sábado, 8 de junho de 2013


                                                        DE  PARTIDA.


             Com os olhos pregados no ônibus José Lembrava o que corria de boca a boca lá pelo sertão:
           - No sul do país você ganha a vida.
             Cada dia o lugar ia ficando vazio de homens, os forrós e as moças. A propaganda do agente de viagem arrastava os pobres desempregados pela estiagem.
            No peito de José uma estranha sensação, o pensamento cheio de visões otimistas.
          - No sul do país tem de tudo! Era como se ouvisse todos dizerem.
            Tinha chegado a rodoviária da capital escuro ainda. Na hora certa o ônibus riscara. Ao seu redor maletas, sacos, rostos tensos, sorrisos amarelos nas faces de alguns que estavam solitários. Ele com seus pertences na mão. Ali não tinha mais agente de viagem alardeando bonança, só o motorista do ônibus  de cara fechada esperando todos saírem. Ninguém prestava atenção a ninguém.
           Antigamente precisaria ir à cidade comprar passagens, agora o agente estava lá, era só marcar o dia. Foi o que José fez.
           A decisão de ir embora fora uma noite inteira de intensa luta intima, vagando pelas veredas do Capuamo de litro na mão. As palavras na cabeça.
         - No sul do país você se emprega, ganha muito dinheiro, fica rico.
           O governo tinha mandado abrir frentes de trabalho: era construir açudes, barragens e estradas inúteis. O que José não aguentava mais.
          Agora, à porta do ônibus, só lembranças que iam aumentando ao aproximar-se a hora da partida, torturando seu coração.  Tinha agido certo, sim. Iria sair dos pés dos balcões daquela terra sem futuro em busca de um mundo cheio de oportunidades, que lhe daria nova vida. Depois todos estavam indo. Mas lá existiria outro Manoel? E Raimundinho da bodega, e Pedrinho da Garapa?Lá existiria outra Mariana?
         Mariana. Não tivera coragem de se despedir dela, tanto que a amava. Manoel na certa lhe diria, fora o amigo escolhido para andar com ele pelas veredas escuras na noite de despedida. Um dia viria buscar Mariana, era só ganhar as coisas, ficar rico. Mas se nada desse certo?
       Uma sensação estranha no peito aumentava ao pensar na separação total. Nunca mais vê Mariana, nem o amigo Manoel, nem ouvir mais terços na casa de dona Bentinha e arrematar bolo de goma no leilão. Ainda era hora de desistir. Não seria corpo mole não querer mais enfrentar a terra seca, as frentes de trabalho? Por que não tentar até o fim? A verdade nua a desfilar diante de seus olhos, quando ouvia o agente de viagem:
     - Aqui, nesta terra, você vai morrer. Está tudo acabado. O sertão é o sertão dos mortos. Miséria, fome, peste. No sul do país tem riqueza.
       Tinha que dominar a dor no peito, nas carnes, nos ossos. Fazer como todos que ali estavam na frente do ônibus: estancar os sentimentos, partir sorrindo. Um ideal na mente.
      O ônibus apitou pela última vez. José estava sentado na sua poltrona. Aí, abriu a janelinha e olhou para as coisas que iam ficar para trás, surgindo tudo em sua mente como num sonho.
      O que faria no sul no país?

                           (Publicado em 10 de maio de 1981-Jonal O Estado)