domingo, 18 de janeiro de 2015

TEMPO DE CONTAR - Uma Ruma de Bosta


                Era o ano de 1981 e a ditadura militar no Brasil dava sinais de desgaste, mas no Piauí ela parecia tão longe de acabar que se contava nos dedos quem tinha coragem de enfrentá-la. No plano cultural, então, era um deus nos acuda, basta dizer que o diretor do Theatro 4 de Setembro, em Teresina, era um tenente. Para a classe teatral coisa pior não podia existir. O descontentamento era geral e irrestrito.
               Naquele ano as artistas de música entraram numa guerra contra os orgãos culturais do Estado, e lançaram um manifesto chamado de  Pau Baçu ou Movimento Heliotropista, que pouca gente sabia o que ora ou o que significava. O movimento ganhou as ruas com faixas, figurinos exóticos, caras pintadas e entrevistas em jornais. Muita gente de teatro se juntou ao pessoal de música e o manifesto foi lançado no Theatro 4 de Setembro quando se apresentava um espetáculo chamado "O Sangue Pagão Volta", de Artur Rimbaud. Nada mais apropriado. O manifesto lido no palco baixava o cacete na política de cultura desenvolvida pelo governo do Estado.
             De minha parte, e de alguns amigos de teatro, que não davam trégua na luta contra o descaso  cultural, aquilo era uma mão na roda. No entanto, preferimos ficar nos bastidores do movimento, apesar de termos consciência de que a luta era coletiva. Fomos até criticados por essa decisão. Mas era que naquele momento lutávamos em várias frentes, como membro da Federação de Teatro Amador do Piauí - Fetapi, uma entidade que atuava em todo o Estado, e era bastante respeitada. Então, entendíamos, também, que a luta devia ser permanente e não movimentos estanques como era o Pau Baçu, que de fato durou pouco.
             A luta encarniçada da Fetapi era para tirar o tal tenente da direção do Theatro 4 de Setembro Lembro que exatamente naquele período o Grupo Raízes estava em cartaz com a peça "Mata-me Com Teus Beijos", de Rubens Lima, dirigida por mim. O grupo ia apresentar-se no Theatro, mas quando chegou o cenário o tenente queria proibir a apresentação alegando que o Grupo iria encher o palco de porcaria. A negociação foi tensa e terrível. Apresentamos o espetáculo, mas a luta aumentou ainda mais.
               Foi quando surgiu a ideia da ruma de bosta. Era simples. Se o Secretario de Cultura do Estado junto com o Presidente da Fundação Cultural do Piauí não substituíssem o tenente da direção do Theatro 4 de Setembro. a Federação do Teatro Amador do Piauí contrataria uma fileira de carroças carregadas de bosta de vaca e,  em plena madrugada, mandaria despejar na porta da Secretaria de Cultura do Estado do Piauí. Pronto. Que ideia genial! Seu autor, Lili Martins, grande ator. Com certeza as manchetes estariam garantidas. A gente ria só de pensar. O danado era exatamente como sair ileso do caso sem que ninguém descobrisse quem teria feito aquilo, nem a policia.
               O fato é que a pressão aumentou na exigência pela saída do tenente,como aumentou também a luta por mudanças estruturais na política cultural do Estado, sem dúvida alguma ajudado pelo movimento Pau Baçu. Foram reuniões por cima de reuniões entre artistas e dirigentes dos orgãos de cultura. Como era unanimidade a saída do tenente, ele terminou sendo substituído. Foi a primeira vitória.                 
               Então, a ideia da ruma de bosta ficou só no plano. Bons tempos aqueles em que a classe artística tinha grande poder de pressão.
                

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