressão e medo.  
                                                              (Publicado no Jornal do Piauí, em 18.04.1983)

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